Os Regos são nobres fidalgos; tiveram sua morada e princípio na cidade do Porto e seu termo, onde pouco tempo há que faleceu uma Isabel do Rego, na terra da Feira, em um lugar seu, que chamam Antai, já muito velha e muito mais honrada. Dois filhos seus andavam na Índia em serviço de el-Rei e duas filhas tinha em casa, uma chamada Lucrécia da Cunha e a outra Isabel da Cunha, cujo marido também andava na Índia. O pai desta Isabel do Rego, senhora de Antai, foi Diogo Fernandes Homem, irmão de Nuno Fernandes Homem, que era avô de D. Rodrigo de Covilhã, filhos de Fernão Homem, casado com uma filha do mestre D. Vasco de Sequeira, que chamavam D. Sancha de Sequeira. Houve também outra fidalga, Leonor do Rego, neta de João do Rego, casada, de cujo marido não soube o nome, mas é certo que os Regos são fidalgos de muito nome. E o conde da Feira é uma das testemunhas na justificação do brasão de sua nobreza.
Gonçalo do Rego, filho de João Vaz do Rego, do tronco desta geração dos Regos, natural e cidadão da cidade do Porto, fidalgo da casa de el-Rei D. Fernando, foi casado, na mesma cidade do Porto, com uma mulher fidalga, chamada Maria Baldaia, da qual houve quatro filhos e duas filhas. Deixando as filhas no Regno, e depois de viúvo, se veio com seus filhos, todos cavaleiros, ricos e abastados, a esta ilha, em tempo que era Capitão dela João Roiz da Câmara, onde casou, segunda vez, com Isabel Pires, viúva, mulher que fora primeiro de Sebastião Gonçalves, filho de Gonçalo Vaz, o Grande. E o primeiro filho do dito Gonçalo do Rego, chamado Gaspar do Rego Baldaia, casou primeira vez com Margarida Pires, filha do dito Sebastião Gonçalves, já defunto, e de Isabel Pires, sua madrasta, da qual houve um filho chamado João do Rego Beliago, que faleceu solteiro na corte, servindo el-Rei, sem ter mais que um filho natural, por nome Gaspar do Rego, que casou com uma filha de Manuel Nunes Botelho, neta de Diogo Nunes Botelho, do lugar de Rosto de Cão, que foi contador nestas ilhas. Lianor Baldaia, uma das duas filhas de Gaspar do Rego e de Margarida Pires, foi casada com Amador d’Alpoem , do qual se livrou por ser dantes casada a furto com João Roiz Tavares, filho de Rui Tavares, da Ribeira Grande, que faleceu na Índia, em serviço de el-Rei. E a outra, Maria Baldaia, casou com um capitão, chamado António d’Olaia, que veio a esta ilha do Perú, muito rico, e tornando-se para lá a levou consigo, onde faleceu, deixando uma filha, Hierónima d’Olaia, que casou com D. Fernando de Monção que dizem ter a capitania de seu sogro, e rende-lhe sua fazenda, cada ano, doze ou treze mil pesos de ouro.
Casou Gaspar do Rego, filho de Gonçalo do Rego, segunda vez, nesta mesma ilha de S.
Miguel, com D. Margarida de Sá, filha de João de Betencor e de sua mulher Guiomar Gonçalves, da qual houve só um filho, chamado Francisco do Rego de Sá, o Grão Capitão, que casou com D. Roquesa, filha de Jorge Nunes Botelho e de Margarida Travassos, da qual não tem filhos. Tem este apelido de Grão Capitão, pelo que agora direi. Em tempo de el-Rei D. Sebastião, por seu mandado, armou o mesmo Francisco do Rego de Sá, para guardar estas ilhas dos corsários, à sua custa, três navios, sc., uma nau vianesa e uma caravela e uma mexeriqueira, com a qual armada tomou uma nau ingresa, que andou com ele às bombardadas; e depois de andar com a dita armada se recolheu, já meado de Junho, por ser chegada a armada de Sua Alteza, para guarda das armadas, e assim andou a armada, que do Reino veio, entre as ilhas de baixo, perto de um mês, no qual ajuntou a maior parte das armadas e quatro naus da Índia, com as quais se partiu para o Regno. E por não faltar mais que uma nau da Índia, deixou o capitão-mor D. Pedro d’Almeida para guarda dela e dos mais navios que viessem de S. Tomé, Brasil e Cabo Verde, dois galeões, S. Lourenço e S. António e duas zabras, a Pompeia e Santa Bárbara. E porque o cargo de Capitão-mor ficava a Cristóvão Juzarte, fidalgo, natural da Índia e mestiço, se mostraram agravados os outros capitães, não lhe querendo obedecer, e o capitão do galeão S. António se foi logo nas costas da armada para o Regno, ficando os outros três navios, antre os capitães dos quais houve sempre muito desgosto, e assim não acompanhavam os navios, o que foi causa que vindo o dito ano a estas ilhas um navio armado, de cossairos, de França, que saqueou e roubou a ilha de Santa Maria, por ser navio tão grande, que no porto parecia de quatrocentas toneladas, muito alteroso e todo cercado de varanda, quanto dizia à alcáçova, porque defronte do masto grande para a proa, todo em redondo, tinha varanda; o qual, encontrando-se com o galeão S. Lourenço, o tomou, por andar só e mal apercebido. Estando o galeão tomado, vieram ter a esta ilha os vianeses que o mesmo ano em Viana fizeram três navios de armada, dos quais não vieram aqui mais que a capitânia e uma zabra, porque a sota capitânia ficara na ilha da Madeira; e porque Francisco do Rego de Sá se queria ir para o Regno, a requerer alguns negócios na corte, fazendo aqui na terra grande gasalhado e recebimento ao capitão-mor dos vianeses, que se chamava Álvaro Roiz de Távora, determinou ir-se em sua companhia na nau que tinha tomada aos ingleses; e indo juntos para a Terceira, em busca da armada que lá ficara, para que todos de companhia se fossem para o Reino, acharam lá o galeão tomado; e por não haver vista da nau, nem do galeão, tomando bem informação da terra e ajuntando-se com as duas zabras que estavam no porto, determinaram de os ir buscar. E porque os vianeses iam de por si, como armada que era de pessoas particulares, determinaram os capitães dos outros três navios, sc., zabras e a nau de Francisco do Rego de Sá, fazer Capitão-mor, para que outros acudissem a ele; para o que rogaram a Francisco do Rego de Sá o aceitasse, o que ele forçado aceitou e desta maneira partiram todos os cinco navios do porto da Terceira, na volta das ilhas de Baixo, onde andaram quatro ou cinco dias, e no Faial tomaram um navio pequeno, francês, carregado de açúcares; e tornando na volta da Terceira, houveram vista da nau e galeão tomado, os quais andavam no canal que está antre a ilha de S. Jorge e a mesma Terceira, aos quais logo desferiram; e porque o imigo trazia alguma gente no galeão, em que ainda iam cinquenta ou sessenta portugueses, não tendo gente para sustentar tantos navios, mandou passar os franceses do galeão para a nau e uma lancha que trazia, e mandou que a gente portuguesa, que ficava nele, fosse na sua esteira, e a nau fosse logo na volta do mar, com a proa no sul. E por o navio de Francisco do Rego de Sá, que vinha mais ao mar, lhe seguir logo o alcance, com toda a diligência possível, metendo todo o pano e indo-se já chegando ao imigo, ele alijava muitas pipas, quartos, caixas e outras muitas coisas, para que com aquilo se detivesse Francisco do Rego, mas ele não fazendo caso de coisa alguma, mais que segui-lo, chegou a ele e começou tirar alguns tiros de bombardada, para ver se o podia deter até chegarem ou outros navios, por o seu não ser para com ele poder abalroar, por ser muito pequeno; e ainda assim o foi entrando tanto, que de parte a parte houve duas ou três surriadas de arcabuzaria, com que os seus correram muito risco, por estarem debaixo do contrairo e ficarem descobertos. E porque até então o galeão francês não tinha tirado artilharia, sabendo que com alguns tiros de Francisco do Rego lhe tinham feito algum dano, vendo o navio atravessado lhe atirou com um tiro da popa, de quatro que trazia em duas fieiras, com o qual dando-lhe no lume de água, lhe fez um grande rombo, o que foi causa de não poder seguir mais o alcance, pela muita água que fazia. Neste tempo, vendo os do galeão S.
Lourenço como o ladrão ia fugindo, e não fazia caso dele, virando as velas, se foram direitos ao porto de Angra, onde surgiram e assim escaparam. Francisco do Rego, vendo que por causa da bombardada não podia seguir o que determinava, arrebentando de cólera e dor, mandou que se tomasse a água o melhor que se pudesse e não deixassem de seguir o alcance, o que se pôs por obra, mas todo aquele dia o não pôde alcançar. Já neste tempo, a zabra Pompeia e a nau dos vianeses iam chegando e vendo o que sucedera a Francisco do Rego de Sá, se apitaram para saber se houvera algum perigo; e tendo tomada a água, como melhor e conforme ao tempo puderam, por ser já sol posto, houveram conselho que em toda a noite o seguissem, porque era isto no mês de Agosto, em que toda lhe fazia luar, e que pela manhã se achassem juntos ao ladrão, de maneira que o abalroassem, a nau vianesa de uma banda e a zabra Pompeia da outra, na qual zabra ia por capitão um criado de el-Rei, por nome Gaspar Pereira, e que os outros navios se chegariam para favorecer, se fosse necessário. Indo com esta determinação, amanhecendo, ficou a zabra Pompeia tão longe do imigo, e tão a gilavento que não puderam fazer o que determinaram; o que vendo o capitão vianês e Francisco do Rego de Sá se meteram às bombardadas com o francês, o qual não curava de mais que de velejar e alongar-se deles. Assim lhe foram todo o dia no alcance, sem a zabra chegar a eles senão de noite; e porque o navio de Francisco do Rego fazia ainda muita água e o ladrão se lhe perdeu de vista naquela noite, estando ao través de S. Miguel, determinaram ir a terra para consertar o rombo do navio, o que assim foi feito. Estando ele aqui em S. Miguel, chegou a nau S. Lourenço, da Índia, na qual vinha por capitão D. Luís d’Almeida, irmão do Arcebispo de Lisboa, com muita falta de gente, e a que trazia tão doente que sós trinta homens vinham sãos; e porque o provedor João da Silva foi disto avisado, mandou a uma caravela de Sanagá e outra do Cabo Verde, que estavam no porto, que acompanhassem a nau até vir a armada, que cada hora esperavam, a qual também mandou prover de alguma gente da terra.
Andando assim a nau, houveram vista da terra do francês que na noite que desapareceu da armada tornou na volta da Terceira buscar o galeão, do que logo foi avisado o provedor João da Silva, o qual, indo-se ao porto com toda a pressa, mandou alevantar todos os navios que estavam surtos, e da terra mandou embarcar muita gente que em barcas socorresse a nau da Índia; o que não pôde ser com tanta brevidade que o ladrão primeiro não chegasse junto da nau, mas como o capitão que nela vinha era muito esforçado, e ela muito grande, não ousou acometê-la. Logo que o corsário foi visto, despachou o provedor um barco ligeiro para esta ilha de S. Miguel, crendo que os navios da armada estariam cá, com uma carta ao capitão-mor Francisco do Rego de Sá, em que lhe contava a necessidade em que ficava posta a nau da Índia, requerendo-lhe da parte de Sua Alteza que, com a brevidade possível, acudisse, pois tanto importava a seu serviço. O ladrão, ainda que não cometeu a nau, andou todo aquele dia sempre em bordos ao redor dela, tão perto que bem pudera embombardear, e neste espaço se proveu a nau de gente, de modo que o não temia; o qual na noite seguinte desapareceu dali, sem mais o verem, ainda que depois, por dez ou doze dias, andaram ali a nau e os navios da armada, que, logo como viram o recado, estando já o navio de Francisco do Rego consertado, se foram acompanhar a nau da Índia, indo também o capitão Álvaro Roiz de Távora com os seus navios. E para a nau se prover, e por o tempo ser contrairo, se detiveram os dias que digo, nos quais o capitão-mor Francisco do Rego de Sá, visitou o capitão da nau, e dando-lhe conta de tudo o que lhe tinha sucedido acerca do galeão S. Lourenço e das brigas que antre os capitães houvera e de sua tomada; pelo que determinava levá-los presos ao Regno para que Sua Alteza, conforme ao debito , os castigasse; o capitão D. Luís d’Almeida lhe disse que nisso faria o que devia ao serviço de el-Rei que lhe parecia bem não o dilatar, por que não fizessem eles outra coisa; o que ele, vindo-se da nau, logo pôs por obra, vindo pelas zabras com algumas pessoas de confiança que trazia no seu barco. Entrando nelas, chamando aos oficiais, convém a saber, mestres, pilotos e escrivães, lhe disse o que determinava, e pondo logo na zabra Santa Bárbara por capitão a Bartolomeu Nogueira, que em sua companhia ia também para o Reino, lhe entregou o capitão Diogo da Silveira, fazendo de sua prisão e entrega os papéis necessários; e mandando aos oficiais que sob pena de serem tredos à Coroa obedecessem ao capitão que lhe dava, o que eles prometeram e aceitaram. O mesmo fez em a Pompeia, pondo por capitão a um criado de el-Rei que nela vinha, cujo nome não soube, entregando-lhe também o capitão, da maneira do outro. E depois de tudo isto feito, provendo da terra o galeão S. Lourenço de mantimentos, indo nele por capitão um Fuão de Távora, morador na Terceira, se foram via do Reino, com tempo sempre contrário, o que foi causa de ser a viagem muito enfadonha e comprida. Indo, pois, em meia travessa, havendo seis dias que eram partidos da Terceira, houveram vista de uma vela grande, a qual vinha na mesma esteira que eles levavam, e depois de serem recebidos com muita festa de artilharia e arcabuzaria, se salvaram uns aos outros, que todos eram conhecidos, que era o galeão S.
Francisco, cujo capitão era Miguel de Menezes, o qual vinha para recolher as armadas como capitão-mor, por ser já lá o galeão Santo António, e porque ele vinha falto de mantimentos, por haver já alguns meses que se apartara da armada da costa, da qual fora capitão-mor D. Francisco de Menezes, e por este respeito quis chegar às ilhas, para se prover e recolher alguns navios que ainda faltavam. O Capitão Francisco do Rego de Sá mandou deitar barco fora e se foi ver com ele, onde lhe requereu da parte de Sua Alteza não desacompanhasse a nau da Índia, pois tudo o que aquele ano ficava por recolher das armadas não era alguma coisa em respeito dela, dando-lhe também conta do que tinha feito com os capitães das zavras, entregando-lhe todos os papéis, como a capitão-mor de toda armada; e que, quanto ora a vir mal provida de mantimentos, ele lhe faria serviço de o prover dos que levava, que por ir de sua casa ia muito provido; também da nau da Índia se poderia prover de alguns fardos de arroz para a gente, o que ao capitão D. Miguel de Menezes pareceu bem. E acerca da prisão que fizera o louvou muito, não querendo mudar nada do que ele tinha feito; e os mantimentos que lhe oferecia lhe agradeceu em extremo; e logo lhe mandou uma caixa grande nova, como as costumam fazer nesta ilha, cheia de biscoito branco, muito formoso e muito diferente e avantajado do que se costuma nas tais armadas; mais lhe mandou um cofre de coisas doces e algumas galinhas e queijos de Frandes e Alentejo, de que ia bem provido, como sempre trouxe a sua armada. E desta maneira fizeram sua viagem, que pelos ventos lhe foi muito contrastada. E por a nau da Índia ser muito ruim de vela, descaía tanto com o vento, que era muito escasso, que cada dia amanhecia quatro até cinco léguas através da armada, o que foi causa de porem ainda mais de vinte dias dali a terra; a qual do navio de Francisco do Rego de Sá foi vista, por ir diante, um dia rompendo alva, e logo mandou tirar um tiro, ao que os outros navios em sinal de festa também atiraram, mas como o dia foi crescendo, vieram alguns nevoeiros com que se não viu a terra e o vento era sul. Já neste tempo os navios todos iam faltos de mantimentos e por conselho do capitão-mor, não pretendiam mais que cada um buscar a terra e qualquer porto que tomassem, e porque já iam escorrendo o cabo de S.
Vicente, pela costa do Algarve, e o vento ia crescendo, não ousavam cometer a terra; assim andaram ali dois dias, nos quais, indo sempre o vento em crescimento, estando a través das Areias Gordas, havendo muita chuva e nevoeiros grandes, não havia senão dar a través; e os pilotos, por ser o lugar tão perigoso, indo com o prumo na mão sondando, mandando sempre ter ao mar, não podiam tanto com a braveza do vento, que não mostrassem a desconfiança que tinham de se poderem salvar, porque muitas vezes deram em dez, doze braças. E estando o tempo tão obscuro que não viam a terra, era tanto o clamor da gente e chamar por Nosso Senhor e pela Virgem, sua Mãe, que só esse era o remédio que lhe ficava e lhe valeu; e assim, acabados os dois dias da tormenta, se acharam sobre as portas de Calez , na qual baía entraram, onde se proveram de mantimentos do porto de Santa Maria, de um feitor de Sua Alteza que aí residia, donde depois de estarem ali vinte e dois dias, esperando por tempo, tendo-o bom, partiram para Lisboa. Mas, durou-lhe pouco a bonança, porque vindo através do Algarve, se lhe mudou o vento, sem poder fazer viagem; e porque já nos dias da tormenta, a nau da Índia que ficara atrás e a nau dos vianeses não foi mais vista da armada e conforme ao tempo criam que seria já em Lisboa, por Francisco do Rego de Sá ir enfadado do mar, determinou entrar em Vila Nova de Portimão, e, deixando aí a nau, se foi por terra com algumas pessoas dela, que de sua obrigação e companhia levava, para o que tomou as cavalgaduras necessárias até Alcácer do Sal e dali se foi pelo rio a Setúvel, onde achou os navios da armada, sc., S. Francisco e as zavras ; e, perguntando pelos capitães, soube como em chegando os navios, viera ter ali um corregedor de Lisboa, o qual levara presos aos dois capitães das zavras, e isto se fez com tanta brevidade, porque como a nau da Índia e a dos vianeses chegassem primeiro a Lisboa, contou o capitão Álvaro Roiz de Távora a el-Rei o que Francisco do Rego de Sá, por seu serviço, fizera, o que el-Rei lhe agradeceu muito e lho aceitou muito em grande serviço; o que bem mostrou, porque indo depois o mesmo Francisco do Rego de Sá visitá-lo, lhe disse: Sejais muito bem vindo, Francisco do Rego, sois Grão Capitão, pelo qual apelido ele lhe beijou a mão, e depois em todas as provisões de el-Rei lhe punham o mesmo. E os capitães das zavras, depois de estarem presos por alguns dias, publicamente foram condenados, sc., Diogo da Silveira com dez anos de degredo para a ilha do Príncipe, trazido primeiro com uma roca, com pregão, pela Rua Nova, e Gaspar Pereira, capitão de Pompeia, foi degolado no pelourinho da Ribeira de Lisboa. Esta é a causa e origem deste apelido de Grão Capitão de Francisco do Rego de Sá, por lho chamar assim el-Rei D. Sebastião, pelos serviços que naquele tempo lhe fizera.
O segundo filho de Gonçalo do Rego e de Maria Baldaia, chamado Belchior Baldaia, de grandes partes, como adiante direi, casou nesta ilha com Isabel Alvres, filha de João Alvres do Olho, de que houve um filho, João Baldaia e duas filhas, Isabel Baldaia, que casou com Baltazar Raposo, filho de João Fernandes Raposo, e Maria Baldaia que casou com Gaspar de Viveiros, filho de Jerónimo Jorge, que tem agora o morgado de seu pai. Segunda vez casou Belchior Baldaia com Isabel Raposa, de que tem dois filhos, Gaspar Baldaia e Manuel do Rego. O terceiro filho, Jorge do Rego, que faleceu solteiro.
O quarto filho de Gonçalo do Rego e de Maria Baldaia, chamado Gonçalo do Rego, letrado em leis, casou nesta ilha com D. Breatiz, filha de Gaspar Camelo e de Breatiz Jorge, de que houve um filho, Gaspar Camelo, e uma filha, D. Maria.
Houve também Gonçalo do Rego, o Velho, de Isabel Pires, sua segunda mulher, nesta ilha, dois filhos, grandes cavaleiros, e uma filha. O primeiro filho, Manuel do Rego, casou com Maria Herónima, filha de Hierónimo Jorge e de Breatiz de Viveiros, de que, afora seis filhas, houve dois filhos, Gonçalo do Rego e Braz do Rego. Gonçalo do Rego casou, a primeira vez, com Briolanja Manuel, filha de Gonçalo Manuel, e a segunda vez com Isabel de Faria. Braz do Rego casou com Hierónima de Sousa, filha de Nuno de Sousa, da Ribeira Grande.
O segundo filho de Gonçalo do Rego, chamado Aires Pires, casou, a primeira vez, com Breatiz de Sousa, filha de Baltazar Vaz de Sousa e de Leonor Manuel, da Ribeira Grande, de que houve quatro filhos e uma filha: o primeiro, Manuel do Rego, faleceu na Índia em serviço de el-Rei, pelejando; o segundo, Gaspar do Rego de Sousa, homem discreto e de grandes espritos, muito valente de sua pessoa e tão destro nas armas que estando no mês de Julho de mil e quinhentos e setenta e quatro em Lisboa, entrando um dia na escola de esgrima do mestre João de Bovadilha um alemão muito alto de corpo e gentil homem, desafiando toda a escola de espada e adaga, e ferindo a três ou quatro que lhe saíram a esgrimir com ele, de modo que ficou o mestre afrontado, e dando conta disso ao dito Gaspar do Rego de Sousa, dizendo-lhe que o alemão havia de tornar à escola o domingo seguinte, por desafrontar o mestre, o esperou aquele dia Gaspar do Rego de Sousa na escola, e indo a ela o alemão, levando consigo seis ou sete e um moço que era sua língua, para o verem jogar as armas, e entrando, pôs-se no campo a espada e adaga, à qual ele logo arremeteu, e tomando Gaspar do Rego outra espada e adaga, e estando já avisado que o alemão jogava muito rijo e não guardava nenhuma cortesia no jogo, começaram a batalha; atirando-lhe o alemão um altibaixo rijo, Gaspar do Rego se meteu debaixo e amparando-se com a espada lhe deu uma adagada debaixo de um braço, e tornando em outro tempo, lhe deu com a maçã da adaga outra detrás da orelha, de que saiu muito sangue, depois outra na garganta e por fim, outra acima da sobrancelha, fazendo-lhe outra grande ferida de que saiu muito sangue; o que vendo seus companheiros, tomaram espadas brancas e Gaspar do Rego tomou também a sua, já todos alvoraçados para brigarem, mas os que estavam na escola apartaram a briga, maravilhados todos da desenvoltura do dito Gaspar do Rego de Sousa. O qual casou nesta ilha com Catarina Ferreira, filha de Gaspar Ferreira, de que houve uma filha, chamada Breatiz de Santiago, freira professa no mosteiro de Jesus, da vila da Ribeira Grande.
Casou Aires Pires do Rego, segunda vez, com Maria de Medeiros, filha de Manuel Raposo e de Margarida Luís, de que não houve filhos.
A filha de Gonçalo do Rego e de sua segunda mulher Isabel Pires, chamada Ana do Rego, de grande virtude e nobreza, casou com Manuel Pires d’Almada, cavaleiro fidalgo da casa de el-Rei e foi tençada por el-Rei D. João terceiro do nome, do qual teve dezassete filhos, entre machos e fêmeas; oito são mortos e nove vivos, dos quais dois estudaram teologia e dois leis e um cânones; e todos são moços da Câmara de el-Rei, sc., bons letrados, prudentes, discretos e virtuosos, imitando bem a virtude do pai e da mãe. O primeiro filho, chamado Gonçalo do Rego, foi religioso de grande doctrina e muito aprovada virtude e bom pregador na Companhia de Jesus; muitos que o conheceram e sabem de sua vida a exemplo, o têm por santo. E, deixando os mais filhos defuntos, o segundo, Baltazar do Rego Sanches, cavaleiro fidalgo de casa de el-Rei, letrado em leis, foi juiz de fora em Mértola, onde deu boa conta de si em negócios de importância, que lhe aconteceram, tendo o dito cargo; em o tempo da peste de Évora, foi corregedor em Alenquer . Agora é provedor da fazenda em todo o reino do Algarve, como adiante direi.
O terceiro, Manuel Sanches d’Almada, moço de câmara e capelão de Sua Majestade, é grande letrado e pregador, licenciado em teologia e mestre em artes, e agora vigairo e pregador da igreja de S. Pedro, da cidade da Ponta Delgada. O quarto, Gaspar do Rego Sanches, cavaleiro fidalgo da casa de el-Rei e letrado em leis, juiz em Monção donde com muita gente de pé e de cavalo foi o primeiro que de Portugal foi em socorro a Bayona, quando o Draque desembarcou nela.
O quinto, António do Rego d’Almada, letrado em cânones, de muita virtude. O sexto, Hierónimo do Rego, ainda de pouca idade, mas de grandes esperanças.
As filhas, afora as defuntas, Ana do Rego e Maria d’Almada, ainda solteiras, e Isabel da Madre de Deus e Cizília da Encarnação, freiras professas no mosteiro da Esperança da cidade da Ponta Delgada.
Liaram-se os Regos com os Rodovalhos da maneira seguinte: o avô de Lourençaires Rodovalho era natural de França, nobre e rico, o qual vindo em uma nau sua ter a um porto de Portugal, dali foi a Viana, muito mal disposto, onde desembarcando, em Alentejo, foi recolhido em casa de um homem dos principais da vila; e sendo a doença prolongada mandou ir a nau para França, e depois que convalesceu, casou com uma filha do hóspede, em conhecimento do agasalhado recebido; o qual houve de sua mulher uma filha e um filho. A filha, chamada Breatiz Pires, faleceu de noventa anos, sem casar, vivendo sempre muito abastada e com muita virtude e tanta autoridade, que punha em paz naquela vila a todos os que tinham dúvidas ou discórdias. O filho, Aires Pires Rodovalho, foi de Viana com trato para Guiné e, tornando rico, veio ter muito doente a esta ilha de S. Miguel, onde pousou em casa de um criado de el- Rei, que aqui estava então por almoxarife, que lhe fez muitas honras e mimos, até se achar bem; o qual, sendo casado, tinha em companhia de sua mulher uma moça, muito dama, por nome Guiomar Roiz, a qual foi enjeitada à Rainha D. Leonor, mulher que foi de el-Rei D. Manuel, que ela mandou criar, e depois de criada a trouxe este almoxarife para esta ilha, por ser coisa sua, e a casou com este Aires Pires Rodovalho, depois de convalescido de sua enfermidade, o qual a aceitou por mulher, pelos benefícios recebidos, e viveu nesta ilha muito rico e abastado; possuiu a rua de Valverde até à de Belchior Roiz, escrivão da Câmara, do mar à Serra, e foi homem de grandes espritos e bom judicial. Teve de sua mulher um filho e uma filha ; o filho, chamado Lourençaires Rodovalho, serviu a el-Rei em África, onde foi armado cavaleiro e foi na vila da Ponta Delgada juiz dos órfãos, e muitas vezes do judicial e vreador; cuja mulher era natural do Algarve, chamada Inês Correia, de que houve dois filhos e cinco filhas; o primeiro filho, Aires Pires, faleceu sacerdote de missa; o segundo, Gaspar Correia Rodovalho, que foi depois de seu pai juiz dos órfãos na cidade da Ponta Delgada, e casou a primeira vez com Bertoleza Fernandes, filha de João Lopes, dos Mosteiros , de que houve filhos e filhas: a mais velha, Inês Correia, casou com Lopo Anes Furtado, filho de António Furtado, e um filho, chamado Gaspar Correia, casou com uma filha de Belchior da Costa, alcaide do mar nesta ilha.
A primeira filha, Ana Lourenço, foi mulher de Rui da Costa, da Fajã, cavaleiro do hábito de Santiago, de que houve estes filhos: Lourençaires, bom cavaleiro, que casou com Branca Roiz, filha de João Roiz Cernando, morador em Rabo de Peixe, e Barão da Costa, que casou com Breatiz Roiz, filha de Pero Dias, da Fajã, e Inês Correia que casou com Bertolameu Roiz de Sousa, filho de Bertolameu Roiz, do Pico da Pedra, e Bartoleza dos Anjos, freira professa no mosteiro de Jesus, da vila da Ribeira Grande, e Manuel da Costa que casou com Catarina Moniz, filha de Adão Lopes e de Maria Moniz, e Clara da Costa, casada com Pero Gonçalves, filho de Francisco Alvres, morador nas Feiteiras, e Gaspar Correia, que casou a primeira vez com Caterina Garcia, e Catarina da Costa e António da Costa, ambos solteiros, afora os falecidos. A segunda filha, Guiomar Roiz, casou com Fernão Gonçalves Bulcão, de que houve filhos e filhas.
A terceira filha de Lourenço Aires Rodovalho, Helena Lourenço, casou com Amador Francisco, cavaleiro do hábito de Santiago, filho de Francisco Dias Caiado e de Tareja Gonçalves, de que tem filhos e filhas, uma das quais, chamada Maria Caiada, casou com Sebastião Vaz, filho de João Lopes, dos Mosteiros.
A quarta, Isabel Correia, casou com Pero Vaz de Alpoem , filho de Estevão Roiz d’Alpoem de que tem filhos e filhas.
A quinta filha de Lourenço Aires Rodovalho, chamada Maria Rodovalha, casou, primeira vez, com Bartolomeu Nunes, cavaleiro de África, de que houve alguns filhos que faleceram. E segunda vez, com João Álvares de que tem dois filhos, um dos quais casou com uma filha de João Lopes, e outro com a de Nuno de Sousa. A filha, chamada Isabel Pires, casou, primeiro, com Sebastião Gonçalves , filho de Gonçalo Vaz, o Grande, de que houve uma filha, por nome Margarida Pires, que casou depois com Gaspar do Rego, seu enteado. E segunda vez casou Isabel Pires com Gonçalo do Rego, viúvo, pai do dito Gaspar do Rego e de Manuel do Rego, e de Aires Pires e de Ana do Rego, como atrás tenho dito. Deste modo ficaram liados em parentesco os Regos e Rodovalhos. Desta progénia de Viana procedem também os Barradas.
Casou depois Aires Pires Rodovalho, pai de Lourençaires Rodovalho, com Margarida Mendes, filha de Rui Pires, grande cavaleiro, e de sua mulher Breatiz Coelha, a qual depois de viúva casou depois el-Rei D. Afonso com João Favela, quando veio do extremo de Castela. E este João Favela, vindo a esta ilha com sua mulher Breatiz Coelha trouxe consigo a dita Margarida Mendes, sua enteada, que casou com o dito Aires Pires Rodovalho, sendo viúvo, de que não houve filhos; e falecendo, deixou a ela a maior parte da fazenda que possuía, com as casas da Praça e rua de Mestre Gaspar e a Nova de Santo André, da cidade da Ponta Delgada, e casal e terra junto das casas de Manuel Alvres, e muitos escravos e escravas, o que tudo a dita Margarida Mendes deixou em morgado a Amador da Costa de Arruda, que agora possui seu filho mais velho Manuel da Costa, irmão de Álvaro da Costa, como mais claramente tenho contado, quando tratei da progénia dos Costas, Arrudas, Favelas, Motas e Portos.
As armas do brasão dos Regos são um escudo com o campo verde e uma banda de prata, e nela três vieiras de ouro perfiladas de azul; elmo de prata aberto, guarnecido de ouro; paquife de ouro e verde, e por diferença uma muleta de ouro; por timbre uma vieira de ouro antre dois penachos verdes.