No ano de mil e quatrocentos e vinte e oito se conta que foi o Infante D. Pedro a Ingraterra, França, Alemanha, à Casa Santa e a outras daquela banda, e tornou por Itália; esteve em Roma e Veneza, e trouxe de lá um mapa-mundi que tinha todo o âmbito da Terra e o estreito de Magalhães, a que chamava Cola do Dragão, o Cabo de Boa Esperança, fronteira de África; e conjecturo que deste se ajudaria depois o Infante D. Henrique em seu descobrimento.
E conta o capitão António Galvão que Francisco de Sousa Tavares lhe dissera que, no ano de mil e quinhentos e vinte e oito, o Infante D. Fernando lhe amostrara um mapa, que se achara no cartório de Alcobaça, que havia de cento e vinte anos que era feito e tinha toda a navegação da Índia com o Cabo de Boa Esperança, como os de agora, o qual mapa-mundi cuido que devia ser o que trouxe o Infante D. Pedro. E, sendo assim, isto já em tempo passado era tanto, como agora, ou mais descoberto; e de crer é que deste mapa se ajudaria também muito o Infante D. Henrique para o descobrimento destas ilhas dos Açores, de que falamos. E pode ser que a notícia que delas dariam os fenicianos, que alguns dizem ser os venezianos, que atrás disse, tão antiga as faria por arrumar e pintar nos mapas que já daquele tempo antigo para cá se fizeram e imprimiram, porque não é de crer que tão graves Príncipes se movessem, sem mais notícia, a descobrimentos tão duvidosos, trabalhosos e tão custosos. Senão se se moveu o Infante D. Henrique a isso por revelação divina, como alguns cuidaram e escreveram, o que não é muito crer dele, pela muita limpeza e virtudes de que Deus o dotou em sua vida.
Mas com todo o trabalho e gasto que o Infante D. Henrique tinha feito, nunca desistiu de seu propósito e descobrimento da costa de África e para isso mandou Gileannes, seu criado, que foi o primeiro que passou o Cabo Bojador, tanto por todos arreceado, e trouxe nova não ser tão perigoso como se dizia; da outra banda saiu em terra e, como quem tomava posse, pôs nela por marco uma cruz de pau.
Dizem alguns antigos que logo perto deste tempo em que Giliannes passou o Cabo Boyador (sic), estando o Infante D. Henrique em Sagres, no Algarve, mandou um navio descobrir a ilha que agora chamam de Santa Maria, primeiro que todas as outras ilhas dos Açores, o qual navio vindo, andou certos dias no mar, e, não a achando, arribou ao Algarve, e querem dizer que àquela mesma hora disse o Infante aos que com ele estavam em Sagres: — “Agora arribou o navio que ia a descobrir a ilha”, e depois, chegando o mesmo navio, disse o Infante ao capitão e mestre dele: — “Tal dia arribastes”; e, respondendo-lhe que era verdade, lhe disse o Infante que por curto a não acharam. E daí a dias tornou a mandar o mesmo navio, avisando aos que iam nele que fossem mais adiante, e que logo a achariam, como, de feito, acharam. Mas o que mais certo deste descobrimento pude saber é o que agora direi.
Pelas informações e notícia que o Infante D. Henrique tinha destas ilhas dos Açores, como atrás dito tenho, ou porque Deus lho inspirava para bem destes reinos, no ano do Senhor de mil e quatrocentos e trinta e um, reinando em Portugal el-Rei D. João, de Boa Memória, décimo em número e primeiro do nome, tendo o dito Infante em sua casa um nobre fidalgo e esforçado cavaleiro, chamado Frei Gonçalo Velho das Pias, comendador do castelo de Almourol, que está sobre o Rio Tejo, arriba da vila de Tancos, de quem, por sua virtude, grande esforço e prudência, tinha muita confiança, o mandou descobrir destas ilhas dos Açores a ilha de Santa Maria, ou, porventura, também esta de São Miguel; o qual, aparelhando o navio com as coisas necessárias para sua viagem, partiu no dito ano da vila de Sagres e, navegando com próspero vento para o Ocidente, depois de passados alguns dias de navegação, teve vista de uns penedos que estão sobre o mar e se vêem da ilha de Santa Maria, e de uns marulhos que fazem outros que estão ali perto, debaixo do mar, chamados agora todos Formigas, nome imposto por ele, ou por serem pequenos como formigas, em comparação das ilhas, ou porque ferve ali o mar, como as formigas fervem na obra que fazem; de qualquer maneira que seja, estas Formigas são uns baixos perigosos de rocha e penedia, que estão em trinta e sete graus e meio de altura da parte do Norte setentrional, pouco alevantados sobre o mar. E esta ilha de São Miguel tem outro baixo, que está Nordeste Sudoeste com o porto da vila do Nordeste, afastado da terra por espaço de três léguas; deste baixo, que está Norte Sul com o baixo que chamam as Formigas, até as mesmas Formigas há caminho de oito léguas; e o porto do Nordeste está com elas Nor-noroeste e Su-sueste, em distância de dez léguas. As quais, com a Ponta de Álvaro Pires, que é a da banda de Leste da ilha de Santa Maria, estão Nordeste e Sudoeste, afastadas sete léguas da dita ponta, ficando da mesma ilha quase ao Nor-nordeste.
O que destes baixos aparece sobre a água do mar tem no princípio um grande e alto penedo, e na outra ponta outro mais baixo e pequeno, e, do alto até o mais baixo, corre a compridão delas como do Nordeste a Su-sudoeste, e a ponta mais delgada delas, que é o penedo mais baixo, vai direita à ilha de Santa Maria, esvarando (sic) pela banda do Norte da mesma ilha. Têm estas Formigas, do penedo grande à outra ponta do outro penedo mais pequeno (indo correndo antre eles tudo conforme e igual com outra altura mais baixa), tanto como um bom tiro de besta. O penedo maior, que é a cabeça deste baixo, é de altura de uma casa sobradada, e, deste penedo para a ponta, que é outro penedo um pouco mais baixo, corre em altura de casa térrea. Assim que são três alturas diferentes, porquanto têm os meios mais baixos. E há um canal antre o penedo grande e o outro baixo mais baixo, por onde passam barcos de banda à banda, e aqui, neste canal, morre muito peixe de muitas maneiras nas bocas dele, e morrem também escolares. E da banda de Leste se abrigam os barcos a este penedo grande de todo o temporal que corre contrário de rosto ao Leste. A largura deste baixo será tanto como vinte côvados, de três palmos cada côvado, a lugares mais e a lugares menos. E da banda do Sul está outro baixo arredado, que é o penedo mais pequeno da outra ponta, por antre o qual e o baixo do meio pode passar um barco. E estes penedos dos cabos, assim o grande como o pequeno, chamam os mareantes Cuadas, porque são os extremos e pontas de todo este baixo, que está sobre o mar. E quando o vento é Nor-nordeste, nesta Cuada, ou penedo pequeno, se abrigam dois até três barcos, porque não cabem mais. Mas, sendo o vento mui rijo, então se acolhem à ilha de Santa Maria, o que não é assim no outro abrigo, da banda de leste, que é a Cuada ou penedo mais alto, porque lá, com toda a tormenta do mundo, aguardarão, não todos os barcos que se acharem, senão só quinze até vinte, porque não podem em aquele lugar caber mais, e, quando ali se abrigam, estão amarrados às proízes ao penedo, e com suas poutas botadas no baixo. Da banda do Sudoeste está uma calheta pequena, metida no penedo, em a qual com vento contrário, que é Leste e Les-nordeste, se abrigam dois barcos.
Nestes baixos há muitos caranguejos, lapas, cracas e búzios, em tanta quantidade, que é coisa de espanto ver a multidão deste marisco. Estando pescando aqui uns pescadores da cidade da Ponta Delgada, desta ilha de São Miguel, ceavam todas as noites em terra, ou para melhor dizer, em pedra, sobre o baixo, e àquela calheta vinha ter um lobo marinho, da feição e grandura de um grande bezerro, a encostar-se às pedras, ao qual botavam eles as espinhas do pescado que comiam. E já se aconteceu irem pescadores pescar a estas Formigas e, deixando lenha e uma cruz em cima do penedo, quando tornaram lá o outro ano seguinte, acharam a cruz e a lenha, sem a tormenta a levar. Da Cuada, ou cabo deste grande e mais alto penedo, direito ao Sueste, espaço de uma légua, demora outro baixo debaixo do mar, ficando-lhe o outro alto ao Noroeste, de maneira que estão ambos Noroeste Sueste. Este baixo, que chamam o Raso, é muito mais perigoso que o outro alto, de que mais se temem os mareantes, e onde os navios se perdem; e são três baixas debaixo do mar, com três eiras entrempadas como em triângulo, que farão todas três estendidas e o mar, que no meio se mete, quantidade de três alqueires de terra. Por muito manso e chão que estè (sic) o mar, arreceia qualquer barco, por pequeno que seja, de se meter antre elas, pelo grande fervor que a água ali trás.
Com baixa-mar, podem ser sobre estas baixas sete ou oito palmos de água, e com mar grosso (porque cava, então, muito), tudo aparece branco e quase se descobrem. Dizia um Álvaro Gonçalves Maranhão, mareante da cidade da Ponta Delgada, que já vira nestas baixas calhaus como de lastro de navio, que parece que ali em algum tempo de tormenta se perdera.
Neste baixo, e ao redor dele, em barcos, se faz a pescaria principal, onde morre peixe escolar e de toda sorte. Mas os barcos que pescam nele, por ser tão perigoso para de noite dormirem no mar, que é ali roleiro, logo se acolhem dele ao penedo grande, onde estão mais seguros.
E, às vezes, aos pescadores que viram o lobo marinho na baixa e calheta do penedo alto, lhe saía sobre o mar neste baixo do Sueste o mesmo lobo, o qual conheciam por uma malha branca que trazia detrás de uma orelha, e bem o puderam arpoar, por vezes, se quiseram, o que não faziam com medo da baixa, por não perigar nela. Suspeita-se e dizem destas Formigas que correm pelo fundo do mar com alevantados braços de penedia, antre estas duas ilhas de São Miguel e Santa Maria, com que, como duas boas vizinhas e amigas, as têm ambas liadas e abraçadas, e dizem alguns que, indo ter estas Formigas ao baixo, debaixo do mar, de grande pescaria, em que se toma muito peixe, que está junto da vila do Nordeste desta ilha de São Miguel, como tenho dito, para o Norte, por espaço de oito léguas, vão correndo pelo fundo do mar ao Nor-nordeste, perto de cento e setenta e cinco léguas, até dar em uns baixos que estão junto da ilha das Maidas.
Vindo a estas Formigas Frei Gonçalo Velho no novo descobrimento (como, Senhora, ia contando), não achando ilha frutuosa e fresca, senão estériles e feios penedos, e, em lugar de terras altas e seguras, vendo somente baixas pedras, tão baixas e perigosas, cuidando e suspeitando ele e os da sua companhia que o Infante seu senhor se enganara, julgando aquela pobre penedia por uma rica ilha, não entendendo todos eles com esta suspeita que havia mais que descobrir, se tornaram desgostosos ao Algarve, donde partiram, sem mais ver outra coisa que terra parecesse, e dando esta nova ao Infante D. Henrique, juntamente dizendo seu parecer, que não havia por este mar outras terras senão aquelas duras pedras que nele somente acharam.
DO MOTIVO QUE SE CONJECTURA HAVER TIDO O INFANTE D. HENRIQUE PARA O DESCOBRIMENTO DAS ILHAS DOS AÇORES E COMO MANDANDO DESCOBRIR A ILHA DE SANTA MARIA, PRIMEIRA DELAS, FORAM ACHADOS UNS BAIXOS, A QUE SE CHAMAM FORMIGAS
No ano de mil e quatrocentos e vinte e oito se conta que foi o Infante D. Pedro a Ingraterra, França, Alemanha, à Casa Santa e a outras daquela banda, e tornou por Itália; esteve em Roma e Veneza, e trouxe de lá um mapa-mundi que tinha todo o âmbito da Terra e o estreito de Magalhães, a que chamava Cola do Dragão, o Cabo de Boa Esperança, fronteira de África; e conjecturo que deste se ajudaria depois o Infante D. Henrique em seu descobrimento.
E conta o capitão António Galvão que Francisco de Sousa Tavares lhe dissera que, no ano de mil e quinhentos e vinte e oito, o Infante D. Fernando lhe amostrara um mapa, que se achara no cartório de Alcobaça, que havia de cento e vinte anos que era feito e tinha toda a navegação da Índia com o Cabo de Boa Esperança, como os de agora, o qual mapa-mundi cuido que devia ser o que trouxe o Infante D. Pedro. E, sendo assim, isto já em tempo passado era tanto, como agora, ou mais descoberto; e de crer é que deste mapa se ajudaria também muito o Infante D. Henrique para o descobrimento destas ilhas dos Açores, de que falamos. E pode ser que a notícia que delas dariam os fenicianos, que alguns dizem ser os venezianos, que atrás disse, tão antiga as faria por arrumar e pintar nos mapas que já daquele tempo antigo para cá se fizeram e imprimiram, porque não é de crer que tão graves Príncipes se movessem, sem mais notícia, a descobrimentos tão duvidosos, trabalhosos e tão custosos. Senão se se moveu o Infante D. Henrique a isso por revelação divina, como alguns cuidaram e escreveram, o que não é muito crer dele, pela muita limpeza e virtudes de que Deus o dotou em sua vida.
Mas com todo o trabalho e gasto que o Infante D. Henrique tinha feito, nunca desistiu de seu propósito e descobrimento da costa de África e para isso mandou Gileannes, seu criado, que foi o primeiro que passou o Cabo Bojador, tanto por todos arreceado, e trouxe nova não ser tão perigoso como se dizia; da outra banda saiu em terra e, como quem tomava posse, pôs nela por marco uma cruz de pau.
Dizem alguns antigos que logo perto deste tempo em que Giliannes passou o Cabo Boyador (sic), estando o Infante D. Henrique em Sagres, no Algarve, mandou um navio descobrir a ilha que agora chamam de Santa Maria, primeiro que todas as outras ilhas dos Açores, o qual navio vindo, andou certos dias no mar, e, não a achando, arribou ao Algarve, e querem dizer que àquela mesma hora disse o Infante aos que com ele estavam em Sagres: — “Agora arribou o navio que ia a descobrir a ilha”, e depois, chegando o mesmo navio, disse o Infante ao capitão e mestre dele: — “Tal dia arribastes”; e, respondendo-lhe que era verdade, lhe disse o Infante que por curto a não acharam. E daí a dias tornou a mandar o mesmo navio, avisando aos que iam nele que fossem mais adiante, e que logo a achariam, como, de feito, acharam. Mas o que mais certo deste descobrimento pude saber é o que agora direi.
Pelas informações e notícia que o Infante D. Henrique tinha destas ilhas dos Açores, como atrás dito tenho, ou porque Deus lho inspirava para bem destes reinos, no ano do Senhor de mil e quatrocentos e trinta e um, reinando em Portugal el-Rei D. João, de Boa Memória, décimo em número e primeiro do nome, tendo o dito Infante em sua casa um nobre fidalgo e esforçado cavaleiro, chamado Frei Gonçalo Velho das Pias, comendador do castelo de Almourol, que está sobre o Rio Tejo, arriba da vila de Tancos, de quem, por sua virtude, grande esforço e prudência, tinha muita confiança, o mandou descobrir destas ilhas dos Açores a ilha de Santa Maria, ou, porventura, também esta de São Miguel; o qual, aparelhando o navio com as coisas necessárias para sua viagem, partiu no dito ano da vila de Sagres e, navegando com próspero vento para o Ocidente, depois de passados alguns dias de navegação, teve vista de uns penedos que estão sobre o mar e se vêem da ilha de Santa Maria, e de uns marulhos que fazem outros que estão ali perto, debaixo do mar, chamados agora todos Formigas, nome imposto por ele, ou por serem pequenos como formigas, em comparação das ilhas, ou porque ferve ali o mar, como as formigas fervem na obra que fazem; de qualquer maneira que seja, estas Formigas são uns baixos perigosos de rocha e penedia, que estão em trinta e sete graus e meio de altura da parte do Norte setentrional, pouco alevantados sobre o mar. E esta ilha de São Miguel tem outro baixo, que está Nordeste Sudoeste com o porto da vila do Nordeste, afastado da terra por espaço de três léguas; deste baixo, que está Norte Sul com o baixo que chamam as Formigas, até as mesmas Formigas há caminho de oito léguas; e o porto do Nordeste está com elas Nor-noroeste e Su-sueste, em distância de dez léguas. As quais, com a Ponta de Álvaro Pires, que é a da banda de Leste da ilha de Santa Maria, estão Nordeste e Sudoeste, afastadas sete léguas da dita ponta, ficando da mesma ilha quase ao Nor-nordeste.
O que destes baixos aparece sobre a água do mar tem no princípio um grande e alto penedo, e na outra ponta outro mais baixo e pequeno, e, do alto até o mais baixo, corre a compridão delas como do Nordeste a Su-sudoeste, e a ponta mais delgada delas, que é o penedo mais baixo, vai direita à ilha de Santa Maria, esvarando (sic) pela banda do Norte da mesma ilha. Têm estas Formigas, do penedo grande à outra ponta do outro penedo mais pequeno (indo correndo antre eles tudo conforme e igual com outra altura mais baixa), tanto como um bom tiro de besta. O penedo maior, que é a cabeça deste baixo, é de altura de uma casa sobradada, e, deste penedo para a ponta, que é outro penedo um pouco mais baixo, corre em altura de casa térrea. Assim que são três alturas diferentes, porquanto têm os meios mais baixos. E há um canal antre o penedo grande e o outro baixo mais baixo, por onde passam barcos de banda à banda, e aqui, neste canal, morre muito peixe de muitas maneiras nas bocas dele, e morrem também escolares. E da banda de Leste se abrigam os barcos a este penedo grande de todo o temporal que corre contrário de rosto ao Leste. A largura deste baixo será tanto como vinte côvados, de três palmos cada côvado, a lugares mais e a lugares menos. E da banda do Sul está outro baixo arredado, que é o penedo mais pequeno da outra ponta, por antre o qual e o baixo do meio pode passar um barco. E estes penedos dos cabos, assim o grande como o pequeno, chamam os mareantes Cuadas, porque são os extremos e pontas de todo este baixo, que está sobre o mar. E quando o vento é Nor-nordeste, nesta Cuada, ou penedo pequeno, se abrigam dois até três barcos, porque não cabem mais. Mas, sendo o vento mui rijo, então se acolhem à ilha de Santa Maria, o que não é assim no outro abrigo, da banda de leste, que é a Cuada ou penedo mais alto, porque lá, com toda a tormenta do mundo, aguardarão, não todos os barcos que se acharem, senão só quinze até vinte, porque não podem em aquele lugar caber mais, e, quando ali se abrigam, estão amarrados às proízes ao penedo, e com suas poutas botadas no baixo. Da banda do Sudoeste está uma calheta pequena, metida no penedo, em a qual com vento contrário, que é Leste e Les-nordeste, se abrigam dois barcos.
Nestes baixos há muitos caranguejos, lapas, cracas e búzios, em tanta quantidade, que é coisa de espanto ver a multidão deste marisco. Estando pescando aqui uns pescadores da cidade da Ponta Delgada, desta ilha de São Miguel, ceavam todas as noites em terra, ou para melhor dizer, em pedra, sobre o baixo, e àquela calheta vinha ter um lobo marinho, da feição e grandura de um grande bezerro, a encostar-se às pedras, ao qual botavam eles as espinhas do pescado que comiam. E já se aconteceu irem pescadores pescar a estas Formigas e, deixando lenha e uma cruz em cima do penedo, quando tornaram lá o outro ano seguinte, acharam a cruz e a lenha, sem a tormenta a levar. Da Cuada, ou cabo deste grande e mais alto penedo, direito ao Sueste, espaço de uma légua, demora outro baixo debaixo do mar, ficando-lhe o outro alto ao Noroeste, de maneira que estão ambos Noroeste Sueste. Este baixo, que chamam o Raso, é muito mais perigoso que o outro alto, de que mais se temem os mareantes, e onde os navios se perdem; e são três baixas debaixo do mar, com três eiras entrempadas como em triângulo, que farão todas três estendidas e o mar, que no meio se mete, quantidade de três alqueires de terra. Por muito manso e chão que estè (sic) o mar, arreceia qualquer barco, por pequeno que seja, de se meter antre elas, pelo grande fervor que a água ali trás.
Com baixa-mar, podem ser sobre estas baixas sete ou oito palmos de água, e com mar grosso (porque cava, então, muito), tudo aparece branco e quase se descobrem. Dizia um Álvaro Gonçalves Maranhão, mareante da cidade da Ponta Delgada, que já vira nestas baixas calhaus como de lastro de navio, que parece que ali em algum tempo de tormenta se perdera.
Neste baixo, e ao redor dele, em barcos, se faz a pescaria principal, onde morre peixe escolar e de toda sorte. Mas os barcos que pescam nele, por ser tão perigoso para de noite dormirem no mar, que é ali roleiro, logo se acolhem dele ao penedo grande, onde estão mais seguros.
E, às vezes, aos pescadores que viram o lobo marinho na baixa e calheta do penedo alto, lhe saía sobre o mar neste baixo do Sueste o mesmo lobo, o qual conheciam por uma malha branca que trazia detrás de uma orelha, e bem o puderam arpoar, por vezes, se quiseram, o que não faziam com medo da baixa, por não perigar nela. Suspeita-se e dizem destas Formigas que correm pelo fundo do mar com alevantados braços de penedia, antre estas duas ilhas de São Miguel e Santa Maria, com que, como duas boas vizinhas e amigas, as têm ambas liadas e abraçadas, e dizem alguns que, indo ter estas Formigas ao baixo, debaixo do mar, de grande pescaria, em que se toma muito peixe, que está junto da vila do Nordeste desta ilha de São Miguel, como tenho dito, para o Norte, por espaço de oito léguas, vão correndo pelo fundo do mar ao Nor-nordeste, perto de cento e setenta e cinco léguas, até dar em uns baixos que estão junto da ilha das Maidas.
Vindo a estas Formigas Frei Gonçalo Velho no novo descobrimento (como, Senhora, ia contando), não achando ilha frutuosa e fresca, senão estériles e feios penedos, e, em lugar de terras altas e seguras, vendo somente baixas pedras, tão baixas e perigosas, cuidando e suspeitando ele e os da sua companhia que o Infante seu senhor se enganara, julgando aquela pobre penedia por uma rica ilha, não entendendo todos eles com esta suspeita que havia mais que descobrir, se tornaram desgostosos ao Algarve, donde partiram, sem mais ver outra coisa que terra parecesse, e dando esta nova ao Infante D. Henrique, juntamente dizendo seu parecer, que não havia por este mar outras terras senão aquelas duras pedras que nele somente acharam.