De entre os açorianos que nos últimos anos muito pugnaram pela solução do problema da sericicultura, destacaremos os nomes do Coronel Linhares de Lima e do falecido Comendador Jaime Hintze, o primeiro como Ministro da Agricultura que promoveu a publicação do decreto n.° 18.604 de 12 de Julho de 1930; o segundo como agricultor e industrial que, na sua conhecida granja da «Gorreana», muito trabalhou em sua vida para que a cultura do sirgo e a indústria da seda se alicerçassem em S. Miguel por forma a constituírem, de futuro, uma importante fonte de receita para a respectiva economia rural.bicho de seda2

A publicação daquele importante diploma, conquanto se destinasse quase exclusivamente ao Continente, não deixou de ter reflexos nos Açores, onde as Juntas Gerais dos respectivos distritos desde logo promoveram a intensificação da cultura da amoreira.

O pequeno relatório que antecede o referido decreto cuja iniciativa se deveu ao Governo de que fazia parte o ilustre picoense Coronel Linhares de Lima, reconhece que sendo a indústria sericícola antiga e tradicional no País, como tal tem sido em diversas ocasiões, relativamente frequentes, objecto das atenções do Estado.

«Nem sempre, porém e completamente cobertas de êxito, por circunstâncias intrínsecas, derivado da própria natureza do seu exercício e, principalmente, talvez pela falta de perseverança e de continuidade nas medidas adoptadas».

«Persiste, no entanto, ainda agora, — diz-se no mesmo relatório — como indústria agrícola doméstica, susceptível, quando bem exercida, de resultados remuneradores para as populações rurais, como pode e deve tornar-se um factor importante para melhoramento da situação económica portuguesa desde que se congreguem e resultem profícuos os esforços tendentes a suster ou, quando muito a diminuir a importação de matéria prima da indústria renascente de fiação e tecelagem da Seda».

No conjunto de medidas preconizadas pelo decreto a que nos reportamos e que bom seria se, em toda a sua extensão, se pusesse em vigor nos Açores, encontram-se várias e importantes disposições:

umas referentes à protecção à cultura da amoreira e à sericicultura; outras fomentando a organização de associações sericicolas;

outras ainda prevendo a protecção oficial à indústria de fiação de sedas;

outras finalmente criando organismos de estudos e de investigação tendentes ao desenvolvimento da sericicultura e da sericitécnica.

Relativamente ao problema circunscrito aos Açores, designadamente à ilha de S. Miguel, cabe-nos evocar o nome já acima mencionado do Comendador Jaime Hintze – micaelense há pouco falecido e que por tanto haver pugnado pela causa agrícola e industrial desta ilha é por nós considerado como um exemplo digno de ser imitado por quantos vêem na agricultura a única e verdadeira fonte de riqueza da ilha de S. Miguel.

A comunicação apresentada por aquele antigo governador do Distrito de Ponta Delgada ao I Congresso Açoriano, realizado em Lisboa no mês de Maio do ano de 1938, é um documento que tem muito interesse já por nos dar uma idéia geral do problema da sericultura quanto ao nosso País, quer por situar o caso micaelense nos índices do mesmo, quer ainda por nos evocar a série de experiências até então levadas a efeito na sua aludida granja, sob a orientação técnica dos Serviços Agronómicos da Junta Geral do Distrito, que só na Gorreana plantou no outono de 1928, duzentas amoreiras da variedade Moretti — o que lhe permitiu chegar a algumas importantes conclusões e propor algumas medidas atinentes ao estudo circunstanciado do problema em causa e sua resolução definitiva.

Ao dissertar sobre o desenvolvimento da amoreira e depois de se haver apoiado no que a tal respeito afirmara o sericicultor Graça da Cruz, quanto ao que se passava em vários países europeus, nomeadamente em Portugal, escrevia Jaime Hintze em 1938:

«Em São Miguel, com um clima e terrenos que para a vegetação, crescimento e desenvolvimento da amoreira são, sem dúvida, privilegiadíssimos e que logram fazer produzir duas e mesmo três colheitas por ano de folhas de amoreira, o incremento de tal cultura será positivamente assombroso. Temos que considerar ainda que a nossa água não é calcárea.

Este pormenor é importante, porque é sabido que a água que contém cal não se presta à extracção do fio do casulo—dificultando e até impossibilitando o desenrolamento do mesmo fio.

É por isso que se emprega água da chuva colhida em depósitos ou distilada, com dispêndio e incómodos consideráveis, nos meios onde só existe água calcárea, que são muitos ou quase todos os que exploram a sericicultura. Ninguém ignora quanto a humidade do clima, o sistema de chuvas, a constituição do terreno e as demais circunstâncias da ilha influirão no desenvolvimento exuberante das plantas que alimentam o bicho da seda.

«Eu mesmo fiz experiência na Gorreana, neste caso simplesmente para ver de quanto era capaz, quanto à cultura da amoreira, o terreno de São Miguel, e obtive três colheitas. A amoreira vegeta de tal forma que poderá facilmente dar quantidades de folhas desde o mês de Abril a Setembro e o bastante para que se possam criar três culturas de sirgo, o que é muito importante. A planta em três anos está já em plena produção».