O porto da Vila de Água do Pau, que distará dela por espaço de um tiro de berço, pouco mais ou menos, por outro nome se chama porto de Val de Cabaços, por estar no princípio daquele vale e fajã de terra chã e rasa com o mar, cercada de rocha e ladeiras de muitos moios de terra e biscouto de pedra, que toda, em outro tempo, antes de achada a ilha, correu de alguns montes que antigamente arrebentaram com força de fogo, e do que tem ali perto entre ele e a vila, com que fez biscoutos que serviam para vinhas, que tem, e terra feita para searas que nela agora se fazem de trigo e pastel. Tem em si montes pequenos e outeiros, onde há tantos coelhos que destruem as novidades e vinhas, que os antigos, quando iam por ali descobrindo a costa, viram coberta de umas flores grandes e brancas, de uma erva que se chama legação, de que ainda hoje em dia está bem bastecida, que pareciam flores de cabaças e por isso Ihe chamaram Val de Cabaços. Dista de Vila-Franca duas léguas; é muito bom porto e já fortificado com seu baluarte e cavas, até quebrarem os moradores de Água do Pau uma ponte de pedra de biscoito que ali estava, por onde se podia entrar a terra, com que agora fica amurada, além de um forte, mais defensável que forte, que fizeram em cima na rocha, donde um só homem, com pedras que dela deixe cair, pode tolher a desembarcação aos contrairos sem deles poder ser ofendido. Tem também um poço de água salobra junto do mesmo porto, e bom desembarcadouro e varadouro para os barcos de pescar e de cárrega, pegado com o qual, está uma ermida de Nossa Senhora da Concepção, que é a primeira que houve nesta terra desta advocação, onde foi o primeiro mosteiro de freiras de toda esta ilha e de todalas ilhas dos Açores, como a seu tempo contarei.
Logo pouco além do porto, haverá mais de sessenta anos, que na mesma rocha que corre por cima dele—e alguns dizem que só em um certo buraco que está no meio da dita rocha, não muito longe do porto, outros que também em outros buracos que estão no meio da mesma rocha, não muito apartados deste para a parte do ponente—se ouve um tom, que umas vezes, parece o tom que faz um picão quando o pedreiro lavra com ele alguma pedra, e outras vezes parece pessoa que tosse, pela qual razão Ihe chamam os vizinhos deste vale o Tussidor; ouve-se este tom todolos anos desde o começo do mês de Maio até fim de Agosto, e daqui por diante cessa, sem mais ser ouvido em todos os outros meses do ano, e ordinariamente se ouve de noite, e alguns dizem que algumas vezes de dia. Logo no princípio algumas pessoas haviam medo, mas perderam-no depois pelo costume de o ouvirem, principalmente vendo que não recebiam disso nenhum dano; tosse ou dá este gemido, a espaços, tossindo um pouco e cessando outro pouco, como uma pessoa que tosse, que não está sempre tossindo, senão de quando em quando. Dão disto testemunho Gaspar Pires, Sebastião Pires e seus filhos, Sebastião Lourenço e outros moradores de Val de Cabaços, por serem ali tão vizinhos; e o lugar onde mais se sente é na rocha defronte do porto, onde não somente os moradores daquele vale, mas outras muitas pessoas o têm ouvido, que de propósito vão ouvil-o; pelo que parece ser resfolgadouro ou respiradouro de uma talisca ou fenda de pedra que está naquela rocha, posto que pareça ser ouvido em partes diversas naquela concavidade de Val de Cabaços, onde soa como eco, respirando somente em uma que está na dita rocha, ou pode ser outra coisa semelhante, como se conta que se achou antre Douro e Minho, na freguesia de Santa Maria de Adaúfe, termo da cidade de Braga, no ano de mil e quinhentos e cinquenta e cinco, no mês de Julho, quando a terra está ocupada e adornada com diversidade de searas e árvores; quase não havia em toda ela lugar desocupado e vazio mais que aquele por onde os vizinhos e caminhantes frequentavam seus caminhos; andando toda a gente daquele termo neste tempo, solícita em seus trabalhos e serviço, segando os pães de dia e de noite, pela lua, com cantigas e festas, para alivio do cansaço, ouviram um desacostumado eco ou brado, como um grande gemido, que dizia: — Huu. E sendo deste soído as orelhas cheias de uns poucos de homens que andavam segando, começaram uns para os outros a perguntar se ouviam tão espantoso sinal, e respondendo todos que sim, estando quedos, sem bulirem com as espigas do pão, um pouco a escutar, calados, tornou a uivar com um só brado aquele eco dizendo: — Huu. Tanto que os lavradores o tornaram a ouvir, com muito medo e espanto se foram logo apelidar a terra e a manifestal-o a muitos que pelos casais e campos estavam, dizendo-lhe que andava um monstro naquela parte, o qual deitava de si uma voz espantosa de maneira que, indo uns e outros a ver e a ouvir, eram os campos cheios de gente, uns por um cabo, outros pelo outro, a buscar por antre os pães o que aquilo pudesse ser, sem ver nada, somente ouviram de quando em quando aquela voz; e para a parte onde a ouviram, arremetiam em quadrilhas com dardos, foices, espadas, lanças e bestas; e quando cuidavam por sua estimativa que estava isto antre seus pés, o tornavam a ouvir uivar, distância de um tiro de besta deles; tornando a correr para aquela parte, diziam uns aos outros:—aqui está, porque aqui ouvimos a voz; e tornando a escutar e a estar quedos, diziam uns contra os outros que aquilo era algum sinal, e nisto tornava a repetir aquele gemido mui sentido, claramente, desviada distância donde eles cuidavam, porque ora se ouvia em uma parte, ora em outra, e a gente sempre seguindo este animal, sem o verem. De maneira que todos em quadrilhas, espantados e desacoraçoados de medo e temor, andavam com meninos e mulheres que choravam, pelos campos, deixando seus serviços e dizendo que cedo havia de ser a fim; outros que seria algum demónio. Assim que uns de uma maneira, outros de outra, com diversos pareceres e opiniões, andaram atrás disto o dia, até que se cerrou a noite, e recolhendo-se todos; quando veio ao outro dia, se foram aos campos, onde depois das oitas horas por diante, o tornaram a ouvir, mas foi distância de meia légua do lugar passado; pelo que não havia homem que não acudisse daí a duas, três léguas, pela fama desta coisa e por estar a terra apelidada; tanto que não faltou logo quem fosse dar rebate ao Arcebispo de Braga Frei Bartolomeu dos Mártires, que é tido por santo em nossos tempos, antre os que sabem de sua vida e doutrina, e como tal renunciou a prelazia, o qual como prudente, não quis ao tal dar ouvidos; mas contudo, quando viu que com sobejas importunações o inquietavam os lavradores, informou-se de alguns, a quem se podia dar mais crédito. Concedeu então, mais pelos comprazer que pelo tal crer, dizendo que fossem lá dois ou três homens de sua casa, em que entrava um padre; partiram a cavalo e à volta deles algumas pessoas da cidade, mais para verem a novidade da coisa que por crerem que podia ser tamanha carantonha e tão feia, qual os lavradores a pintavam; saíram fora da cidade com alguns moços, que levavam armas e cães, e indo no meio do caminho, contra donde isto era, achavam alguns homens que vinham muito esbaforidos com a fugida, mui depressa, a contar o mesmo caso ao dito Arcebispo, mas, como já ia recado dele, voltaram atrás e quando chegaram perto donde andava aquele espectáculo, mais se espantaram os criados do dito Arcebispo da turba multa da gente, que atrás disto andava, que do que podiam ouvir nem ver. Assim que com grande tropel chegaram, perguntando se andava ainda o tal monstro no lugar passado, responderam muitas lavradores aos homens que de Braga foram:— Senhores, descansem das cavalgaduras e escutem, porque para aqui junto de nós, antre este pouco de trigo que está por segar, o hão-de ouvir; e ainda as palavras não eram ditas quando a alimária deu um grande urro, muito afastado donde eles cuidavam, porque já neste tempo andava seguida e medrosa do tropel da gente. Tanto que eles ouviram ser desviado donde dantes tinham demarcado com o juízo, começaram-se a benzer e a botar a cabeça sobre o ombro. Nisto, os principais que ali estavam se chegaram mais para onde ouviram o brado, com tenção de o escutarem de mais perto, antre os quais ia o cura da igreja daquela freguesia com cruz e água benta, para esconjurarem isto que quer que era, e pondo-se em ordem para o fazer, tornou o eco a dar a voz acostumada, espantosamente; e em a ouvindo um homem, que com os padres fora, respondeu, rindo- se: — Senhores, que fazeis? onde vimos? tornemo-nos para casa, que vergonha é andarmos tamanho exército de homens com armas atrás de um pássaro, dos quais há muitos em Itália que fazem o mesmo, e por sinal se chama este pássaro que ouvis Torcicol, que é pouco maior que uma codorniz e tem assim aquele brado, e tão raros são nesta comarca como ave Fenix; e isto podeis crer em certo e, se Ihe armardes com redes, o tomareis antre estas searas. Dito isto, ficaram os do exército com as bocas abertas, corridos, e cada um foi onde Ihe cumpria, salvo alguns que com cães e redes lhe armaram; e sobre tudo se viu no ar longe. Possível será que seja este tossidor deste porto de Val de Cabaços esta ave Torcicol, que virá de alguma terra nova aqui perto, no sobredito tempo de Verão e tornará no fim dele, todos estes anos em que se ouve, como atrás disse; se não for , que é respiração de algum espírito ou vento por aquela boca ou abertura da terra, que naquela rocha se acha, onde mais principalmente se ouve o seu brado, a que porventura algum discreto homem de Portugal que conhecia a ave Torcicol, vindo a esta terra e ouvindo-o em Val de Cabaços, diria que era a ave chamada Torcicol e, depois pelo tempo em adiante, os da terra esquecidos deste nome o corromperam e por dizer Torcicol, disseram Tossidor, tomando ocasião do seu canto ou pranto, que é como de homem que tosse.
Do porto pela terra dentro, para o ponente, espaço dum tiro de berço, está um pico grande, que em algum tempo dantes ardeu e arrebentou, de que correu grande parte daquela fajã de Val de Cabaços de pedra e terra, o que se mostra bem claro, pois tem o mesmo pico uma concavidade muito grande e no meio dela esteve antigamente uma figueira cotia, pelo que Ihe chamavam o pico da Figueira, e ao pé vinhas de um Diogo Fernandes Lixaria, que acabou mal na mesma figueira. Da outra banda do pé do pico para a parte do norte, está uma alagoa ou paúl de água, onde vai ter uma ribeira sem saída, mais que um sumidouro, que dizem ir por debaixo do pico ter ao mar; e logo para o ponente está situada a antiga vila de Água do Pau, chamada assim porque , indo por ali os antigos descobrindo a costa do mar, acharam uma ribeira que caía de um alto e não sabiam determinar se era pau, se água, mas chegando mais perto viram ser água que corria por um pau que ali estava derribado. Mas, segundo outros mais certos, vendo os primeiros descobridores da ilha cair pela rocha a água desta ribeira, curva e arcada, para o mar, Ihe parecia pau por onde a água corria, e uns apostavam com os outros que era pau, outros que era água, até que chegando mais perto viram ser ribeira, e pela diferença que tiveram sobre ela, se era pau ou água, ainda que por pau não corria, Ihe chamaram Água do Pau; o qual nome ficou a esta vila, que depois edificaram pela terra dentro, menos de um quarto de légua ao longo da mesma ribeira, que a corta pelo meio, de que herdou o nome; a qual ribeira se chama também a ribeira do Campo, por causa de um campo que está arriba da vila, ao longo dela, onde antigamente jogavam a choca; afora a ribeira do Paúl que Ihe fica da parte do oriente, e a ribeira Seca, que corre no Inverno da banda do ocidente; com que está em um vale assentada e regada, parecendo uma rica quinta e um deleitoso vergel, com seus pomares de muita fruta, abrigada do vento do mar com aquele pico que Ihe tolhe a vista dele, e do da terra, com a grande e altíssima serra chamada Vulcão, que ali se mete no mar do sul. E o porto dela, por onde se servem, a que chamam Val de Cabaços, fica com o rosto na ribeira do mar, da parte do oriente, e no meio dele e dela aquela grande fajã que parece querer fazer ali por si uma ilha rasa, com seus outeiros, e desapegar-se do espinhaço da serra grande que corre do interior do sertão onde fez a natureza, ou algum incêndio e terremoto, a alta e soberba serra tão humilhada e afilada e aguda até o andar do mar, que se espraia este esteiro ou terra corrida por aquela planície, que é à semelhança de manga, o fim da qual é quase como várzea; de maneira que contra o mar, da banda da vila, fica o pico Alto, de que parece claro que nalgum tempo arrebentou e correu aquela fajã e biscouto de viva pedra, fazendo aquela ponta delgada ao mar, que chamam de Galé, por parecer de longe desta figura e feição. Do sob pé do qual pico, da banda do norte, a vila está situada, e toda aquela chapa de serra, que jaz na vista do mar e de muitas partes da ilha, até o seu cume, é uma aprazível pintura, a mais dela obra da natureza e o menos da indústria dos homens, e antre a verdura dos alhos agrestes, que chamam bravos, grande parte dourada no mês de Maio com pampilhos, que eles já mais poderão desinçar dela; e, segundo a opinião dos mesmos moradores, não é a terra tão má que de si mesma tal criasse, antes afirmam vir a amargosa semente deles de fora, a qual trouxe do Algarve um Afonso Lourenço antre uma pouca de linhaça, como também dizem serem prantadas as primeiras parreiras em baixo, naquela fajã junto da ermida já dita , por um antigo ermitão chamado Joane Anes.
E, como é abastada de águas e moendas, não Ihe falta lenha de que é bem provida, principalmente de faias e urzes que tornam a arrebentar depois de cortadas, arriba da vila, em um salão como o da ilha de Santa Maria, de que se aproveitam os moradores; e se foram aquelas, grandes terras, nunca naquela vila faltara lenha, pois as poucas árvores tornam a arrebentar com tanta abundância. Tem esta vila um boa igreja de naves, da advocação de Nossa Senhora dos Anjos, da festa da Assunção; é freguesia de duzentos e cinquenta e três fogos e almas de confissão oitocentas e setenta, das quais são de sacramento seiscentas e sessenta e sete. O primeiro vigairo foi um Frei João e o segundo, Frei Pedro, ambos da ordem de Cristo; o terceiro, Fernão de Alvres; o quarto, Duarte Fernandes, natural de Guimarães; o quinto, António de Araújo, dos nobres da terra—todos três sacerdotes da ordem de São Pedro.
O primeiro beneficiado na mesma vila foi Simão Pires; o segundo, Manuel de Crasto; o terceiro, Adão Vaz; o quarto, João Pires; o quinto, Baltasar de Sousa; o sexto, António de Araújo, que agora é vigairo; o sétimo, Manuel Coelho; por falecimento de Manuel de Crasto, sucedeu no seu benefício António da Rocha, e por sua renunciação foi provido nele António da Mota, e renunciando-o, o houve Jerónimo de Brum, filho de Diogo Salgueiro e de Helena de Brum; e agora criou novamente o Bispo D. Pedro de Castilho um benefício novo, que serve Álvaro Gonçalves, com que há neste tempo na dita freguesia, quatro beneficiados e um tesoureiro. O primeiro cura foi Francisco da Ponte; o segundo, Crisóstomo de Oliveira de Vasconcelos. Há nesta vila uma ermida da Trindade que fez uma virtuosa beata, chamada Margarida Afonso; e outra ermida de Nossa Senhora do Rosairo; e outra de São Pedro, junto da Ribeira Seca, que Ihe fica da parte do ponente.
Sendo lugar esta vila de Água do Pau, a petição de seus moradores, na era de mil e quinhentos e quinze anos, aos vinte e oito dias do mês de Julho do dito ano, estando el-Rei D. Manuel em Lisboa, o desmembrou de Vila-Franca e o fez vila com meia légua de termo ao redor; e António Paes fez o alvará de el-Rei, por onde foi feita vila, o qual alvará, com o livro da Câmara em que se fez a primeira eleição dos primeiros oficiais da Câmara na vila, levou a ribeira em uma enchente que veio por dia de São Miguel, pela manhã , quando também levou as ameias do meio, quando alcançava o arco da ponte da vila da Ribeira Grande, onde veio a ribeira pela praça, trazendo paus brancos e cedros e outra lenha e eirós, que se tomaram e apanharam na mesma praça da Ribeira Grande. E o alvará da vila de Água do Pau não se perdeu, somente se molhou, mas o livro da primeira eleição se não pôde achar, por a ribeira que vai pelo meio da vila, com a cheia, o levar juntamente com a casa do concelho; pelo que não pude saber quais foram os primeiros vereadores, nem o primeiro procurador do concelho na dita vila; ainda que alcancei serem os primeiros juízes ordinários João Alvares e João Afonso, cavaleiros, sendo no mesmo ano ouvidor do eclesiástico em toda a ilha Frei João, vigairo da dita vila de Água do Pau, que naquele tempo se chamava capelão perpétuo ou confirmado, como os outros vigairos das outras igrejas da dita ilha, em que também, no mesmo ano de mil quinhentos e quinze, por mandado de D. Diogo Pinheiro, Bispo do Funchal, era visitador um Vasco Afonso; e no ano de mil quinhentos e vinte e cinco, em os dez dias do mês de Novembro, foi arrematada a igreja Matriz de Nossa Senhora dos Anjos, da dita vila, assim de obra de cantaria, como de carpintaria, juntamente, a um João Fernandes, carpinteiro, morador no lugar da Alagoa, por cento e vinte mil reis, por outra que dantes tinha ser caída no tempo da subversão de Vila-Franca. Há nesta vila de Água de Pau uma bandeira de duzentos e cinquenta homens de armas. O primeiro capitão que houve foi Gaspar Pires, o Velho, e seu alferes, Amador Coelho e sargento, Salvador Daniel; o segundo capitão, Matias Lopes de Araújo; o terceiro, Miguel Lopes de Araújo, e sargento, Gaspar Afonso Fagundo; e, por falecimento de Miguel Lopes, foi eleito quarto capitão Roque Jorge, que agora tem o cargo; depois se fez uma companhia de que é capitão Salvador Daniel. Morou sempre nesta vila gente nobre e poderosa: Araújos, Pavões, Oliveiras, Pretos e Manuéis, afora alguns moradores de Vila-Franca, que são em tudo mais antigos. Muitos filhos dos homens nobres de Água do Pau foram dos primeiros desta ilha servir a el-Rei em África, à sua custa e de seus pais, os quais alcancei serem Pedro Anes Preto, pai de Gaspar Pires, de Água do Pau, e de João Pires, escrivão que foi na cidade, da mesma vila, e de Sebastião Pires, de Água do Pau; e de Gaspar Pires, seu filho, sogro de Miguel Lopes de Araújo; e Manuel Afonso Pavão com três filhos seus, sc., Pero Manuel e João Manuel e Pero Manuel, o Moço; e Gaspar Manuel e André Manuel, filhos de Pero Manuel, o Velho; e Estêvão de Oliveira e Guterres Lopes, genros de Manuel Afonso Pavão; e João Jorge e um seu filho, Bartolomeu Jorge, que lá faleceu em África.
Levaram seus mantimentos, para eles e para seus cavalos, com cevada e palha e carnes e vinho, com seus criados e moços de serviço; os quais foram em África armados cavaleiros em diversas saídas que fizeram contra mouros, principalmente quando tomaram um lugar deles, que está não muito longe de Arzila, chamado Benahamed; e no ano de mil quinhentos e vinte e um, antes do dilúvio de Vila-Franca, vieram ter a Água do Pau armados cavaleiros e foram recebidos com muita festa. Dali a poucos dias, em dia de Nossa Senhora da Assunção, a quinze de Agosto, que é a advocação da freguesia da mesma vila, repicando os sinos em louvor da mesma festa, se alvoroçaram tanto os cavalos, que de África trouxeram, na estrebaria em que estavam, com o costume que de África traziam, que não havia soltas nem cadeias que pudessem com eles, parecendo-lhe que era ou havia de haver escaramuça, como em África se costumava haver quando tangiam os sinos, em algum rebate de mouros. Da mesma vila de Água do Pau saíram os primeiros dois letrados legistas que a terra deu: o primeiro, Diogo de Vasconcelos, homem fidalgo, que nesta ilha foi ouvidor do Capitão muitos anos; o segundo, João de Teve, que teve cargos honrosos de judicatura no Reino. E ainda que o padre Pero Gago, natural da vila da Ribeira Grande, que depois foi vigairo na cidade de Ponta Delgada muitos anos, fosse o primeiro que desta ilha cantou missa fora dela, em Salamanca, depois dele cantaram também as primeiras missas novas, nesta vila de Água do Pau, três naturais dela: o primeiro, o padre Manuel de Castro; o segundo, Adão Vaz; o terceiro, João Pires. Pelo que parece que, se não em todas as coisas, ao menos nestas tão honrosas, colheram os moradores desta nobre vila de Água de Pau as primeiras primícias, e sarou a Água do Pau os males da preguiça e descuido que os antigos moradores de toda esta iIha tinham com grande viço e mimo dela. Tem a dita vila juízes e vereadores e almotacés da terra e dois escrivães; e os moradores têm agora medianamente de comer, por ser terra de pouca lavrança e o mais de pastel, que se leva a granar à cidade da Ponta Delgada; pode carregar e deitar fora de si, cada ano, de boas novidades, até cento e cinquenta moios de trigo, que se pode carregar em navios, em seu porto de Val de Cabaços que por não haver nela muitas carregações não se aproveitam dele, senão em batéis, para serviço da dita vila.
Do porto de Val de Cabaços até à Ponta da Galé será um quarto de légua. Passando a ermida de Nossa Senhora, correndo pela costa, um tiro de besta, está uma furna com a boca aberta, que o mar lava por baixo, em cima da qual se dá feno; e por toda aquela costa, que é rasa com o mar, até à Ponta da Galé, são terras de pão, moledos e biscoutais de vinhas. Antes de chegar à Ponta da Galé, quase junto dela, está uma vasa, onde entra o mar pela terra, pouco espaço, até chegar quase às vinhas, onde com tempo de maresia e antrelunhos entra muito pescado de toda a sorte e fica em certos currais, que ali têm feitos de parede, em os quais se diz que vai ter a água da ribeira do Paúl, que se sume na alagoa do mesmo Paúl que está detrás da igreja principal da vila de Água do Pau, e parece ser assim, porque naqueles currais se cria muita minhoca, com que pescam ao peixe, e muitos cranguejos; onde acode muito peixe por razão da água doce que ali parece arrebentar, como arriba de Diogo Preto, nas Fontes, junto do Forninho, que atrás tenho dito, e tanto se toma que às vezes carregam carros com sebes cheias de peixe de toda a sorte. Dali um tiro de besta, se estende pelo mar a ponta que se chama da Galé, por ter feição de galé e aparecer de longe uma baixa que está a par da terra, espaço de um tiro de besta, da banda do nascente da ponta, onde passam batéis por antre ela e a terra e é uma ponta notável muito metida no mar. Da Ponta da Galé pouco espaço sai ao mar uma pequena ponta que chamam Ponta Gorda e Ponta de Alta Serra, por se começar nela uma grossa e alta. Correndo assim a costa, faz volta a terra para o norte até à vila da Alagoa, que está norte e sul com a dita ponta, começando uma grande baía, até à Ponta de Santa Clara, além da cidade, com muitos pesqueiros, onde morre muito pescado, por espaço de um quarto de meia légua, até chegar a um lugar de biscouto miúdo e áspero de pedra seca, que se chama o Jubileu, por irem lá poucas vezes, onde esta uma fajã, de quantidade de um alqueire de terra, com um figueiral de muitos figos bacorinhos, longares, brancos e pretos; e para a parte do norte muitas e boas vinhas e terras de pão, por derredor, que tudo foi de Manuel Afonso Pavão e agora é de seus herdeiros. Dentro no mar, defronte dele, quantidade de um jogo de mancal, está um ilhéu de pedra, de altura de duas lanças, de meio alqueire de terra em cima, no qual estão prantados alguns pés de parreiras e há feno e se criam pombos e garajaus nele, em que se não pode entrar senão com maré vazia. Dele para diante, há muitos pesqueiros e vinhas e terras de pão, por espaço de um tiro de besta, até chegar ao porto que se diz de Manuel Afonso, de cujo dono foram todas estas terras, as quais estão agora aforadas, por obrigações de capelas por sua alma. No qual porto podem entrar batéis e embarcar e desembarcar seguramente e nele entram as ribeiras que vêm de riba da vila de Água do Pau, que são duas e ali se ajuntam em uma à saída ou entrada no mar, sobre que os antigos tiveram a diferença já dita, se era pau ou água, de que a vila tomou o nome de Água do Pau, como atrás tenho dito.
Dali para diante corre um areal grande, com algum calhau, por espaço de meia légua, até chegar à Ponta Gorda, chamada assim por ser romba e ficar a rocha alta da banda da terra. Da Ponta Gorda corre a rocha alta, de vieiros de terra e pedra, um quarto de meia légua, até chegar à Grota Funda que tem este nome por ela o ser. Dali por diante começam as rochas da Quinta do Conde, chamadas assim, não por serem ou por haverem sido de algum conde, senão por os segadores andando ali segando e chamarem, por este respeito, àquela terra a Quinta do Conde, por o segador escolhido e avantajado entre todos dizer aos outros que era ali a sua quinta, donde Ihe ficou o nome Quinta do Conde, sem ele o ser, senão postiço entre segadores. Outros afirmam que havia em Vila-Franca do Campo um homem abastado e que se prezava muito de si, pelo que Ihe chamavam conde, o qual, não sendo pescador, tinha um barco seu em que pescavam alguns, pagando-lhe a sua parte, no qual ia ele algumas vezes, no Verão, com sua mulher, e três filhas formosas, de Vila-Franca à fajã do Faial, que está nesta costa, a gozar da sombra das faias e das águas das frescas fontes que por ali há; e quando ia e tornava perguntado, respondia que ia para a sua quinta ou vinha dela, pelo que ficou a este lugar, abaixo desta terra e rocha, o nome de Quinta do Conde.
Correm por estas rochas, em distância de meia légua, muitas fontes de muito boas águas e se criam nelas muitas rabaças e agriões e aipo. A primeira, que tem muita quantidade de água, se chama a fonte de Maria Esteves, por estar na terra de uma mulher de Diogo de Oliveira, assim chamada; logo daí, quantidade de um tiro de besta, outra fonte muito fresca de grande cópia de água, que também nasce em meia rocha, acompanhada de agriões, aipo, rabaças e outras ervas, onde pascem os gados; e daí um tiro de pedra, está a fajã que chamam o Faial, por ter antigamente mato de faias, de que naquele tempo se proviam de lenha os mareantes, estando ancorados no porto dos Carneiros da vila da Alagoa. Desta fajã para loeste, estão duas fontes, ornadas com rabaças, agriões, junça e outra verdura, que se chamam fontes de João Jorge, por serem aquelas terras, no tempo passado, de João Jorge e de outros seus herdeiros. Daí a um tiro de besta, está uma rocha brava, com uma ponta que se mete no mar quantidade de um tiro de pedra, onde se chama, pela razão já dita, o pesqueiro de João Jorge, avô do Padre Manuel Vaz, beneficiado que foi na Ribeira Grande; e nesta ponta vai beber uma grota, chamada do Limite, por se partir por ela o termo dantre as duas vilas vizinhas, Água do Pau e Alagoa. Dali por diante, espaço de um tiro de besta, corre uma praia de areia e calhau, ao longo de uma alta rocha de terra maninha, até uma ribeira seca, que não corre, nem leva água, chamada a ribeira de João Jorge, pela razão já dita. Dali por diante, haverá quantidade de meia légua, pouco mais ou menos, de rocha mais alta, sem fontes, nem criações de gado, até à vila da Alagoa; no meio da qual rocha, em cima, nas terras feitas, está um pico não muito alto, à maneira de lomba, em que está a forca, instrumento de justiça da mesma vila, mal edificada, com seus três paus sem baraço, e peor povoada, sem ladrões, que quase em nenhum tempo se enforcaram nem enforcam nela; e logo a vila da Alagoa, que está légua e meia da vila de Água do Pau, que atrás fica.