azevinhoO azevinho Ilex azorica (Loes.)

A espécie Ilex azorica Loes. – azevinho – é endémica dos Açores. Trata‑se de uma espécie arbórea, com altura máxima que rondará os 8 m, na actualidade, mas muito mais alta em indivíduos centenários extintos, correspondendo ao único elemento da família Aquifoliaceae na flora natural.

É um fanerófito dioico, mas com evidentes vestígios de gineceu nas flores masculinas, que se desenvolvem em cimeiras axilares. As folhas são orbiculares, mucronadas, com margens pouco serrilhadas contrariamente a outras espécies do género, com excepção das plantas jovens.

A esta família estão associadas mais de 500 espécies, largamente distribuídas nas zonas tropicais, subtropicais e temperadas dos dois hemisférios. O azevinho encontra‑se presente em todas as ilhas do arquipélago, excepto na Graciosa.

Apesar do seu estatuto na lista vermelha dos Açores, ser de baixo risco (LR), sem necessidade de medidas de protecção, mas de tendência para vulnerável, o seu estado de conservação não é igual em todas as ilhas, evidenciando discrepâncias acentuadas em termos da sua abundância. Em Santa Maria encontra‑se ameaçada e no Corvo apenas um indivíduo foi reportado, estando no limiar da extinção.

A singularidade desta planta, relativamente às suas parentes madeirenses e canarienses, resulta do facto de fazer parte do pequeno lote de espécies estruturadoras das florestas açorianas. O azevinho é um elemento característico das florestas nativas mesófilas de altitude acima dos 500 m, formando uma tipologia de floresta endémica dos Açores – florestas de azevinho – distinguindo‑se pela sua forte componente norte‑atlântica das restantes formações florestais da Macaronésia.

Estas estão associadas a condições de extremo encharcamento e de abrigo em encostas ensombradas e sujeitas a ventos frios. Por isso, apresentam actualmente uma distribuição pontual, face à competição do Homem por espaços onde esta naturalmente ocorreria.

A importância desta espécie expressa‑se, também, no ecossistema açoriano, como sendo um recurso alimentar fundamental para o priolo (Pyrrhula murina, passariforme endémico de São Miguel), que se alimenta quase exclusivamente dos botões florais do azevinho no final do Inverno e, por isso, constitui um alimento crítico para esta espécie, sendo considerada a frequência e distribuição do azevinho um dos possíveis factores ameaça à população de priolo.

A distribuição actual de Ilex azorica indica uma tendência altitudinal marcada ocorrendo associada a zonas altas e muito húmidas, que pode resultar da modelação antropomórfica da paisagem. Apesar das descrições antigas sobre as florestas de baixa altitude não referenciarem a presença de azevinho, em condições ombrotróficas pontuais poderiam permitir a ocorrência da mesma, o que é sustentado por dados fósseis encontrados nas bacias de Angra do Heroísmo e Ponta Delgada.

O Ilex azorica, tal como outras espécies deste género, encontra‑se associado à simbologia natalícia e é usado como um dos principais elementos decorativos dos arranjos da quadra. As suas ramagens são verde escuras constratantes com os frutos vermelho vivo.
e a sua maturação dá‑se no início do Inverno.

A intensa utilização dos azevinhos não se resume a este apontamento festivo no decorrer do ano. Os Açorianos encontram outros usos para esta árvore, levando em alguns casos a uma exploração que terá tido consequências na sua distribuição e abundância. O uso de ramagens para alimentação de gado bovino/caprino é uma prÁtica que remonta aos inícios do povoamento como se pode aferir por esta citação do cronista Frutuoso “Há muitos azevinhos a que cortam a rama para os gados principalmente para o vacum, que faz tanto por ela que onde a ouve cortar com machado vem a correr para comer, e desTe ardil usam os moradores para ajuntar seus gados com pouco trabalho”.

Esta prática moldou inclusive alguns aspectos da paisagem açoriana, podendo-se encontrar em algumas ilhas, como no Pico, pastagens tipo montado, em que o azevinho faz parte da estrutura da pastagem, quer funcionando com sebes de abrigo, quer mantendo um suplemento alimentar para os animais.

Os usos do passado, talvez motivados pelo extremo isolamento A que as ilhas estiveram sujeitas, trataram de ser, pelo menos nos recursos que chegaram ao início do século XX, cuidadosamente sustentáveis. É o caso da exploração do azevinho endémico, utilizado como ramagem verde para o gado, em particular o caprino, e para manutenção de prados a média altitude, deixando indivíduos desta espécie pelos campoS, que funcionavam como colectores de nevoeiro e matéria verde.

Em qualquer dos casos, as árvores eram moldadas por podas e desramas cuidadosas. O corte de saberes e conhecimentos da terra, que se deu nos tempos recentes levou a alterar estas práticas para algo mais letal e que está a colocar esta espécie rapidamente na lista vermelha: são utilizadas motoserras para a aceder á sua folhagem… cortando as árvores pela base, mesmo nos lugares mais recônditos.

Actualmente, uma nova ameaça se desenha, bem mais silenciosa mas perigosa: a introdução, com fins ornamentais, de outras espécies de Ilex. Sabendo que existe possibilidade de hibridação entre as espécies próximas e, na ausência de legislação e acções de fiscalização que proíbam a importação de outras espécies próximas das endémicas, assiste‑se a uma proliferação de azevinhos introduzidos nos jardins. A confirmar‑se o cruzamento, este poderá levar à extinção do Ilex azorica, tal como o conhecemos e à sua substituição pelo híbrido.

 

In Espécies florestais das ilhas, Eduardo Dias, Carina Araújo, José Fernando Mendes, Rui Elias, Cândida Mendes e Cecília Melo
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