Vendo o ilustríssimo D. Rui Gonçalves da Câmara , conde de Vila Franca do Campo, como na batalha naval que os dois cossairos ingreses tiveram de noite com a nau dos biscainhos, lhe mataram alguma gente nobre dos mais esforçados da terra que foram em seu socorro, principalmente entre eles o esforçado capitão Luís Cardoso, de poucos dias chegado, por mandado de Sua Majestade, para residir nesta ilha, a quem ele, embarcando-se para socorro da nau biscainha, entregara seu caríssimo filho D. Gaspar da Câmara, que também quis que fosse servir a Sua Majestade naquele assalto, e por receio de virem outras naus ingresas sobre esta ilha mandou pedir a Sua Majestade quatro capitães destros na guerra do mar e da terra, para os ter aqui para qualquer recontro que se oferecesse, com outras munições de guerra que também pediu, o que tudo Sua Majestade lhe mandou logo com muita brevidade em duas caravelas, ainda que era então a força do inverno tanta, que na viagem estiveram debaixo do mar quase de todo sossobrados e perdidos. Chegaram ao porto da cidade da Ponta Delgada a oito dias de Novembro de mil e quinhentos e oitenta e cinco e ele os recebeu com muita cortesia e gasalhado, como eles mereciam, assim por serem enviados de Sua Majestade, e pedidos por ele, como pela qualidade e valor de suas pessoas, porque são quatro capitães portugueses valorosos, muito animosos, esforçados e experimentados na guerra do mar e da terra, como agora direi.
Um deles, chamado António de Oliveira, soldado velho do terço de Lombardia, virtuoso e temente a Deus, há vinte e cinco anos que é soldado. Achou-se no cerco de Malta, quando D. Garcia de Toledo a socorreu; depois passou a Frandes com o Duque de Alva, e se achou nas guerras do príncipe de Orange e seu irmão o conde Ludovico. E nestes tempos houve muitas vitórias em muitas rotas, encontros e escaramuças.
El-Rei D. Sebastião, querendo fazer alardos e exércitos nestes Regnos de Portugal, mandou vir de Itália e Frandes soldados portugueses que tivessem nome, para os fazer sargentos mores das comarcas. E o primeiro que veio a este Regno foi o dito António de Oliveira, que foi grandemente bem recebido de el-Rei. E logo o tomou por seu cavaleiro fidalgo e por capitão do número e mandou por sargento mor à comarca de Viseu, onde dez anos teve o dito cargo.
A primeira vez que el-Rei D. Sebastião passou a África, o mandou chamar a Viseu para a dita jornada e foi por capitão em uma escaramuça que com os alcaides do Xerife houve nos Pomares, fora das tranqueiras de Tânger, onde se sinalou entre todos; el-Rei o armou cavaleiro por sua mão.
Querendo-se el-Rei fazer prestes para a segunda jornada de África, o mandou chamar a Viseu e fez capitão da infantaria de uma companhia que fez dentro da cidade de Lisboa, e todos os alardos que se fizeram em Alvalade, um ano antes que el-Rei fosse a África, ele capitão os fez diante da pessoa de el-Rei, de quem teve muitos favores, e foi capitão do terço do coronel Diogo Lopes de Sequeira.
Pela muita confiança que el-Rei tinha dele, o mandou a Viseu e sua comarca fazer três mil homens para a dita jornada, e levou para isso todos os poderes do coronel Diogo Lopes de Sequeira.
Foi com el-Rei e, na batalha de Alcácere, pelejando como devia, muito ferido de muitas arcabuzadas, o cativaram, e foi levado a Fez, onde esteve cativo dois anos; resgatou-se à sua custa e custou o resgate mil cruzados.
Depois que veio do cativeiro, os governadores o mandaram a vila de Chaves por sargento mor, onde fez inteiramente o que devia; e vindo à corte a requerer pelos muitos serviços que tinha feito, el-Rei o despachou com o hábito de Cristo e logo o mandou a esta ilha de S. Miguel.
Martim Peres de Peralta há vinte anos que é soldado e esteve muitos em Frandes. Achouse no de Frisa e também no cerco de Mastrique, e foi alferes de Lourenço de Ávila. Veio a Portugal e foi por capitão de uma companhia de castelhanos, quando el-Rei D. Sebastião passou a África, a qual fez em Sevilha e em Granada para a dita jornada de África, e ficou todo um terço, no mar, de castelhanos, que não passou. E depois de roto el-Rei D. Sebastião, os mandou Sua Majestade por sua provisão embarcar nas galés do marquês de Santa Cruz, a estar em Tânger ou Arzila ou Ceita , onde mais necessidade houvesse, e estiveram embarcados com suas companhias um mês nas galés e foram três vezes a Tânger, sem poder chegar a ele com tormenta. Visto isto, desfizeram as companhias, porque o mandou el-Rei D. Henrique chamar, e vindo a Portugal, o despacharam por sargento mor da comarca da Guarda e capitão do número. Depois de morto el-Rei D. Henrique, foi por geral da dita comarca da Guarda D. João de Vasconcelos de Menezes, e mandaram os Governadores que fizesse uma companhia de soldados arcabuzeiros, que ali teve com paga, como soem levar os capitães de Sua Majestade em Itália, que é quarenta cruzados, e teve o castelo da cidade da Guarda a seu cargo. Depois de estar Sua Majestade alevantado por Rei de Portugal, veio o dito capitão a Lisboa, onde lhe deram o hábito de S. Tiago com quinze mil réis de tença, e cavaleiro fidalgo da casa de el-Rei Nosso Senhor. E estando aí o mandaram embarcar para esta ilha de S.
Miguel, para ser do conselho do conde de Vila Franca do Campo, sétimo Capitão dela.
El-Rei D. Henrique mandou ao capitão Francisco de Vila Lobos, natural de Ceita, a estas ilhas dos Açores, em companhia de D. Jorge de Menezes, por capitão da caravela S. João, e, indo destas ilhas depois do falecimento de el-Rei D. Henrique, o mandaram os Governadores por capitão mor ao Estreito na zabra Júlia, com outros dois navios da armada, debaixo da sua bandeira, com mais dezassete navios de mantimento para repartir pelos lugares de além, e dez mil cruzados em dinheiro, para deixar em Ceita dois mil e quinhentos, e em Tânger cinco mil, e em Arzila dois mil e quinhentos, que fazem a dita soma dos ditos dez mil cruzados. Dentro no seu navio levou muito encomendado o alcaide Abdelhorim, o qual entregou Arzila a el-Rei D. Sebastião, por onde o dito Rei entrou em Berbéria e se perdeu como se sabe. Este mouro é um grande cavaleiro e de muito entendimento, e como tal disse ao capitão Francisco de Vila Lobos algumas cousas, dando para isso muitas razões, que depois aconteceram como ele dizia. Foi filho de um grande alcaide que houve em Berbéria, chamado Hamu. Depois do dito capitão Francisco de Vila Lobos fazer a dita jornada, embarcando em Arzila mulheres e filhos deste mouro, se veio demandar a costa de Hespanha, que em poucos dias houve à mão, e se foi meter em um rio que divide Portugal e Castela, que se chama Guadiana, de uma parte do qual está um lugar de Portugal, chamado Crasto Marim, para onde se degradam malfeitores onde então estavam os Governadores; e da outra, outro lugar de Castela, que se chama Ayamonte, onde estava o duque de Medina.
Depois de chegado ali o capitão de Vila Lobos, teve de Badajoz uma carta de el-Rei em que lhe dava as graças dos serviços que lhe tinha feito e que se havia por bem servido dele, e que podia entregar os navios da armada a Martim Correia da Silva, governador do Regno do Algarve, e ir-se a ele, o que fez; e depois se foi a Badajoz onde achou el-Rei, o qual o mandou ao Porto, de Portugal, buscar parte do arreo que D. António trazia consigo e ali deixara quando foi a frota do Porto. E achando algumas peças, como foram alguns marcos de ouro e muitas pedras ricas, que tudo podia valer quinze até dezasseis mil cruzados, tornando, o mandou el-Rei a estas ilhas, em companhia de D. Lopo de Figueiroa, por capitão da caravela Santo António, o ano que D. Pedro Baldez perdeu a gente na Terceira.
Logo o ano seguinte, o mandou Sua Majestade embarcar no galeão S. Mateus, em companhia de D. Lopo de Figueiroa, o qual lhe entregou a artilharia em uma estância, que pelejasse com ela e, pelejando valorosamente, foi ferido e queimado no rosto e em outras partes de seu corpo, de que sarou com muitos remédios que lhe fizeram em Vila Franca do Campo, desta ilha de S. Miguel, onde primeiro saiu, e depois de curado, ainda apareceu na cidade da Ponta Delgada com o rosto todo abrasado. Logo o ano seguinte, o mandou o sereníssimo senhor Cardeal Alberto, que se embarcasse em companhia de D. Lopo no galeão S. Francisco, que foi o ano que entraram na Terceira, e depois de entrada e quieta à custa do trabalho de alguns bons soldados, o mandou o marquês de Santa Cruz ficasse por juiz da Vila da Praia da dita ilha Terceira, onde prendeu um frade da ordem de S. Bento, o qual fora capitão de uma das fortalezas da mesma ilha, e outro da ordem de S. Domingos, que ambos foram presos para o Regno; prendeu mais um grande capitão que servia em toda a ilha de mestre de campo, no tempo que estava oprimida, chamado António Trigueiro, o qual na dita ilha foi enforcado, tanto que o prendeu.
Estando assim servindo de juiz, o chamou João de Urbina, mestre de campo, e o licenciado Cristóvão Soares de Albergaria, corregedor, e o mandaram à ilha Graciosa aquietá-la e reduzila ao serviço de Sua Majestade, e a notificar a Manuel Correia de Melo e a Gomes Pacheco de Lima, fidalgos e dos mais aparentados daquela ilha, e ao licenciado João Gonçalves Correia e a Manuel Fernandes de Quadros e Antão Vaz de Ávila, para que viessem à ilha Terceira a parecer diante deles; e, não querendo, usasse de todo o poder para os prender. Chegado, se vieram eles apresentar a ele por suas virtudes, antes de serem notificados; prendeu-os em suas casas e tornou-lhes a largar a prisão, até sua embarcação. Trazia vara branca levantada e com seu meirinho diante; obedeciam-lhe todos os da terra, assim justiças, como os mais; mandou alevantar forca e abaixar; prendeu homens e soltou por erguerem voz por D. António ; e, depois da terra reduzida ao serviço de Sua Majestade, sem apelação nem agravo, tirou capitães e juízes e fez outros; mandou consertar e alimpar uns paúis de água que estão no meio da vila, de que se serve todo aquele povo, por haver muitos anos que não eram limpos e não tinham já água, que era grande falta na vila; mandou concertar a rocha do Quitadouro, que é o caminho que vai da vila da Cruz para a vila da Praia, a qual rocha estava para cair, que é toda a serventia daquelas vilas; finalmente, deixou a terra mui quieta e pacífica, tirando alguns homens dos cargos que tinham e pondo outros melhores, por onde ficou tudo muito quieto. Tornado e ido ao Regno, a petição do conde D. Rui Gonçalves da Câmara, o mandou Sua Majestade a esta ilha de S. Miguel para sua companhia.
O capitão Vasco Giraldo é natural da vila de Ourique, filho de Pedro Afonso Giraldo. Sendo de idade de dezoito anos, se achou na guerra de Granada em muitos assaltos, emboscadas, encamisadas e escoltas, todas de muito perigo. Daí se passou no terço de D. Lopo de Figueiroa às partes de Itália, onde esteve doze anos, e se achou na batalha naval do senhor D. João de Áustria, sendo soldado neste tempo, donde saiu ferido de duas frechadas; logo o segundo ano, no de Navarrim, onde se achou o senhor D. João de Áustria; o terceiro, na tomada de Tunis; o quarto, em quatro galés de socorro para entrar dentro na Goleta, o que não houve efeito por estar já tomada dos turcos. Passou-se à Alemanha o ano de setenta e cinco, onde serviu o Imperador Maximiliano, tenente de uma companhia de cavalos em Viena, donde o doutor António Pinto de Roma, que estava por embaixador em Alemanha, o fez vir, a chamado de el-Rei D. Sebastião, para a jornada de África, onde se achou no terço de Vasco da Silveira, coronel de um terço, ajudante de sargento mor. Lá o cativaram e lhe deu um pelouro na boca que lhe levou sete dentes e partiu a língua pelo meio e enguliu o pelouro. Esteve cativo dois anos. Resgatou-se à sua custa por dois mil cruzados. Estando neste cativeiro, por sua ordem mandou muitos cativos a terra de cristãos com muito segredo. Depois de tudo isto, vindo do cativeiro, o mandou Sua Majestade a estas ilhas por capitão de um galeão da armada, em que vinha por capitão mor João Saldanha, e, o ano de mil e quinhentos e oitenta e seis, depois de todos estes trabalhos, afora outros muitos sucessos, encontros e tomadas de galeotas e bergantins no mar, o mandou a esta ilha de S. Miguel, a ele e aos outros três capitães acima ditos, a petição do conde de Vila Franca, D. Rui Gonçalves da Câmara, sétimo Capitão desta ilha de S. Miguel, para servirem nas cousas da guerra, pela suspeita de virem ingreses a esta terra. Tem cada um cento e vinte mil réis de ordenado cada ano, afora a tença de seus hábitos, que têm da Ordem de Cristo e Santiago, e outras cousas, e a comenda da Ponte de Sor, do capitão Francisco de Vila Lobos, que com o hábito lhe rende cada ano cento e vinte mil reis.

No ano de oitenta e sete, foram repartidos estes valorosos capitães por ordem do conde D. Rui Gonçalves da Câmara, por quatro vilas mais principais da ilha: o capitão Vasco Giraldo, em Vila Franca; o capitão Francisco de Vila Lobos, em Água do Pau; o capitão António de Oliveira, na Alagoa; e o capitão Martim Peres de Peralta, na Ribeira Grande; para animar e adestrar a gente nas cousas de guerra, como fizeram com tanto cuidado, que quase todos os que tinham a cargo se fizeram, de bisonhos, feitos soldados, velhos .