Passado o porto e ribeira do Sancho, torna a fazer a rocha volta para o mar até a ponta da Forca, que está nela, da qual ponta à do Marvão, que atrás fica (fazendo ambas enseada do porto da Vila já dita), haverá um quarto de légua ou menos; passada a ponta da Forca, vai a rocha íngreme até uma ribeira seca, que estará dela como três tiros de besta, a qual ribeira não corre senão quando chove muita água, e mete-se no mar em areia grossa, e é rasa e muito perigosa para a terra, por ser aparelhada para nela desembarcarem imigos, pelo que é necessário haver nela grande vigia.
Defronte desta ribeira, ao Sul da terra, para o mar, está o ilhéu da Vila, redondo e de rocha talhada ao redor, mas tem um só passo por onde sobem a ele, o qual tem em cima tanto como quatro alqueires de terra chã e cria erva, que chamam panasco, e outras ervas, antre as quais criam tantos garajaus que se apanham, quando da terra lá vão folgar, por vezes, trezentos, quatrocentos e quinhentos ovos pelo chão; mas, quando algumas pessoas os vão apanhar, se não levarem as cabeças bem cobertas, parece que não tornarão com orelhas quando se recolherem, porque arremetem os garajaus a eles (sic), como abelhas; e são estes ovos melhores e mais sãos que todas as aves. E neste ilhéu há uma calheta pequena, onde varam um e dois barcos.
Passada esta ribeira seca, vai correndo a rocha baixa para a banda de Sant’Ana; a terra, que por cima corre, se chama Abegoaria, porque antigamente havia ali muita abegoaria de madeira. E adiante está o Cabrestante, que é uma ponta de terra que se mete no mar, mas não muito, e por ser rasa e chã por cima, ou por alguma outra razão não sabida, se chama assim o Cabrestante.
Do porto da Vila, correndo ao longo da costa, até esta ponta do Cabrestante, que está a Oeste, estão como quarenta moios de terra, que ficaram por dar, para o concelho, onde criavam os homens seus gados sem pagar coisa alguma. Depois um Sebastião da Costa, por conselho de um certo homem da ilha, que no Reino se quis amigar com ele, pospondo o bem comum de todos os naturais ao particular de um só estrangeiro, pediu a el-Rei a metade destas terras, ficando o concelho com outra meia parte, começando da Vila para a banda do Ponente.
E, desta maneira, comummente pastavam todos nelas seus gados. Mas, depois que as terras se foram desfazendo e descobrindo dos matos que dantes tinham, pediram a el-Rei os regedores da Vila que se pudessem tapar e arrendar para obras do concelho; e assim se arrendaram em pedaços, e os rendeiros as taparam à custa das rendas, fazendo-se nelas seis sarrados, que, depois de ir à ilha o benemérito desembargador Fernão de Pina, digno, enquanto mandou e ordenou nestas ilhas, de perpétua memória, por não ter um só homem o proveito delas, e ser repartido por muitos, e alguns deles pobres, por seu mandado se arrendam a dez, vinte, trinta alqueires a homens que não têm terras para lavrar. E por este modo rendem cada ano quinze até dezoito moios de trigo, quando se lavram todas; e o menos sejam treze moios. E isto tem de renda o concelho da ilha, mas dizem alguns praguentos que luz pouco. Do cabo destes sarrados para diante, estão os de Sebastião da Costa, que já tenho dito, que correm até o Cabrestante. O primeiro rendeiro que trouxe estes sarrados foi um João da Fonte. E porque as informações dos homens variam, declarei isto do princípio, porque é a informação mais certa e passa desta maneira.
Quando se deram as dadas das terras nesta ilha de Santa Maria, de que vou falando, todas corriam do mar à serra, e os que as houveram começaram a roçar de um caminho que agora vai ao mar para Santa Ana, e foram roçando até chegar a estes sarrados, não passando de uns arrifes que aí estão juntos. E como se passou o tempo de cinco anos de sesmaria, ficaram estas terras devolutas, sem dono. O concelho tem pedidos os vinte moios, que tenho dito, a el- Rei, que lhe fez mercê deles para bois e bestas de serviço, e usou alguns anos, não somente dos seus vinte moios, mas também dos vinte que ficaram das dadas.
Estando as coisas nestes termos, indo João da Fonte, acima dito, ao Reino, deu conta destas terras a D. Luís Coutinho, primeiro comendador desta dita ilha, dizendo-lhe que as queria pedir a el-Rei, o qual D. Luís lhe disse que ele não tinha feitos serviços a Sua Alteza para ter aução de pedir esta mercê, mas que ele as pediria para si e depois lhas daria por pouca coisa. Concertados desta maneira, fez D. Luís petição, que deu a Sebastião da Costa, escrivão da Câmara de el-Rei, a qual estando no saco faleceu D. Luís, e achando-a o escrivão já sem requerente, pediu as terras a el-Rei, o qual lhas deu, com pensão de um quarteiro de trigo cada um ano. Deu, então, este Sebastião da Costa estas terras de arrendamento a João da Fonte por três quarteiros de trigo, sc. um de pensão para el-Rei e meio moio para si; haverá isto como cinquenta anos. Depois houve estas terras um António Monteiro, homem principal da ilha, por moio e meio de trigo. Depois passaram a Amador Vaz Faleiro, por cinco moios. Agora são estes sarrados, de vinte moios de terra, de um genro de Sebastião da Costa, que se chama Sebastião de Brito.
Está partida esta terra em três sarrados: um traz Jorge Carvalho, outro João Gonçalves, outro Miguel de Figueiredo, que arrecada a renda por Sebastião de Brito. Este Carvalho tem feitas casas em que ele e dois genros seus vivem, abaixo das quais, na costa, está um ilhéu pequeno, que tenho dito, que se chama do Vale da Barca.
E logo adiante, no cabo destes sarrados, indo a Loeste, está a ponta que se chama do Cabrestante, onde começam as terras de D. Branca, mulher de João Soares, primeiro Capitão da ilha, depois de seu tio Gonçalo Velho.
Este Cabrestante é uma lomba que corre do mar para o Nordeste, que tem uns arrifes, e por baixo são terras muito chãs e das melhores da ilha. Logo sai ao mar uma ribeira, que se chama do Capitão (porque é sua), de pouca água, que também se diz de Santa Ana, e vem de fontes que nascem no meio desta terra, onde se chama Flor da Rosa, da qual bebem todos os gados da parte das Abegoarias para além, por não haver outra água do caminho de Sant’Ana para baixo. Dão-se por esta costa muitos melões e bons, em fajãs que por ela estão.
Deste ribeiro para trás, até o Cabrestante, tomou D. Branca em terça, para uma capela cada ano e as missas do Natal, com mais muitos foros de casas, que tem no arrabalde da Vila, e anda no morgado, que é o filho do Capitão. E desta ribeira até Nossa Senhora dos Anjos, ao longo do mar, e até meias terras, tudo é do capitão e seus herdeiros. Aqui se fizeram as primeiras casas e quiseram fazer a Vila; e neste lugar se fez também uma igreja no princípio, mas não se sabe de que invocação era. Mas chama-se ali Sant’Ana; pode ser que a igreja seria sua, onde estão ainda covas de trigo e algumas pedras das casas antigas.
Passada a ribeira, espaço de um tiro de besta, está uma pequena praia, tanto como um tiro de pedra de mão, que se chama a Praia dos Lobos, onde saem alguns lobos marinhos a dormir em uma furna, que ali tem defronte. E logo está uma ermida de Nossa Senhora dos Anjos, muito fresca e graciosa, da qual ao ilhéu da Vila, que atrás fica, haverá quase uma légua; e na fajã, que fica atrás, se fazem grandes pescarias por todo aquele mar fronteiro, onde soíam pescar barcos de Vila Franca, desta ilha de São Miguel; têm suas cabanas em terra, onde recolhiam muito pescado, antes que costumassem ir pescar às Formigas.
Passada esta Ermida de Nossa Senhora, que está perto do mar, em uma grande e alegre fajã, vem ter a ela, das Fontes do Paúl, uma ribeira de água fresca de todo o ano, antre umas altas ladeiras vestidas de murta e regadas de fontes, que ajudam sua corrente, onde vai ajudando a fresca e nomeada fonte de Duarte Lopes; da Faneca vem e também nela entra.
Onde esta ribeira se mete no mar saiu à costa uma baleia, haverá perto de cinquenta anos, de cujos ossos se pudera fazer uma cabana, em que puderam caber uma dúzia de homens, assentados à vontade.
Logo adiante, um tiro de besta, está um ilhéu que se chama dos Frades, por saírem ali uns que naquela ermida de Nossa Senhora estiveram algum tempo. Passada esta ribeira, antre ela e o mar, se alevanta um pico, que se chama Monte Gordo (terra de bom pão), o qual pela banda do mar é de rocha talhada e mui alta, a que não pode descer nem subir gente; e, assim, vai ter a rocha em redondo, derredor do monte, até tornar perto da dita ribeira, sem se acabar de cortar da terra, com ela fazendo um espinhaço que passa para a Faneca, que se chama Maldegolado, porque, com muito pouco espaço que mais a rocha viera a dar na ribeira, acabara de ficar degolado e apartado aquele pináculo da outra terra, e não ficara antre a ribeira e a rocha um espigão tão íngreme, sem poder passar uma pessoa antre a ribeira e a rocha, que, por isso, lhe puseram este nome de Maldegolado.
Passando avante, vai correndo a rocha da Faneca, alta, íngreme e tão a pique, que nenhuma boa besta chegara com seu tiro do mar acima dela, à superfície da terra. E aqui está uma fonte, que foi de Duarte Lopes de Frielas e do seu nome se chama, no cabo de uma terra que só tem barro vermelho, sem ter verdura, porque, com ser perto de vinte moios de terra, não haverá em toda dois alqueires dela que erva tenha. E no cabo desta altura tem esta fonte, que bota tão grossa água como um grosso punho de uma pessoa, sem haver serra derredor donde aquela água venha, por ser mais alta a fonte que toda esta que está derredor dela, toda muito seca, sem criar erva alguma, senão nalgumas poucas partes, como já disse.
E debaixo desta alta rocha da Faneca, perto desta fonte, está uma furna, que entra muito pela terra dentro e só entram por ela meia légua, com tocha ou candeia, e quanto mais vão por dentro menos ouvem o mar, cuja boca tem altura de duas lanças e uma de largo; é de pedra, por baixo, e, por cima, vai lavrada, a modo de um meio berço de abóbada, como se fora feita por mão de algum oficial extremado.
E parece ser oca e ter com ela concavidade vã toda aquela terra sobre que está a dita fonte, sem se poder entender donde poderá nascer a sua água, por ir esta furna por baixo da Faneca e de outras fontes e ribeiras, acima da qual, dois tiros de besta dentro pela terra, estão as casas do ilustre Capitão Pero Soares e outras que foram de Rui Fernandes de Alpoem, que agora são do bacharel João de Avelar.
Por esta costa, que já vai dando volta à ilha para o Nordeste, por dentro da terra, corre a campina da criação do mesmo Capitão, até a ribeira de Água de Alto, que se chama assim, porque sai das Feiteiras, do pé da serra, e cai à borda do mar, de um salto grande. Nesta rocha se apanha muita urzela, que é como musgo do mar, e de cor cinzenta, e deita de si tinta azul mais fina que a do pastel; nasce ali nas rochas, junto do mar, cuja granjearia é mui trabalhosa e de muito perigo, porque, dependurados em trinta, quarenta, cinquenta braças de corda, os homens as andam apanhando e morrem muitos deles, caindo pelas rochas. A urzela das Canárias dizem ser melhor que a desta ilha de Santa Maria.
Junto desta ribeira de Água de Alto está uma pequena fajã do Capitão, onde tem prantada vinha de mais de seis anos, que já dá bom vinho. E da ribeira para a banda do Nordeste está outra, da mesma maneira, de João Tomé Velho. Chama-se este posto as Feiteiras, por haver ali muitos feitos, onde têm os herdeiros de João Tomé, o Amo , suas terras, que são muitas do mar à serra. E, ao longo da costa delas, vai correndo a rocha mui alta até as Lagoinhas, que estão perto, e são umas seis ou sete fajãs fundas, a modo de caldeiras, que estão em cima da terra.
De uma furna que está na rocha, ao longo do mar, direito destas Lagoinhas, viram uns pescadores desta ilha de São Miguel, andando lá pescando, sair catorze lobos marinhos que estavam ali como em malhada, e, porque os perseguiam e matavam naquele lugar, algumas vezes os viam, quando se queriam recolher à furna, alevantar as cabeças a ver se viam alguém que os desinquietasse e vigiar como gente de saber e entendimento.
Mais adiante, um quarto de légua, quase defronte destas Lagoinhas dois tiros de besta, ao mar, ao Norte, está um ilhéu pequeno e redondo, que se chama das Lagoinhas, por estar perto e defronte delas, onde desembarcam, mas não vão acima por ser muito alto e íngreme; nele morre muito peixe e há muitos caranguejos, cracas e mais marisco. Do qual ilhéu, inda que esteja ao Norte, está perto o cabo da ilha da parte do Ponente, porque, de Sant’Ana quase até este lugar, faz a ilha testa desta banda. E deste ilhéu das Lagoinhas começa a partir a freguesia de Santa Bárbara, da banda do Norte, e nele fenece a da Vila.
EM QUE SE PROSSEGUE A DESCRIÇÃO DA COSTA DA ILHA DE SANTA MARIA, PELA BANDA DO SUL DA VILA DO PORTO PARA A PONTA DE SANTA ANA; E DAÍ VOLTANDO AO NOROESTE, E DEPOIS AO NORDESTE AO ILHÉU DAS LAGOINHAS
Passado o porto e ribeira do Sancho, torna a fazer a rocha volta para o mar até a ponta da Forca, que está nela, da qual ponta à do Marvão, que atrás fica (fazendo ambas enseada do porto da Vila já dita), haverá um quarto de légua ou menos; passada a ponta da Forca, vai a rocha íngreme até uma ribeira seca, que estará dela como três tiros de besta, a qual ribeira não corre senão quando chove muita água, e mete-se no mar em areia grossa, e é rasa e muito perigosa para a terra, por ser aparelhada para nela desembarcarem imigos, pelo que é necessário haver nela grande vigia.
Defronte desta ribeira, ao Sul da terra, para o mar, está o ilhéu da Vila, redondo e de rocha talhada ao redor, mas tem um só passo por onde sobem a ele, o qual tem em cima tanto como quatro alqueires de terra chã e cria erva, que chamam panasco, e outras ervas, antre as quais criam tantos garajaus que se apanham, quando da terra lá vão folgar, por vezes, trezentos, quatrocentos e quinhentos ovos pelo chão; mas, quando algumas pessoas os vão apanhar, se não levarem as cabeças bem cobertas, parece que não tornarão com orelhas quando se recolherem, porque arremetem os garajaus a eles (sic), como abelhas; e são estes ovos melhores e mais sãos que todas as aves. E neste ilhéu há uma calheta pequena, onde varam um e dois barcos.
Passada esta ribeira seca, vai correndo a rocha baixa para a banda de Sant’Ana; a terra, que por cima corre, se chama Abegoaria, porque antigamente havia ali muita abegoaria de madeira. E adiante está o Cabrestante, que é uma ponta de terra que se mete no mar, mas não muito, e por ser rasa e chã por cima, ou por alguma outra razão não sabida, se chama assim o Cabrestante.
Do porto da Vila, correndo ao longo da costa, até esta ponta do Cabrestante, que está a Oeste, estão como quarenta moios de terra, que ficaram por dar, para o concelho, onde criavam os homens seus gados sem pagar coisa alguma. Depois um Sebastião da Costa, por conselho de um certo homem da ilha, que no Reino se quis amigar com ele, pospondo o bem comum de todos os naturais ao particular de um só estrangeiro, pediu a el-Rei a metade destas terras, ficando o concelho com outra meia parte, começando da Vila para a banda do Ponente.
E, desta maneira, comummente pastavam todos nelas seus gados. Mas, depois que as terras se foram desfazendo e descobrindo dos matos que dantes tinham, pediram a el-Rei os regedores da Vila que se pudessem tapar e arrendar para obras do concelho; e assim se arrendaram em pedaços, e os rendeiros as taparam à custa das rendas, fazendo-se nelas seis sarrados, que, depois de ir à ilha o benemérito desembargador Fernão de Pina, digno, enquanto mandou e ordenou nestas ilhas, de perpétua memória, por não ter um só homem o proveito delas, e ser repartido por muitos, e alguns deles pobres, por seu mandado se arrendam a dez, vinte, trinta alqueires a homens que não têm terras para lavrar. E por este modo rendem cada ano quinze até dezoito moios de trigo, quando se lavram todas; e o menos sejam treze moios. E isto tem de renda o concelho da ilha, mas dizem alguns praguentos que luz pouco. Do cabo destes sarrados para diante, estão os de Sebastião da Costa, que já tenho dito, que correm até o Cabrestante. O primeiro rendeiro que trouxe estes sarrados foi um João da Fonte. E porque as informações dos homens variam, declarei isto do princípio, porque é a informação mais certa e passa desta maneira.
Quando se deram as dadas das terras nesta ilha de Santa Maria, de que vou falando, todas corriam do mar à serra, e os que as houveram começaram a roçar de um caminho que agora vai ao mar para Santa Ana, e foram roçando até chegar a estes sarrados, não passando de uns arrifes que aí estão juntos. E como se passou o tempo de cinco anos de sesmaria, ficaram estas terras devolutas, sem dono. O concelho tem pedidos os vinte moios, que tenho dito, a el- Rei, que lhe fez mercê deles para bois e bestas de serviço, e usou alguns anos, não somente dos seus vinte moios, mas também dos vinte que ficaram das dadas.
Estando as coisas nestes termos, indo João da Fonte, acima dito, ao Reino, deu conta destas terras a D. Luís Coutinho, primeiro comendador desta dita ilha, dizendo-lhe que as queria pedir a el-Rei, o qual D. Luís lhe disse que ele não tinha feitos serviços a Sua Alteza para ter aução de pedir esta mercê, mas que ele as pediria para si e depois lhas daria por pouca coisa. Concertados desta maneira, fez D. Luís petição, que deu a Sebastião da Costa, escrivão da Câmara de el-Rei, a qual estando no saco faleceu D. Luís, e achando-a o escrivão já sem requerente, pediu as terras a el-Rei, o qual lhas deu, com pensão de um quarteiro de trigo cada um ano. Deu, então, este Sebastião da Costa estas terras de arrendamento a João da Fonte por três quarteiros de trigo, sc. um de pensão para el-Rei e meio moio para si; haverá isto como cinquenta anos. Depois houve estas terras um António Monteiro, homem principal da ilha, por moio e meio de trigo. Depois passaram a Amador Vaz Faleiro, por cinco moios. Agora são estes sarrados, de vinte moios de terra, de um genro de Sebastião da Costa, que se chama Sebastião de Brito.
Está partida esta terra em três sarrados: um traz Jorge Carvalho, outro João Gonçalves, outro Miguel de Figueiredo, que arrecada a renda por Sebastião de Brito. Este Carvalho tem feitas casas em que ele e dois genros seus vivem, abaixo das quais, na costa, está um ilhéu pequeno, que tenho dito, que se chama do Vale da Barca.
E logo adiante, no cabo destes sarrados, indo a Loeste, está a ponta que se chama do Cabrestante, onde começam as terras de D. Branca, mulher de João Soares, primeiro Capitão da ilha, depois de seu tio Gonçalo Velho.
Este Cabrestante é uma lomba que corre do mar para o Nordeste, que tem uns arrifes, e por baixo são terras muito chãs e das melhores da ilha. Logo sai ao mar uma ribeira, que se chama do Capitão (porque é sua), de pouca água, que também se diz de Santa Ana, e vem de fontes que nascem no meio desta terra, onde se chama Flor da Rosa, da qual bebem todos os gados da parte das Abegoarias para além, por não haver outra água do caminho de Sant’Ana para baixo. Dão-se por esta costa muitos melões e bons, em fajãs que por ela estão.
Deste ribeiro para trás, até o Cabrestante, tomou D. Branca em terça, para uma capela cada ano e as missas do Natal, com mais muitos foros de casas, que tem no arrabalde da Vila, e anda no morgado, que é o filho do Capitão. E desta ribeira até Nossa Senhora dos Anjos, ao longo do mar, e até meias terras, tudo é do capitão e seus herdeiros. Aqui se fizeram as primeiras casas e quiseram fazer a Vila; e neste lugar se fez também uma igreja no princípio, mas não se sabe de que invocação era. Mas chama-se ali Sant’Ana; pode ser que a igreja seria sua, onde estão ainda covas de trigo e algumas pedras das casas antigas.
Passada a ribeira, espaço de um tiro de besta, está uma pequena praia, tanto como um tiro de pedra de mão, que se chama a Praia dos Lobos, onde saem alguns lobos marinhos a dormir em uma furna, que ali tem defronte. E logo está uma ermida de Nossa Senhora dos Anjos, muito fresca e graciosa, da qual ao ilhéu da Vila, que atrás fica, haverá quase uma légua; e na fajã, que fica atrás, se fazem grandes pescarias por todo aquele mar fronteiro, onde soíam pescar barcos de Vila Franca, desta ilha de São Miguel; têm suas cabanas em terra, onde recolhiam muito pescado, antes que costumassem ir pescar às Formigas.
Passada esta Ermida de Nossa Senhora, que está perto do mar, em uma grande e alegre fajã, vem ter a ela, das Fontes do Paúl, uma ribeira de água fresca de todo o ano, antre umas altas ladeiras vestidas de murta e regadas de fontes, que ajudam sua corrente, onde vai ajudando a fresca e nomeada fonte de Duarte Lopes; da Faneca vem e também nela entra.
Onde esta ribeira se mete no mar saiu à costa uma baleia, haverá perto de cinquenta anos, de cujos ossos se pudera fazer uma cabana, em que puderam caber uma dúzia de homens, assentados à vontade.
Logo adiante, um tiro de besta, está um ilhéu que se chama dos Frades, por saírem ali uns que naquela ermida de Nossa Senhora estiveram algum tempo. Passada esta ribeira, antre ela e o mar, se alevanta um pico, que se chama Monte Gordo (terra de bom pão), o qual pela banda do mar é de rocha talhada e mui alta, a que não pode descer nem subir gente; e, assim, vai ter a rocha em redondo, derredor do monte, até tornar perto da dita ribeira, sem se acabar de cortar da terra, com ela fazendo um espinhaço que passa para a Faneca, que se chama Maldegolado, porque, com muito pouco espaço que mais a rocha viera a dar na ribeira, acabara de ficar degolado e apartado aquele pináculo da outra terra, e não ficara antre a ribeira e a rocha um espigão tão íngreme, sem poder passar uma pessoa antre a ribeira e a rocha, que, por isso, lhe puseram este nome de Maldegolado.
Passando avante, vai correndo a rocha da Faneca, alta, íngreme e tão a pique, que nenhuma boa besta chegara com seu tiro do mar acima dela, à superfície da terra. E aqui está uma fonte, que foi de Duarte Lopes de Frielas e do seu nome se chama, no cabo de uma terra que só tem barro vermelho, sem ter verdura, porque, com ser perto de vinte moios de terra, não haverá em toda dois alqueires dela que erva tenha. E no cabo desta altura tem esta fonte, que bota tão grossa água como um grosso punho de uma pessoa, sem haver serra derredor donde aquela água venha, por ser mais alta a fonte que toda esta que está derredor dela, toda muito seca, sem criar erva alguma, senão nalgumas poucas partes, como já disse.
E debaixo desta alta rocha da Faneca, perto desta fonte, está uma furna, que entra muito pela terra dentro e só entram por ela meia légua, com tocha ou candeia, e quanto mais vão por dentro menos ouvem o mar, cuja boca tem altura de duas lanças e uma de largo; é de pedra, por baixo, e, por cima, vai lavrada, a modo de um meio berço de abóbada, como se fora feita por mão de algum oficial extremado.
E parece ser oca e ter com ela concavidade vã toda aquela terra sobre que está a dita fonte, sem se poder entender donde poderá nascer a sua água, por ir esta furna por baixo da Faneca e de outras fontes e ribeiras, acima da qual, dois tiros de besta dentro pela terra, estão as casas do ilustre Capitão Pero Soares e outras que foram de Rui Fernandes de Alpoem, que agora são do bacharel João de Avelar.
Por esta costa, que já vai dando volta à ilha para o Nordeste, por dentro da terra, corre a campina da criação do mesmo Capitão, até a ribeira de Água de Alto, que se chama assim, porque sai das Feiteiras, do pé da serra, e cai à borda do mar, de um salto grande. Nesta rocha se apanha muita urzela, que é como musgo do mar, e de cor cinzenta, e deita de si tinta azul mais fina que a do pastel; nasce ali nas rochas, junto do mar, cuja granjearia é mui trabalhosa e de muito perigo, porque, dependurados em trinta, quarenta, cinquenta braças de corda, os homens as andam apanhando e morrem muitos deles, caindo pelas rochas. A urzela das Canárias dizem ser melhor que a desta ilha de Santa Maria.
Junto desta ribeira de Água de Alto está uma pequena fajã do Capitão, onde tem prantada vinha de mais de seis anos, que já dá bom vinho. E da ribeira para a banda do Nordeste está outra, da mesma maneira, de João Tomé Velho. Chama-se este posto as Feiteiras, por haver ali muitos feitos, onde têm os herdeiros de João Tomé, o Amo , suas terras, que são muitas do mar à serra. E, ao longo da costa delas, vai correndo a rocha mui alta até as Lagoinhas, que estão perto, e são umas seis ou sete fajãs fundas, a modo de caldeiras, que estão em cima da terra.
De uma furna que está na rocha, ao longo do mar, direito destas Lagoinhas, viram uns pescadores desta ilha de São Miguel, andando lá pescando, sair catorze lobos marinhos que estavam ali como em malhada, e, porque os perseguiam e matavam naquele lugar, algumas vezes os viam, quando se queriam recolher à furna, alevantar as cabeças a ver se viam alguém que os desinquietasse e vigiar como gente de saber e entendimento.
Mais adiante, um quarto de légua, quase defronte destas Lagoinhas dois tiros de besta, ao mar, ao Norte, está um ilhéu pequeno e redondo, que se chama das Lagoinhas, por estar perto e defronte delas, onde desembarcam, mas não vão acima por ser muito alto e íngreme; nele morre muito peixe e há muitos caranguejos, cracas e mais marisco. Do qual ilhéu, inda que esteja ao Norte, está perto o cabo da ilha da parte do Ponente, porque, de Sant’Ana quase até este lugar, faz a ilha testa desta banda. E deste ilhéu das Lagoinhas começa a partir a freguesia de Santa Bárbara, da banda do Norte, e nele fenece a da Vila.