Da ponta do Marvão se vai para o Ocidente, fazendo como baía uma entrada do mar para a terra, onde, de uma légua da serra, vem sair uma ribeira que, pela água que traz abastar para moendas, com que corre todo o ano, do Nordeste ao Su-sudoeste, e pela concavidade e largura que tem, se chama Grande, ainda que entra pouco pela ilha dentro, por se repartir em duas, e as duas em outros regatos e ribeiros, de frescas águas e fontes, que tem muitas da primeira, donde nasce até um tiro de besta do mar, acompanhada de uma banda e outra de muitos matos de murtas e ornada com muitos pomares, vinhas e hortas em ladeiras, que são altas, a maior parte delas, com cuja água moem oito moinhos, e toda corre por pedra até o mar, tirando algumas partes de limos e juncos, que a fazem mais saudosa, em que se fazem poços em que se criam muitos eirós, agriões e rabaças e outras ervas de outra sorte. E vai entrar no mar, em areia muito rasa, onde está um porto que foi o primeiro de que usaram os antigos habitadores da Vila, que ao longo desta ribeira está a dele tomou o nome de Vila do Porto. E chama-se o Porto Velho, por diferença de outro de que se agora servem, e é uma praia muito bem assombrada, que tem um poço, junto do mar, de água doce, onde se tomam muitos eirós e mugens, e, quando o mar anda bravo, entra por ele um pedaço.

Passada esta ribeira, que fica da banda de Leste da Vila, ou, por outro respeito, do Sueste, vem logo da parte de Oeste, ou do Noroeste, por outra razão, correndo também, não com tanta altura como a outra, somente no Inverno de enxurrada, ao longo da Vila, a entrar no mar em areia muito rasa, outra ribeira seca, que se chama do Sancho, porque parece que morou ali algum homem deste nome. E logo junta está outra da mesma maneira, que se chama dos Poços; e ambas vêm ter ao porto Novo, antre os quais portos, Velho e Novo, e ribeiras, a Grande e a do Sancho, está uma subida para um alto, ao nível com a terra, onde está situada a Vila da ilha de Santa Maria, que se chama Vila do Porto, pelo ter ali velho e bom e, depois, novo e melhor e bem assombrado.

Disse acima que uma ribeira está da banda de Leste da Vila, ou do Sueste, por outro respeito, e outra da parte do Noroeste, porque, respeitando a compridão da ilha, que corre Leste-Oeste, lhe fica a Vila da banda do Sudoeste, junto do mar, posta antre estas duas ribeiras, a Ribeira Grande, da banda do Sudoeste, e a Ribeira do Sancho, da parte do Noroeste.

Logo subindo pela ladeira, no princípio da Vila, junto do mar, sobre a rocha, está uma ermida de Nossa Senhora da Concepção, muito fresca, que, de qualquer parte que vem do mar, de fora para o porto, não se vê outra casa primeiro que ela, por boa entrada e estreia.

Tem esta Vila do Porto três ruas compridas, que correm direitas a esta ermida de Nossa Senhora de Concepção e ao porto, as quais começam do adro da igreja principal. A rua do meio, muito larga e formosa e de boa casaria, faz um cotovelo, pelo qual se não vê do adro da igreja principal a ermida da Concepção, que sobre o porto está, o que foi inadvertência dos primeiros edificadores, porque, vendo dali a dita ermida, ficava a rua com muito mais frescura.

As outras duas ruas não são tão povoadas por se antremeterem nelas paredes de muitas hortas e quintais e sarrados (sic), divididas estas três ruas com outras azinhagas e travessas.

Acima da igreja principal, para dentro da terra, ficam algumas casas, as mais delas de palha, em um caminho a modo de rua muito larga, que vai correndo antre sarrados e acabar antes que cheguem a uma ermida de Santo Antão, que está em um alto; da qual ermida para cima, ficam terras de pão e casais de homens que moram fora da Vila espalhados, pelo que tem a Vila mais de cem fogos, e com outros fregueses da mesma Vila, que a ela vêm ouvir missa, há na sua freguesia, que é a principal da ilha, trezentos e setenta e oito fogos, e almas de confissão mais de mil e trezentas . A igreja principal é da invocação da Assunção de Nossa Senhora (por se achar no mesmo dia a ilha), de naves, com quatro piares em vão, e muito bem assombrada, com um altar do apóstolo São Matias, que é padroeiro de toda a ilha, da banda do Evangelho, e outro de Nossa Senhora do Rosairo, da parte da Epístola. Tem também duas capelas, uma da banda do Sul, que mandou fazer Duarte Nunes Velho, com o altar de Jesus; a outra de Rui Fernandes de Alpoem, com o altar de Santa Catarina. Foi arrematada esta igreja Matriz, para se fazerem as paredes dela, a Estêvão da Ponte, por trezentos mil réis, e a carpintaria a João Roiz, carpinteiro, morador em Vila Franca, desta ilha de São Miguel, por noventa até cem mil réis, sendo vereadores na dita Vila, da mesma ilha de Santa Maria, João Tomé e Rui Fernandes, lavradores e homens principais da terra.

Há mais duas igrejas nesta vila, muito boas casas: uma, nomeada Espírito Santo e Misericórdia, onde se fazem muitas obras de caridade; outra de Nossa Senhora da Concepção, que está sobre a rocha e porto, como já disse.

O primeiro vigairo que houve nesta igreja, primeira e principal, foi Pedro Anes Galego, mas este não foi confirmado; serviu somente com carta de cura. Depois veio Frei João Afonso, com carta de confirmação, o qual era homem honrado e rico, e serviu muito tempo, por cujo falecimento houve a igreja Frei Belchior Homem, seu sobrinho, filho de um seu irmão, o qual Frei Belchior renunciou a dita igreja e houve-a um Henrique de Parada, o qual a não serviu, mas deu-a a Frei Fernando Margalho, com pensão de seis mil réis, que lhe pagava cada ano, ficando ele somente com dois moios de trigo, porque não tinha a igreja mais de renda naquele tempo.

Falecendo Frei Fernando, deu a igreja o bispo D. Jorge de Santiago a um Ascêncio Vaz, que nela era beneficiado e ouvidor na ilha, tirando-lhe a pensão dos seis mil réis e acrescentando-lhe outros seis, pelo que ficou com doze mil réis e dois moios de trigo de renda.

Por morte deste Ascêncio Vaz, houve a igreja João Nunes Velho, neto de Duarte Nunes Velho, o qual a serviu como dois anos e meio, sendo bispo D. Manuel de Almada, que lha deu.

Falecido João Nunes Velho, houve a dita igreja Baltazar de Paiva, homem nobre, dos principais desta ilha de São Miguel, e na cidade da Ponta Delgada havia sido cura muitos anos, por lha dar na cidade de Angra o bispo D. Nuno Álvares Pereira, acrescentada em trinta mil réis; e ele a serviu até agora, e foi ouvidor do eclesiástico na dita ilha, como quase ordinariamente o foram todos os vigairos da dita igreja principal, em seu tempo, tirando alguns em que houve alguma mudança e outros serviram este cargo, como depois o teve Belchior Homem e José Gonçalves, beneficiado na dita igreja, e o que ora é vigairo e ouvidor, o licenciado Francisco Álvares, bom letrado e virtuoso .

Pedro Anes, o Galego, que atrás fica dito, foi o primeiro beneficiado que houve nesta igreja; o segundo, um Fernão Afonso; o terceiro, Francisco Ribeiro; o quarto, João Anes; o quinto, Ascêncio Vaz; o sexto, Mendo Roiz; o sétimo, Manuel Afonso; o oitavo, Gaspar Lopes; o nono, Manuel de Andrade; o décimo, Bartolomeu Luís; o undécimo, Pero de Frielas; o duodécimo, Augostinho de Seixas; o décimo terceiro, José Gonçalves, que agora é ouvidor. E estes quatro derradeiros são os que agora servem, todos honrados e bons sacerdotes.

Acima desta igreja, quase defronte dela, está uma formosa fonte de três grandes canos de água, da qualidade de bom vinho, que quanto mais velho tanto mais gostoso, porque, tirada da mãe, quanto mais está fora tanto melhor se faz. E é muito de notar nesta ilha que, sendo tão pequena como é, com esta fonte, há nesta freguesia principal quarenta e cinco fontes, e na freguesia de Nossa Senhora da Serra outras quarenta e cinco, e na de Santa Bárbara vinte e três, que somam cento e treze, e todas estas estão em partes onde se podem aproveitar delas, algumas das quais são grandes e muito formosas e frescas, e a mor parte pequenas, mas correm todo o ano. E pelas rochas, ao longo do mar, há tantas que se não podem contar.

Acima da Vila, há nesta freguesia quatro ermidas: uma de Santo Antão, e mais adiante, pelo caminho, outra de São Pedro, e outra no cabo da ilha, ao Noroeste, de Nossa Senhora dos Anjos, e outra de Nossa Senhora dos Remédios, que já disse atrás, em um lugar que se chama a Praia, ao longo do mar, que fica a Leste da Vila.

É povoada esta Vila e toda a ilha de gente muito honrada, e muitos têm fidalguia por suas progénies, e outros por lianças de casamentos com os Capitães e seus filhos, de que nasceram fidalgos. Todos os homens honrados, naturais da terra, quase geralmente são altos de corpo, bem dispostos e bem proporcionados, de bons e graves rostos e boas fisionomias, presumptuosos (sic) e amigos de honra, como o deve ser qualquer homem honrado, por não fazer coisa menos do que dele se espera. E todos de tão grandes espíritos, que, se saíssem da mãe para África ou lugares de fronteira, fariam sem dúvida feitos honrosos e ganhariam grande nome, mas na ilha não são dados a muito trabalho, pelo que nela não há muitas coisas boas e curiosas que pudera haver, se se deram a isso, com que foram mais ricos do que são, pois a terra de si é fértil, posto que pequena, para tão nobre e tanta gente. As mulheres, pelo conseguinte, da mesma maneira são generosas e nobres, bem postas e discretas, com uma grave formosura e virtude, que lhe acrescenta sua nobreza.

A maior curiosidade que os homens têm, depois de enfadados de seus honestos trabalhos em suas fazendas, é de passatempos de caças na terra e de pescarias no mar, que vão em batéis fazer aos ilhéus, de pássaros e ovos, e outras na terra, e muitos e bons pesqueiros que há pela costa, junto da Vila e ao redor de toda a ilha, até tornar à mesma Vila, como são o de Fernando Afonso, chamado assim deste nome de um beneficiado que nele pescava muitas vezes, e outros que da mesma maneira e por outras razões alcançaram seus nomes, como Gonçalo Aires, o Ruivo, o Pesqueiro Alto, a Ponta da Forca, Malamerenda, o Cação, o Penedo de Lourenço, o Caranguejo, o Furado, a Ribeira Seca, o Poção, as Baixinhas, o Recanto do Ilhéu, o Pregador, o Frade, o Redondo, a Água do Chamusca, a Calheta de Braz Álvares, a Lagem do Barbeiro, a Calheta do Barbeiro, a Calheta do Sardo, a Pedra da Rachada, a Sarnacha, o Monteiro, o Crespo, o Vasco Afonso, Belchior Pais, Francisco Lopes, as Lagens da Fonte dos Vaqueiros, o Pendurado, o Joane, o Vale da Barca, os Mesteres, a Baixa do Lobaio, o Furado, o Cabrestante, Vasco Afonso, o Rosto, o Saltinho, a Barquinha, África Anes, o qual nome se tomou de uma mulher honrada, das primeiras que vieram à ilha, que foi mãe dos Jorges e de outra nobre gente, como já tenho contado; o ilhéu dos Frades, que está em Sant’Ana, da banda do Norte, onde se diz que saíram uns que estiveram ali junto, em Nossa Senhora dos Anjos.

Os Altares, os Corvos, o Pesqueiro de Rui Fernandes, filho da dita África Anes, o Maldegolado, o Pesqueiro do Pau, o Pinheiro, a Pedra Mole, a Ponta da Faneca, o Pesqueiro da Corda, as Baixas da Faneca, a Ribeira de Água de Alto, o Tamujal, as Baixas do Monte Gordo, o Furado de Gonçalo Afonso, o Pesqueiro dos Badejos, Salto de Cais, o Pesqueiro da Vaca, o Miradouro, o Furado, o Penedo Negro, a Ponta de João Luís, a Lagoa, a Ribeira dos Ladeiros, a Furna dos Lobos, a Ponta de Álvaro Pires, o Pesqueiro de João Fernandes, o Pesqueiro de João da Maia, o Pesqueiro de Lourenço Vaz, o Pesqueiro da Grota, o do Morro, o das Polombetas, o Ilhéu dos Matos, o Carregadouro, a Ponta Negra. E não é de tachar irem os homens buscar passatempos no mar, quando enfadam ou faltam os da terra, pois todos são lícitos, feitos sem prejuízo do próximo, e o do mar muito mais, para contemporizar com a fraca natureza, que com coisas diversas se contenta e engana.

DA DESCRIÇÃO DA VILA DO PORTO, DA ILHA DE SANTA MARIA, E DE ALGUMAS COISAS QUE HÁ NELA

Da ponta do Marvão se vai para o Ocidente, fazendo como baía uma entrada do mar para a terra, onde, de uma légua da serra, vem sair uma ribeira que, pela água que traz abastar para moendas, com que corre todo o ano, do Nordeste ao Su-sudoeste, e pela concavidade e largura que tem, se chama Grande, ainda que entra pouco pela ilha dentro, por se repartir em duas, e as duas em outros regatos e ribeiros, de frescas águas e fontes, que tem muitas da primeira, donde nasce até um tiro de besta do mar, acompanhada de uma banda e outra de muitos matos de murtas e ornada com muitos pomares, vinhas e hortas em ladeiras, que são altas, a maior parte delas, com cuja água moem oito moinhos, e toda corre por pedra até o mar, tirando algumas partes de limos e juncos, que a fazem mais saudosa, em que se fazem poços em que se criam muitos eirós, agriões e rabaças e outras ervas de outra sorte. E vai entrar no mar, em areia muito rasa, onde está um porto que foi o primeiro de que usaram os antigos habitadores da Vila, que ao longo desta ribeira está a dele tomou o nome de Vila do Porto. E chama-se o Porto Velho, por diferença de outro de que se agora servem, e é uma praia muito bem assombrada, que tem um poço, junto do mar, de água doce, onde se tomam muitos eirós e mugens, e, quando o mar anda bravo, entra por ele um pedaço.

Passada esta ribeira, que fica da banda de Leste da Vila, ou, por outro respeito, do Sueste, vem logo da parte de Oeste, ou do Noroeste, por outra razão, correndo também, não com tanta altura como a outra, somente no Inverno de enxurrada, ao longo da Vila, a entrar no mar em areia muito rasa, outra ribeira seca, que se chama do Sancho, porque parece que morou ali algum homem deste nome. E logo junta está outra da mesma maneira, que se chama dos Poços; e ambas vêm ter ao porto Novo, antre os quais portos, Velho e Novo, e ribeiras, a Grande e a do Sancho, está uma subida para um alto, ao nível com a terra, onde está situada a Vila da ilha de Santa Maria, que se chama Vila do Porto, pelo ter ali velho e bom e, depois, novo e melhor e bem assombrado.

Disse acima que uma ribeira está da banda de Leste da Vila, ou do Sueste, por outro respeito, e outra da parte do Noroeste, porque, respeitando a compridão da ilha, que corre Leste-Oeste, lhe fica a Vila da banda do Sudoeste, junto do mar, posta antre estas duas ribeiras, a Ribeira Grande, da banda do Sudoeste, e a Ribeira do Sancho, da parte do Noroeste.

Logo subindo pela ladeira, no princípio da Vila, junto do mar, sobre a rocha, está uma ermida de Nossa Senhora da Concepção, muito fresca, que, de qualquer parte que vem do mar, de fora para o porto, não se vê outra casa primeiro que ela, por boa entrada e estreia.

Tem esta Vila do Porto três ruas compridas, que correm direitas a esta ermida de Nossa Senhora de Concepção e ao porto, as quais começam do adro da igreja principal. A rua do meio, muito larga e formosa e de boa casaria, faz um cotovelo, pelo qual se não vê do adro da igreja principal a ermida da Concepção, que sobre o porto está, o que foi inadvertência dos primeiros edificadores, porque, vendo dali a dita ermida, ficava a rua com muito mais frescura.

As outras duas ruas não são tão povoadas por se antremeterem nelas paredes de muitas hortas e quintais e sarrados (sic), divididas estas três ruas com outras azinhagas e travessas.

Acima da igreja principal, para dentro da terra, ficam algumas casas, as mais delas de palha, em um caminho a modo de rua muito larga, que vai correndo antre sarrados e acabar antes que cheguem a uma ermida de Santo Antão, que está em um alto; da qual ermida para cima, ficam terras de pão e casais de homens que moram fora da Vila espalhados, pelo que tem a Vila mais de cem fogos, e com outros fregueses da mesma Vila, que a ela vêm ouvir missa, há na sua freguesia, que é a principal da ilha, trezentos e setenta e oito fogos, e almas de confissão mais de mil e trezentas . A igreja principal é da invocação da Assunção de Nossa Senhora (por se achar no mesmo dia a ilha), de naves, com quatro piares em vão, e muito bem assombrada, com um altar do apóstolo São Matias, que é padroeiro de toda a ilha, da banda do Evangelho, e outro de Nossa Senhora do Rosairo, da parte da Epístola. Tem também duas capelas, uma da banda do Sul, que mandou fazer Duarte Nunes Velho, com o altar de Jesus; a outra de Rui Fernandes de Alpoem, com o altar de Santa Catarina. Foi arrematada esta igreja Matriz, para se fazerem as paredes dela, a Estêvão da Ponte, por trezentos mil réis, e a carpintaria a João Roiz, carpinteiro, morador em Vila Franca, desta ilha de São Miguel, por noventa até cem mil réis, sendo vereadores na dita Vila, da mesma ilha de Santa Maria, João Tomé e Rui Fernandes, lavradores e homens principais da terra.

Há mais duas igrejas nesta vila, muito boas casas: uma, nomeada Espírito Santo e Misericórdia, onde se fazem muitas obras de caridade; outra de Nossa Senhora da Concepção, que está sobre a rocha e porto, como já disse.

O primeiro vigairo que houve nesta igreja, primeira e principal, foi Pedro Anes Galego, mas este não foi confirmado; serviu somente com carta de cura. Depois veio Frei João Afonso, com carta de confirmação, o qual era homem honrado e rico, e serviu muito tempo, por cujo falecimento houve a igreja Frei Belchior Homem, seu sobrinho, filho de um seu irmão, o qual Frei Belchior renunciou a dita igreja e houve-a um Henrique de Parada, o qual a não serviu, mas deu-a a Frei Fernando Margalho, com pensão de seis mil réis, que lhe pagava cada ano, ficando ele somente com dois moios de trigo, porque não tinha a igreja mais de renda naquele tempo.

Falecendo Frei Fernando, deu a igreja o bispo D. Jorge de Santiago a um Ascêncio Vaz, que nela era beneficiado e ouvidor na ilha, tirando-lhe a pensão dos seis mil réis e acrescentando-lhe outros seis, pelo que ficou com doze mil réis e dois moios de trigo de renda.

Por morte deste Ascêncio Vaz, houve a igreja João Nunes Velho, neto de Duarte Nunes Velho, o qual a serviu como dois anos e meio, sendo bispo D. Manuel de Almada, que lha deu.

Falecido João Nunes Velho, houve a dita igreja Baltazar de Paiva, homem nobre, dos principais desta ilha de São Miguel, e na cidade da Ponta Delgada havia sido cura muitos anos, por lha dar na cidade de Angra o bispo D. Nuno Álvares Pereira, acrescentada em trinta mil réis; e ele a serviu até agora, e foi ouvidor do eclesiástico na dita ilha, como quase ordinariamente o foram todos os vigairos da dita igreja principal, em seu tempo, tirando alguns em que houve alguma mudança e outros serviram este cargo, como depois o teve Belchior Homem e José Gonçalves, beneficiado na dita igreja, e o que ora é vigairo e ouvidor, o licenciado Francisco Álvares, bom letrado e virtuoso .

Pedro Anes, o Galego, que atrás fica dito, foi o primeiro beneficiado que houve nesta igreja; o segundo, um Fernão Afonso; o terceiro, Francisco Ribeiro; o quarto, João Anes; o quinto, Ascêncio Vaz; o sexto, Mendo Roiz; o sétimo, Manuel Afonso; o oitavo, Gaspar Lopes; o nono, Manuel de Andrade; o décimo, Bartolomeu Luís; o undécimo, Pero de Frielas; o duodécimo, Augostinho de Seixas; o décimo terceiro, José Gonçalves, que agora é ouvidor. E estes quatro derradeiros são os que agora servem, todos honrados e bons sacerdotes.

Acima desta igreja, quase defronte dela, está uma formosa fonte de três grandes canos de água, da qualidade de bom vinho, que quanto mais velho tanto mais gostoso, porque, tirada da mãe, quanto mais está fora tanto melhor se faz. E é muito de notar nesta ilha que, sendo tão pequena como é, com esta fonte, há nesta freguesia principal quarenta e cinco fontes, e na freguesia de Nossa Senhora da Serra outras quarenta e cinco, e na de Santa Bárbara vinte e três, que somam cento e treze, e todas estas estão em partes onde se podem aproveitar delas, algumas das quais são grandes e muito formosas e frescas, e a mor parte pequenas, mas correm todo o ano. E pelas rochas, ao longo do mar, há tantas que se não podem contar.

Acima da Vila, há nesta freguesia quatro ermidas: uma de Santo Antão, e mais adiante, pelo caminho, outra de São Pedro, e outra no cabo da ilha, ao Noroeste, de Nossa Senhora dos Anjos, e outra de Nossa Senhora dos Remédios, que já disse atrás, em um lugar que se chama a Praia, ao longo do mar, que fica a Leste da Vila.

É povoada esta Vila e toda a ilha de gente muito honrada, e muitos têm fidalguia por suas progénies, e outros por lianças de casamentos com os Capitães e seus filhos, de que nasceram fidalgos. Todos os homens honrados, naturais da terra, quase geralmente são altos de corpo, bem dispostos e bem proporcionados, de bons e graves rostos e boas fisionomias, presumptuosos (sic) e amigos de honra, como o deve ser qualquer homem honrado, por não fazer coisa menos do que dele se espera. E todos de tão grandes espíritos, que, se saíssem da mãe para África ou lugares de fronteira, fariam sem dúvida feitos honrosos e ganhariam grande nome, mas na ilha não são dados a muito trabalho, pelo que nela não há muitas coisas boas e curiosas que pudera haver, se se deram a isso, com que foram mais ricos do que são, pois a terra de si é fértil, posto que pequena, para tão nobre e tanta gente. As mulheres, pelo conseguinte, da mesma maneira são generosas e nobres, bem postas e discretas, com uma grave formosura e virtude, que lhe acrescenta sua nobreza.

A maior curiosidade que os homens têm, depois de enfadados de seus honestos trabalhos em suas fazendas, é de passatempos de caças na terra e de pescarias no mar, que vão em batéis fazer aos ilhéus, de pássaros e ovos, e outras na terra, e muitos e bons pesqueiros que há pela costa, junto da Vila e ao redor de toda a ilha, até tornar à mesma Vila, como são o de Fernando Afonso, chamado assim deste nome de um beneficiado que nele pescava muitas vezes, e outros que da mesma maneira e por outras razões alcançaram seus nomes, como Gonçalo Aires, o Ruivo, o Pesqueiro Alto, a Ponta da Forca, Malamerenda, o Cação, o Penedo de Lourenço, o Caranguejo, o Furado, a Ribeira Seca, o Poção, as Baixinhas, o Recanto do Ilhéu, o Pregador, o Frade, o Redondo, a Água do Chamusca, a Calheta de Braz Álvares, a Lagem do Barbeiro, a Calheta do Barbeiro, a Calheta do Sardo, a Pedra da Rachada, a Sarnacha, o Monteiro, o Crespo, o Vasco Afonso, Belchior Pais, Francisco Lopes, as Lagens da Fonte dos Vaqueiros, o Pendurado, o Joane, o Vale da Barca, os Mesteres, a Baixa do Lobaio, o Furado, o Cabrestante, Vasco Afonso, o Rosto, o Saltinho, a Barquinha, África Anes, o qual nome se tomou de uma mulher honrada, das primeiras que vieram à ilha, que foi mãe dos Jorges e de outra nobre gente, como já tenho contado; o ilhéu dos Frades, que está em Sant’Ana, da banda do Norte, onde se diz que saíram uns que estiveram ali junto, em Nossa Senhora dos Anjos.

Os Altares, os Corvos, o Pesqueiro de Rui Fernandes, filho da dita África Anes, o Maldegolado, o Pesqueiro do Pau, o Pinheiro, a Pedra Mole, a Ponta da Faneca, o Pesqueiro da Corda, as Baixas da Faneca, a Ribeira de Água de Alto, o Tamujal, as Baixas do Monte Gordo, o Furado de Gonçalo Afonso, o Pesqueiro dos Badejos, Salto de Cais, o Pesqueiro da Vaca, o Miradouro, o Furado, o Penedo Negro, a Ponta de João Luís, a Lagoa, a Ribeira dos Ladeiros, a Furna dos Lobos, a Ponta de Álvaro Pires, o Pesqueiro de João Fernandes, o Pesqueiro de João da Maia, o Pesqueiro de Lourenço Vaz, o Pesqueiro da Grota, o do Morro, o das Polombetas, o Ilhéu dos Matos, o Carregadouro, a Ponta Negra. E não é de tachar irem os homens buscar passatempos no mar, quando enfadam ou faltam os da terra, pois todos são lícitos, feitos sem prejuízo do próximo, e o do mar muito mais, para contemporizar com a fraca natureza, que com coisas diversas se contenta e engana.