Rui Vaz de Medeiros, de nobre geração, veio no princípio da povoação desta ilha, em tempo do Capitão Rui Gonçalves, primeiro do nome, de Ponte de Lima, ou de Guimarães, fugindo a seu pai, indo ter primeiro à ilha da Madeira, onde casou honradamente, como quem era, com uma filha de um nobre cidadão, chamado Jorge de Mendonça, de que tem muitos parentes hoje em dia deste apelido dos Mendonças e Furtados. Teve na dita ilha muita amizade com Rui Gonçalves da Câmara, irmão do Capitão dela, que depois o foi desta, em cujo tempo veio a ela, porque, conhecendo-o lá, vendo sua riqueza e nobreza, como se tratava com cavalos na estrebaria, criados e escravos em casa, que o dito Rui Vaz tinha, juntamente com sua boa condição, o trouxe a esta ilha, onde lhe deu muitas dadas de terras, de sesmaria, no termo da vila da Lagoa, de que foi muito abastado. E houve de sua mulher, chamada Ana Gonçalves, os filhos seguintes.
O primeiro, Vasco de Medeiros, foi um dos primeiros que nesta ilha casaram; casou com uma filha de Fernão Roiz, dos nobres da Lagoa, e houve em dote quinhentos cruzados em propriedades que valem hoje em dia, em diversas partes onde estão, mais de vinte mil cruzados; foi este o melhor dote que naquele tempo se deu. O qual por ter muitos cavalos e escravos e gado, foi servir a el-Rei a África, com dois filhos, todos três com seus cavalos, armas e criados, onde foram cativos na guerra que fizeram e parece que morreram mártires no cativeiro no tempo do capitão Luís de Loureiro, com um irmão de António Correia de Sousa.
Teve Vasco de Medeiros, de sua mulher Caterina da Ponte, os filhos seguintes: o primeiro, Amador de Medeiros que casou com uma nobre mulher, a que não soube o nome , de que houve filhos e filhas, cujos nomes também não pude saber. O segundo filho de Vasco de Medeiros, chamado Rui Vaz de Medeiros, faleceu solteiro. O terceiro, Fernão Roiz de Medeiros, casou com uma filha de Pero Manuel , da Vila de Água do Pau, de que teve alguns filhos. O quarto, Simão de Medeiros, faleceu solteiro. O quinto, Marcos da Ponte, casou com uma filha de António Camelo, das Feiteiras, da qual houve filhos que faleceram.
Houve mais Rui Vaz de Medeiros, o Velho, o segundo filho, Rafael de Medeiros, que sendo mancebo, o trazia seu pai ordenado para o fazer clérigo e ele por certa amizade que teve com um mancebo de sua idade, da ilha de Santa Maria, se embarcou com ele para ela, e lá casou com uma filha de Antão Roiz Carneiro, que naquele tempo governava a dita ilha, sendo logotente do Capitão João Soares, que era menino. Com sua mulher chamada Antónia da Costa viveu Rafael de Medeiros nesta ilha de S. Miguel e teve duas filhas, uma das quais por nome Lianor de Medeiros, casou em Lisboa com um homem alemão, com o qual se foi para a Índia, e falecido este, se casou com outro, com que esteve no governo da ilha Moçambique muitos anos e teve dele um filho, homem que agora é de muito preço no serviço de el-Rei. A outra filha, chamada Maria de Medeiros, casou nesta ilha com António Camelo Pereira, filho de António Camelo, com o qual viveu muitos anos e se foi para a Índia, onde faleceu, e ficaram um filho e uma filha: o filho, por nome Gaspar Camelo, discreto e gentil homem, é casado na cidade da Ponta Delgada com uma filha de Manuel Alvres Pinheiro, chamada Guiomar Alvres, e tem um filho e uma filha. A filha da dita Maria de Medeiros, por nome D. Catarina, casou com Duarte de Mendonça, homem fidalgo; faleceu e ficou-lhe uma filha que ora vive, como tenho dito na geração dos Camelos.
E depois de se casar a furto Rafael de Medeiros, contra vontade de seu pai, fez tantas travessuras, brigas e homízios, tirando muitos presos da cadeia e outras pessoas das mãos da justiça, tudo por sua espada e muita valentia, que mandou el-Rei D. João a esta ilha corregedores para o prenderem, sem nunca o poderem pôr em efeito, por sua muita desenvoltura; e quando andava homiziado embarcou-se para a Índia, e tendo no mar diferença com o capitão da nau em que ia, vieram a palavras, de maneira que sentindo-se afrontado delas, o desafiou para quando chegassem a terra; e em desembarcando, arrancando com o capitão, lhe cortou uma perna. Dali a três dias se tornou a embarcar para Portugal em outra nau. Depois que veio da Índia, andando homiziado por cortar varas à Justiça e soltar presos de suas mãos e das cadeias, desejando muito os corregedores de o prenderem com espias que traziam para esse efeito, zombava ele tanto deles, que sabendo este desejo do corregedor Francisco Toscano, como era grande músico e de gentil voz, lhe foi dar à sua porta uma música muito concertada de clavicórdio e outros instrumentos que para isso levou, cantando tão suavemente ao som deles, que encantou o corregedor de tal maneira que se perdia por ele e lhe mandou rogar que se desse à prisão, prometendo-lhe de o livrar, como de feito livrou. E, sendo livre, depois de falecida sua mulher, se fez clérigo. Além de ser grande músico, tinha outras muitas boas partes e teve medianamente fazenda que gastou quase toda no homízio, afora a que lhe ficou, que hoje em dia têm seus netos, que valerá como quinze moios de renda.
Sendo clérigo de missa, se foi ao Algarve ver muitos parentes que lá têm os Medeiros, onde faleceu, dia de endoenças.
O terceiro filho de Rui Vaz Medeiros, João Vaz Medeiros, morador na Atalhada da Lagoa, foi casado com Isabel de Frias, filha de Rui de Frias, de que houve um filho, chamado Rui Vaz de Medeiros, morador na Atalhada, e uma filha que casou com Gonçalo Vaz, filho de Domingos Afonso, do lugar de Rosto de Cão.
Houve Rui Vaz de Medeiros o quarto filho, chamado Jordão Vaz de Medeiros, o qual sendo moço veio a cegar de bexigas; contudo casou em Vila Franca com uma filha de Branca de Paiva e de Francisco Afonso, pai de Leonor Coresma que foi mulher de António Correia de Sousa, e de Breatiz Çapata, que faleceu em Vila Franca. O qual Jordão Vaz houve de sua mulher um filho, chamado Rui Vaz de Medeiros, homem mui esforçado, discreto e de grandes espritos, que foi capitão dos aventureiros na cidade da Ponta Delgada e agora é de uma bandeira das ordenanças da milícia. O qual casou a primeira vez com uma filha de Manuel Alvres, chamada Ana Alvres. E a segunda com D. Breatiz, filha de Álvaro Martins, memposteiro-mor que foi dos cativos nesta ilha, e neta de Gaspar Camelo, das Feiteiras, de que tem filhos. Teve mais o dito Jordão Vaz de Medeiros uma filha que casou com Manuel de Roi, escrivão em Vila Franca. O quinto filho de Rui Vaz de Medeiros faleceu, por um desastre, afogado.
Houve também Rui Vaz de Medeiros a primeira filha , que casou com Diogo Afonso Cogombreiro, como disse na geração dos Cogombreiros.
A segunda filha de Rui Vaz de Medeiros, por nome Guiomar Roiz de Medeiros, casou com Lopo Anes d’Araújo, de que houve os filhos já ditos na geração dos Araújos. A terceira filha, Maria de Medeiros, casou primeiro com Rodrigo Alvres, filho de Álvaro Lopes, dos Remédios, de que teve filhos: Rodrigo Alvres, que casou com Breatiz Nunes, filha de Sebastião d’Albernaz; e o segundo filho, Álvaro Lopes Furtado, morador nos Fanais , termo de Vila Franca, casou com Ana Fernandes, filha de Cristóvão Martins, de Rabo de Peixe, de que houve os filhos seguintes: o primeiro casou com uma filha do vigário João Nunes da Câmara ; o segundo, Braz Furtado, casou com uma filha de João de Sousa e de Inês Antunes ; o terceiro casou com Inês d’Oliveira, filha de Sebastião Afonso, da Bretanha, e de sua mulher Guiomar d’Oliveira. Houve o dito Álvaro Lopes duas filhas: a primeira, chamada Maria de Medeiros, casou com Pero Barbosa da Silva; a segunda, chamada Isabel Moniz, está casada com António de Faria, discreto e de grandes espíritos, sobrinho de António Lopes de Faria, da Lagoa. Houve mais a dita Maria de Medeiros, de seu marido Rodrigo Álvares, uma filha por nome Margarida Luís, que casou com Manuel Raposo, filho de Jordão Jácome Raposo, de que teve filhos e filhas, ditos na geração dos Raposos.
Casou a dita Maria de Medeiros, filha de Rui Vaz de Medeiros, a terceira vez, com Cristóvão Soares, de que não houve filhos; e o dito Cristóvão Soares casou depois, com dispensação, com uma parenta desta Maria de Medeiros, de que tem muitos filhos e filhas, uma das quais está casada com Fernão Gomes, na vila da Lagoa, e outra casou com Francisco Tomaz, mercador, morador na cidade da Ponta Delgada.
Rui Vaz de Medeiros deu a Lopo Anes d’Araújo, em dote, fazenda que valerá cinquenta moios de renda, e a Rodrigo Alvres pai de Álvaro Lopes Furtado e de Margarida Luís, sogra de Aires Pires do Rego, propriedades que renderão hoje em dia, cada ano, mais de sessenta moios de trigo; e à outra filha que casou com Diogo Afonso Cogombreiro, que teve muitos filhos e filhas, todos ricos, mais de oitenta moios de renda; afora o que deu a outra filha que faleceu freira; e a outra filha que casou com Duarte Vaz Delgado, irmão de Pero Gonçalves Delgado, deu em dote fazenda que hoje vale perto de trinta moios de renda. E depois de ter todos casados e agasalhados, faleceu a mulher do dito Rui Vaz de Medeiros e se mandou sepultar em uma capela que mandaram fazer na igreja paroquial de Santa Cruz da vila da Lagoa, onde estão ambos enterrados.
O velho Rui Vaz de Medeiros, tanto que se viu só, deixou a Jordão Vaz de Medeiros, seu filho mais moço, o cargo de seu administrador e vendeu muito gado, escravos e algumas coisas do mais móvel que tinha, de que fez dois mil cruzados, com que se partiu em romaria para a Casa Santa, onde determinava morrer, servindo a Deus. E seguindo sua jornada soube em Veneza que o Turco tinha quebrado o salvo conduto dos romeiros, de maneira que não havia embarcação, o que foi causa de não ir avante. E tornando-se de Veneza veio ter a Nossa Senhora de Guadalupe, onde esteve por espaço de dois anos, e daí se veio a esta ilha, onde faleceu e jaz enterrado na sua capela. E o dinheiro que levou repartiu com muitos pobres e órfãos que casou. Trouxe muitas relíquias sagradas e um jubileu dos que passavam, naquele tempo, de tarde em tarde. Viveu depois que veio na Ponta da Garça, junto a Nossa Senhora da Esperança, que mandou também fazer à sua custa na sua fazenda, e depois a deu ao povo para freguesia, porque era tão rico em sua vida, que além da renda que tinha, fazia grandes searas de que havia muito trigo, naquele tempo tão barato, que vendeu uma vez sessenta moios por sessenta cruzados. Tinha também tanto gado vacum, que cada ano lhe pariam passante de cem vacas e muitas porcas e ovelhas, afora a grande família que tinha de criados e escravos.