Faia‑da‑terra (Myrica faya Ait.).
A origem desta espécie remonta ao Mediterrâneo Terciário, facto documentado, quer pela existência de populações relíquia no continente, quer por elementos fósseis. A Myrica faya Ait. é uma árvore conhecida. Os seus povoamentos naturais ocorrem nos Açores, Madeira, Canárias e populações localizadas em Portugal Continental. Nos Açores esta espécie arbórea chega a atingir 20 m de altura (excepcionalmente 15 e um diâmetro superior a 35 cm). Existe em todas as ilhas, normalmente perto do mar mas ocorre em laurissilva até 700 m de altitude.
A faia‑da‑terra possui peculiaridades ecológicas e morfológicas que lhe possibilitam comportar‑se como uma exploradora, conseguindo colonizar meios inóspitos como superfícies de lava, onde a carência de nutrientes, nomeadamente azoto, limita o crescimento vegetativo. A faia apresenta associações com fungos micorrizais, bem como nódulos de simbiose com uma bactéria fixadora de azoto (Frankia) que se desenvolve nas suas raízes e fixa azoto atmosférico permitindo à espécie colonizar a maioria dos habitats, mesmo em condições extremas de substrato.
No entanto o azoto captado (cerca de 4 vezes mais do que o normal) fica disponível não só para a faia mas para todas as espécies que eventualmente ocorram no local. Para controlar essa possibilidade, a faia desenvolveu uma outra estratégia “dominadora” do espaço, a alelopatia, ou seja dificulta a germinação de sementes e o crescimento de outras espécies uma vez que contém componentes químicos inibidores que se acumulam, a partir de restos de folhas e ramos, na superfície do substrato.
Embora apresente uma série de vantagens competitivas a Myrica faya tem vindo a perder a batalha do território a favor de dois intervenientes primordiais, o homem e o incenso, uma espécie vegetal exótica infestante (Pittosporum undulatum). A distribuição potencial das formações de faia é a faixa de baixa/média altitude em torno da ilha, de clima ameno, correspondendo à área de maior interesse para exploração humana, quer para construção, quer para actividades agrícolas, tendo estas contribuído sobremaneira para o desaparecimento e transformação das suas florestas.
Também a invasão progressiva do incenso nas florestas de baixa e média altitudes tem contribuído para a fragmentação das formações de faia.
A realidade actual desta espécie é o seu desaparecimento progressivo da paisagem açoriana. Os mosaicos de florestas com faia são ainda frequentes.
contudo, na sua grande maioria, estão descaracterizados e sob o grave risco de uma completa extinção, se não ocorrer uma intervenção generalizada de combate ao incenso.
A história da utilização desta espécie nos Açores é bastante antiga e bastante diversificada também. É conhecido o uso de frutos silvestres de faia para fazer compota, bem como para o fabrico de carvão. Existem também referências históricas acerca do uso da casca da faia para o curtimento de couros.
Uns séculos mais tarde, nas ricas quintas da laranjeira dos Açores, repletas de história, a faia era usada como abrigo, protegendo as laranjeiras dos ventos. Ao longo dos tempos as pessoas foram optando por outras espécies, as chamadas de crescimento rápido, nomeadamente o incenso, para a construção das suas sebes, tendo contribuído para a sua dispersão. Uma recente e crescente consciência ambiental, um gosto e orgulho pelo que é da terra, associados a uma aposta das entidades oficias pela reprodução e venda de Myrica faya tem vindo a mudar as tendências.
Cada vez mais as pessoas procuram esta espécie contribuindo não só para a sua salvaguarda bem como para a recuperação de formas tradicionais do uso da terra.
Uma grande variedade de aves, incluindo a subespécie de pombo‑torcaz, endémica dos Açores, usam de uma forma não só sustentada mas também vantajosa, os recursos que a Myrica faya fornece, alimentando‑se das suas bagas e contribuindo assim para a dispersão natural da espécie na região.
Nos Açores, um dos locais em que a Myrica faya é natural, devido a uma série de factores, em que a acção do homem sobressai do ponto de vista negativo, as populações naturais de faia são cada vez mais raras e fragmentadas. A sua perpetuação no tempo implica uma necessidade de protecção e mesmo de intervenção directa. Noutro extremo, no Hawai, a faia foi introduzida por emigrantes açorianos e madeirenses nos finais dos anos 1800, com fins ornamentais e medicinais e representa actualmente uma das mais graves invasoras que ameaça a flora nativa da região.
A todo o momento sofremos as consequências da forma insustentável com que transformamos o meio ao longo dos séculos, às quais a mãe natureza tenta constantemente ajustar-se.
Por vezes o resultado é “apenas” a perca de biodiversidade mas a tentativa de harmonização pode surgir de uma forma agressiva como se de um aviso se tratasse.
In Espécies florestais das ilhas, Eduardo Dias, Carina Araújo, José Fernando Mendes, Rui Elias,
Cândida Mendes e Cecília Melo
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