Morto João Soares de Sousa, terceiro Capitão da ilha de Santa Maria e segundo do nome, herdou a casa e capitania o ilustre Pero Soares de Sousa, seu primeiro filho, quarto Capitão da mesma ilha e único do nome, o qual, sendo moço de pouca idade, se criou na corte e, depois do falecimento de seu pai, governou a capitania, e foi confirmado nela a sete dias de Dezembro da era de mil e quinhentos e setenta e três anos.
E indo à ilha da Madeira, casou lá com uma generosa mulher, de muita prudência e virtude, chamada D. Breatiz de Moraes, filha de João de Moraes, natural do Quintal, termo da cidade de Viseu, dos Moraes, Gouveias e Azevedos, e de Catarina Fernandes Tavares, da geração dos Tavares e Teixeiras, moradores em Santa Cruz , da mesma ilha, e aí viveu com ela alguns anos; mas depois se vieram a viver na ilha de Santa Maria com o cargo dela, assim ele, como sua mulher, mui virtuosa e honradamente, sem agravo nem escândalo de ninguém, com tanta paz, amor e mansidão com todos, que quase não se enxergava nem sentia o jugo que tinham os súbditos de seu governo. Sendo ambos mui cheios de caridade e amigos dos pobres, repartindo com eles suas esmolas, visitando e ajudando a todos com todo o que podiam e mais além de suas forças, e tão conhecidas eram suas grandiosas e magníficas condições e virtudes, que está entendido, e mais claro que o meio-dia, que, se sua possibilidade fora maior, soaram muito mais suas grandezas, dignas de grandes louvores, porque não ia pessoa honrada ou necessitada a sua casa que ele não amparasse, honrasse, favorecesse e recebesse, com umas entranhas tão sinceras e um coração tão amoroso e obras tão caritativas, que, dando exemplo aos seus naturais de toda benignidade, estava roubando as vontades e corações dos forasteiros e estrangeiros, que ele, como domésticos e próprios filhos, agasalhava, pelo que de uns e outros era mui obedecido, louvado e amado.
Era este ilustre Capitão mui espiritual e devoto, grande amigo de Deus, donde lhe vinha ser, por amor do mesmo Senhor, tão amigo dos homens; e deste bom fundamento lhe iam sempre em crescimento as boas obras que fazia. Vivendo grande meia légua da Vila do Porto, o mais do tempo em uma sua quintã, não perdeu missa domingo nem festa, por grande necessidade que tivesse, e o mesmo fazia a Capitoa, que em todas estas nobrezas, liberalidades e virtudes lhe ia sem discrepar, seguindo as passadas; o qual, além de não faltar na Igreja os dias de sua obrigação, três vezes na semana, pelo menos, ouvia missa, pelo que, conversando na Igreja e sendo tão amigo dela, não foi fero nem bravo e de dura cervix, como soem ser os que dela fogem, mas humilde, obediente, brando, macio e subjecto a toda a doutrina, especialmente eclesiástica.
Foi homem grande de corpo, grosso, grave, gentil-homem, e muito alegre e afável; e, com ser tão liberal, era contrário à ociosidade, porque sabia que ela é mãe e seminário de muitos vícios, como a cobiça é raiz de todos os males.
Houve este generoso e virtuoso Capitão da Capitoa D. Breatiz de Moraes, sua mulher, quatro filhos; o mais velho se chama João Soares de Sousa e ora é frade de São Hierónymo, muito virtuoso e bom religioso, o qual, sendo ele o morgado, mandou seu pai a Lisboa para andar na corte e servir a el-Rei, com outros dois irmãos, mais moços, em sua companhia, um chamado Brás Soares de Albuquerque e o outro, Henrique de Sousa, para daí irem caminho da Índia. E estando em Lisboa, movido João Soares de Sousa por inspiração divina, querendo buscar e fazer outra vida mais quieta que a que o mundo promete, e servir a outro maior senhor que o rei da terra, aspirando seus desejos antes para o Céu, se apartou de seus irmãos, e sem lhe dar conta alguma, se foi caminho de Castela e lá se meteu na ordem, em um mosteiro de Burgos, onde fez profissão, fazendo nela vida santa, e por sua religião e virtude e mansidão foi e é honrado e estimado muito de todos os frades.
Em Lisboa, ficaram os outros dois irmãos, onde dali a poucos dias, com grande enfermidade, faleceu o mais moço, chamado Henrique de Sousa; e outro, chamado Brás Soares de Sousa, e dantes de Albuquerque, que ora ficou morgado, também adoeceu de grave doença e, para se curar dela, se recolheu e agasalhou em casa de uma nobre e honrada mulher, natural da mesma ilha de Santa Maria, a qual o curou e serviu tão bem, com tanto amor e cuidado, que, depois de ter saúde, não soube com que lho agradecer, senão com casar com uma sua filha, como adiante direi, quando dele, particularmente, em seu lugar disser.
Houve outro filho o dito Capitão, que se chama António Soares, gentil-homem, discreto e muito alegre, e dado a passatempos com outros mancebos, muito forçoso e afeiçoado a jogar das armas, que, por ter grandes espíritos, se foi para as Índias de Castela, onde alguns dizem ser falecido.
Tem também uma filha, chamada dantes D. Ana, e agora Ana de São João, no mosteiro da Esperança da cidade da Ponta Delgada, desta ilha de São Miguel, em que está já professa, e outra, natural, chamada dantes Concórdia de Sousa, e agora Concórdia dos Anjos, que houve sendo solteiro, também professa e boa religiosa, que por sua perfeita virtude e religião, de ambas, são nele de todas as mais religiosas muito estimadas.
A jurdição, que têm os Capitães desta ilha de Santa Maria, é conforme a dos da ilha da Madeira, até quinze mil réis e açoite em peão. E, quanto à renda, afora a de suas terras próprias e outras granjearias, tem a redízima e os moinhos, fornos de poia, e que, tendo sal o não possa vender outra pessoa senão ele, a meio real de prata o alqueire.
E na era de mil e quinhentos e oitenta, sendo este ilustre Capitão Pero Soares de idade de sessenta e sete anos, enfermou de parlisia (sic) que lhe deu, como ao Capitão, seu pai, que sofreu com muita paciência, louvando a Deus que lha deu cá na terra, de que faleceu aos trinta dias de Agosto da dita era, para merecer com ela e com as obras de muita virtude e caridade, que sempre usou fazer, a herança do Céu para que foi criado; e foi enterrado na igreja principal de Nossa Senhora da Assunção com muita solenidade e dor de todo o povo, que por suas obras e condição o amava muito.