Saem à costa desta ilha, algumas vezes, baleias, mais da banda do norte que do sul, principalmente na costa do lugar de Rabo de Peixe, onde se acham muitas favas do mar, que dizem ser-lhe agradável ou natural manjar. E, posto que muitas saíssem somente se aproveita o azeite delas, sem nunca se achar ambre .
Na era de mil e quinhentos e trinta e seis ou sete anos entre Porto Formoso e a Maia, na ponta de São Brás, no pesqueiro do Demo, chamado assim por ser ruim e trabalhoso, em uma angrada de calhau saiu um peixe que não era baleia, sem osso nem espinha, de quarenta e dois côvados em comprido e oito de largo, de quinze palmos de alto, e da ponta da boca até a da guelra tinha vinte e cinco palmos; o que vendo alguns homens disseram que, se abrira a boca, bem pudera caber e entrar por ela uma junta de bois com seu carro. Achando-se ali com a maré vazia, em tempo de grande tormenta, o ataram com cordas pelo rabo e cabeça, porque o mar o não levasse quando enchesse. Tinha da cabeça até ao rabo cintas pela banda de cima, por onde subiram os homens a ele, como sobem pelas cintas a um navio. No primeiro dia, andaram cem homens cortando nele com machados; no segundo, cento e cinquenta, e todos cortavam juntamente, uns de uma banda, outros da outra, e outros em cima, sem um estorvar a outro. O primeiro que meteu o machado nele foi um Afonso Pires, morador na Maia, o qual o arrombou pelo arcabouço, e deitou pela ilharga tanto azeite claro, que bem pudera encher duas ou três pipas, que logo se coalhou, entrando na água, donde depois o tiravam com cestos e joeiras, pelas quais escoando-se a água, ficava o azeite branco e coalhado como manteiga.
Cortando todos e derretendo em fogueiras que ali fizeram tiraram muito azeite, o qual, além de aproveitar para a candeia, aproveitou depois de mezinha para sarna e matadura de bestas e cangueira de bois, e para frialdade, untando-se com ele. Como disse, não tinha osso, senão um junto com o pescoço e outro perto da rabadilha, os quais não eram propriamente ossos, senão como cabos que todos se derretiam em azeite; e todo o mais dele era polpa sem osso e sem espinha. Os nervos eram de tal qualidade e tão rijos, que depois tiravam e arrastavam madeira na serra com eles, como com tamoeiros de arrastar, sem nunca quebrarem, e traziam bois e bestas presos nas relvas, como com ataferas do Algarve, e eram ainda mais seguros e fortes que elas. Enchendo depois a maré e embravecendo mais o mar, tanto o alevantou por vezes que quebraram as cordas e, partindo-se pelo meio, deitou no mar grande cópia de azeite. E ametade dele foi ter defronte da ribeira que se chama Gorreana, onde dele se aproveitaram uns mouriscos e outras pessoas. Não conhecia ninguém que peixe era; alguns dizem ser trebolha, afirmando-se todos não ser baleia. Um homem de fora, que ali se achou e já fora a Guiné, disse que era peixe espadarte, de que em Guiné havia muitos.
A dez de Junho de mil e quinhentos e oitenta anos se viu no mar, da banda do sul desta ilha de São Miguel, da Povoação Velha até a cidade uma mui travada batalha de três grandes peixes, por espaço de quatro ou cinco dias, no fim dos quais, andando dois barcos da Vila Franca pescando à vista um de outro, um Domingos Afonso, chamado Canejo, foi encontrar com um peixe morto de estranha grandura; e, capeando ao outro barco, que veio ter com ele, o fez ir a terra buscar barcos e aparelhos, ficando ele olhando pelo peixe e por marca dele, até que Ihe foram batéis da terra, o qual levaram atoado até o porto de Afonso Vaz, onde o desfizeram cuidando ser baleia, de que se fizera muito proveito, se o fora, de ambre ou bálsamo, ou ao menos azeite, que se pudera fazer muito; mas, como era outro peixe seco, não se fez dele nenhum proveito, senão pouco mais de um quarto, por se gastar mais na lenha para o queimar, e fazer mais custo do que rendia e valia o azeite, que era melhor que o da baleia, e mais claro alumiava, sem cheiro mau nenhum, quando ardia, e também por ser a carne dele mui dura de cortar. Seria de noventa palmos de comprido, dezoito de largo, e outros dezoito de alto, de cor preta, cuja cabeça era de quinze palmos, tão grande como um batel de pescar, e o rabo de outro tanto; e tinha de comprido duas cintas, como de navio, e em lugar de guelras, ao redor de toda a cabeça, umas barbatanas como tábuas de forro, com uns cabelos, como sedas, nas pontas. Disseram alguns que nas Índias de Castela se chama peixe mulo; o qual parece que mataram os dois peixes espadas que com ele se viram andar pelejando, porque são grandes guerreiros e furiosos na peleja, de cujos golpes dizem que vinha aberto pela barriga. Foi muita gente a vê-lo, como coisa espantosa que era.
Também antigamente saiu à costa um peixe de feição de baleia, tão grande como meio baleato, que chamam boto.
Aos vinte e sete dias do mês de Março do ano de mil e quinhentos e cinquenta e nove, no termo da cidade da Ponta Delgada, a Pedralvres Benavides nasceu um bezerro macho, com um corpo e duas cabeças pegadas uma na outra, e cada uma tinha dois olhos e sua boca, com seu focinho perfeito; não tinha mais que duas orelhas, uma em cada cabeça, e em cada uma seu gorgomilho. Morrendo, logo foi aberto e dentro Ihe acharam dois buchos.
O primeiro dia do mês de Dezembro de mil e quinhentos e oitenta anos, uma porca ruiva, de ano e meio, do bacharel Gonçalo Aires Ferreira, mestre de gramática na vila da Ribeira Grande, pariu da segunda parição sete leitões, entre os quais nasceu um ruivo, como a mesma mãe, e trazia nas orelhas o sinal de que a mãe era assinada, sc., uma orelha forcada e outra levada da reigada até à ponta pela banda de diante, sem diferença nenhuma da mãe, que havia já um ano que era assinada.
No mês de Março do ano de mil e quinhentos e oitenta e um, entre o Nordeste e o Faial, na criação do licenciado Bartolomeu de Frias, nasceu já morto, de uma sua vaca, um bezerro com duas cabeças perfeitas cada uma.
Sobre o pico de el-Rei, na serra de Vila Franca do Campo, no mesmo ano, em quinta e sexta-feira de Endoenças, de duas vacas de António Pacheco nasceram dois bezerros cegos e logo morreram.
Uma galinha de uma Maria Manuel, vizinha de Vila Franca, Ihe pôs um ovo, dentro do qual achou outro tão grande, como de codorniz, com casca, clara e gema.
Na freguesia de Nossa Senhora do Rosairo, do lugar da Achadinha, em casa de Francisco Lopes, nasceu um leitão com dois corpos e uma cabeça.
A seis de Agosto de mil e quinhentos e oitenta e um, em casa de um Pero Nunes, morador em Vila Franca do Campo, nasceu um pintão com oito pernas com seus dedos, como outra qualquer ave; duas delas, onde as têm as outras aves, e as outras, mais atrás; andava com as duas e as mais levava a rasto.
Uma terça-feira, véspera de S. Mateus, vinte de Setembro de mil e quinhentos e oitenta e três anos, na vila da Ribeira Grande, entre outros, tirou uma galinha de André Lopes e de Margarida da Ponte, sua mulher, moradores na mesma vila, um pintão que em saindo da casca, batendo primeiro as asas, cantou três vezes dentro em casa onde estava, tão alto que o podiam ouvir fora, na rua.
Por monstro, contarei de um homem, vizinho da vila de Água do Pau, chamado Francisco Londrino , , ainda ao presente vivo, que amamenta a criança, enquanto sua mulher parida não tem leite depois de parir; o qual, indo ter ao lugar da Relva e achando uns homens trabalhadores comendo pão e alhos somente, Ihe disse se queriam comer um pouco de leite que Iho daria, e, respondendo-lhe eles que fosse ele comer do leite de quem o parira, tomou ele os seus úberes, que tem como mulher, e os borrifou com o leite deles e, deitando dele em um pedaço de pão, o comeu. Suspeitando eles por isto e dizendo se seria mulher, disse ele que sua barba e quatro fllhos que tinha diziam que era homem macho.
Um João Fernandes, morador na sua vinha, junto com o licenciado Bartolomeu de Frias, vivendo nas casas em que ora João Lourenço, barbeiro, na cidade vive, sendo térreas, matou um porco muito gordo e grande, o qual tinha atravessados os bofes com um ferro de lança e neles tão unido e pegado, que parecia parte da fressura, sem nunca saber quando foi ferido.