Afirma-se, por muitos que o viram acontecer, um milagre, haverá doze ou treze anos, na fonte da Praia de Nossa Senhora dos Remédios, nesta ilha de Santa Maria, dando a Senhora remédio e saúde a um moleiro, chamado Pedro Afonso, morador em Valverde, que era muito enfermo e estava em cama havia três anos, o qual, tendo grande desejo e devação (sic) de beber naquela fonte de Nossa Senhora, por ele não poder ir a ela, trazendo-lhe da água que bebesse, não se satisfazia de a beber senão na mesma fonte, com os quais desejos, vindo um dia de São João, que se festejava na dita ermida de Nossa Senhora, onde está uma imagem do Santo, de vulto, tanto porfiou que o levassem a ela, até que lhe satisfizeram seus desejos, ainda que com trabalho seu e dos que o levavam o caminho de sua casa até lá, perto de uma légua, trabalhoso de ladeiras e grandes subidas. Chegado à ermida e fazendo sua oração, se encomendou tanto a Deus e a Nossa Senhora, pedindo-lhe saúde, que, levando-o à fonte e bebendo nela muita água, começou a arrevessar e lançou pela boca um bicho da feição de eiró, maior que um palmo, e logo ficou desalivado , indo por seus pés dar graças à Senhora, e tornando-se, da mesma maneira, são para sua casa, onde havia três anos que se não podia ter neles.
Uns mordomos de Nossa Senhora da Purificação, da serra, achando-se sem cera, foram à Vila pedir certos círios e tochas para lhe solenizar a festa, os quais arderam às vésperas e à missa, e, quando veio ao pesar da cera para se pagar à confraria, acharam que nenhuma coisa faltava.
Um João Vaz Melão, que se chamava das Virtudes, pela com que curava, natural de Viseu, donde veio à ilha logo no princípio, depois de ser achada, e curava nela por virtude que dizem ser-lhe dada de Deus, por um modo, não sei se autêntico, de que se conta uma larga história que, por brevidade, não digo; onde tinha muita fazenda e uma grande casa que lhe não servia mais que dos enfermos que de muitas partes o buscavam, os quais ele curava, por amor de Deus, só com ervas e azeite, sem mais outra mezinha. E afirma-se que, faltando uma vez o azeite em toda a ilha e querendo ele curar uns doentes que de outras ilhas lá foram, mandou a uma sua neta que lhe trouxesse um pouco dele, afirmando-lhe a moça que não o havia em casa, por ter visto dantes a jarra dele vazia; porfiando o velho algumas vezes que a trouxesse, que azeite tinha, e a neta replicando outras tantas que tal não havia, lhe tornou ele a dizer: “Ora vai com a graça de Deus que a jarra tem azeite e não sejas desconfiada”. E a moça, tomando a jarra na mão, a achou cheia de azeite, não tendo dantes gota dele. Este homem curava de graça e nunca lhe pareceu ferida dificultosa, por grande que fosse, dizendo que não era nada, com a ajuda de Deus, com a qual nenhum lhe faleceu nas mãos. E seus filhos e netos e bisnetos, todos têm esta virtude de curar, principalmente, feridas, torceduras, quebraduras de pernas, que parece cousa milagrosa.
Também se conta, por verdade, que, faltando a carne em um vodo do Espírito Santo, que na ilha se fazia para a gente necessitada, que de fora chegara com fome, vendo-o ele, mandara do seu gado trazer certos carneiros, os quais se mataram e comeram, e ao outro dia os acharam com as mesmas ovelhas; e dizem que tinham os sinais nas gargantas por onde os degolaram, o que é mui nomeado e afirmado antre todos os moradores da ilha.
Pela fama que corria das curas que fazia este João Vaz das Virtudes, se diz que, achandose ele no Reino, foi chamado para curar ou a el-Rei D. Manuel ou à Rainha, e, tendo a cura bom sucesso, lho agradeceu Sua Alteza, dizendo-lhe que pedisse mercê. O qual pediu que lhe desse as cabeçadas das suas terras, que tinha na dita ilha, que podiam ser como vinte moios de terra, que naquele tempo estavam devolutas, sem se aproveitar e por dar todas as que na ilha havia para a banda da serra; e não davam naquele tempo (que podia ser na era de mil e quinhentos anos) dois mil réis por um moio de terra. O bom velho não quis pedir senão as cabeçadas das suas terras, e não todas as da ilha, que não lhe foram negadas, se as pedira; e partira com muitos e honrados filhos que tinha, que tudo era pouco para o que el-Rei lhe dera, mas mais quis ser notado de temperado que de muito cobiçoso.
Depois deste tempo se venderam na ilha muitos moios de terras de comedia de gado, e alguma servia para semear, a quinhentos réis o moio.
A natureza do massapez é tão forte, que no verão abre tanto para o centro, que cabe uma lança pela fenda da terra, e a boca, quando muito, pode o mais ser de meio palmo de largo, e, se chove, sarra-se aquela fenda por cima e por baixo fica aberta. E no ano de 1561 ou 62, sucedeu semearem-se algumas serôdias e, não lhe chovendo todo o verão, esteve o trigo na terra por nascer, pela seca que havia, por espaço de seis meses, e no fim deste tempo nasceu e deu depois perfeito fruto.
No tempo do terramoto de Vila Franca e no segundo desta ilha de São Miguel (como em seu lugar direi) e todas as mais vezes que ela treme, com grandes tremores, treme também a ilha de Santa Maria, mas não da maneira que esta, com tão grandes abalos, senão muito menos; e deve ser a razão por estar fundada em rocha. E dia de Nossa Senhora da Esperança da era de 1577 tremeu a terra, e muitas pessoas a sentiram tremer duas horas depois da meianoite, e, na primeira passagem que de cá foi, souberam que também esta ilha de São Miguel na mesma noite e hora tremera muito por espaço em que se podia rezar o Credo uma vez.
No mês de Março de 1577 achou um pescador, na costa, um peixe, não muito grande, que tinha cornos e orelhas e penugem, coisa mui feia, e por ser homem pouco curioso o tornou a deitar no mar; e, no mesmo tempo e com a mesma tormenta, saiu à costa um cavalinho de grandura de um dedo, que vê-lo não havia mais que pintar; mas destes cria o mar muitos, que vão sair em muitas partes de outras terras.
Lobos marinhos há muitos e grandes pela costa, e algumas vezes os tomam nas furnas, onde saem a dormir, por causa dos quais não tomam na ilha lagostas em côvãos (porque eles os quebram), havendo nela muitas delas e lagostins, que, somente, tomam de mergulho e de fisga.
No ano de mil e quinhentos e setenta e quatro acharam os pescadores uma baleia morta onde se chama o Mar de Ambrósio, e, por ser longe e estar um só batel, a não levaram a terra, inteira, senão muitas postas dela, de que fizeram muito azeite.
No ano seguinte de 1575, a derradeira oitava de Páscoa, apareceu outra, junto da Vila, e três ou quatro batéis, que foram a ela, a levaram à costa, junto de Nossa Senhora da Concepção, da qual se fez muito proveito e tiraram ambre (sic), que lá foi buscar desta ilha o feitor de el-Rei, Jorge Dias. Dizem que aproveitou, mas os pobres nada dele gozaram.
No mesmo ano, em meio de Junho, apareceu outra da banda de Sant’Ana, a qual tiraram em terra no porto de Nossa Senhora dos Anjos, de que se fizeram dez ou doze pipas de azeite.
Daí a poucos dias, acharam outra da mesma banda de Sant’Ana, mas porque já andavam os homens enfadados, e ser tempo de aceifa, não curaram dela, até que desapareceu de todo.
Os anos passados, foi achado em Sant’Ana um grande pedaço, que parecia tábua de uma coisa como cevo e da mesma sua cor, que ardia mui bem, e diziam que também aproveitava para frialdade, sem se acabar de determinar o que seria. E muitos há que em São Lourenço saiu um baleato pequeno, afora outros que não lembram.
Em casa de Sebastião Afonso, morador na freguesia da Vila, nasceu um bezerro que tinha pés de cavalo, e o que anda para diante estava para trás, e ventas também de cavalo, e durou pouco.
Afonso Anes, de Santa Bárbara, teve um boi com dois membros naturais de macho e fêmea.
A Manuel Pires, morador na Vila, lhe nasceu um cordeiro perfeito, e em lugar de cabeça tinha uma bexiga de água.
Na era de 1572 anos, pouco mais ou menos, nasceu um menino sem sesso, filho de João da Fonte, o qual baptizou o padre José Gonçalves, e viveu somente quatro ou cinco dias.
Outra mulher, de um João Anes, pariu uma criança morta, que não tinha mais que a metade do corpo, que era só de uma banda uma perna muito comprida, contra natural, monstruosa, e um braço da mesma maneira.
Aos vinte e dois dias do mês de Março da era de mil e quinhentos e setenta e oito, Leonor Fernandes, mulher de Manuel Fernandes Milhandos, pariu um monstro morto, que seria da compridão de um palmo de carne humana, a cabeça e olhos, pés, mãos, unhas e rabo de gato com um braço e cabelos; e, antes que morresse, no ventre, comia de maneira que não se fartava, e, depois de morto, deitou de si a urina, e tinha a mãe grandíssimas dores, o que tudo ela contava depois desta maneira, e o viram suas vizinhas Maria Lopes e Petronilha Lopes e outras, que junto dela moravam.
Afonso Carvalho teve dois filhos e uma filha, todos mudos; dizem que sua mulher, quando era moça, não sendo muito obediente a sua mãe, que algumas vezes a chamava e não lhe respondia, pelo que fora dela maldiçoada, dizendo-lhe: “ainda tu tenhas filhos que te queiram responder e não possam”. E a mesma mãe destes mudos contava isto, vendo os filhos e cumprida neles a maldição da mãe dela e avó deles. O que devia ser aviso para pais e mães mal atentados e desbocados, que cuidam que, sem freio nem consideração, podem rogar aos filhos a praga que lhe vem à boca, a qual depois vendo neles é mágoa de seu coração, além de ser, quando lha rogam, nódoa na consciência e mácula de sua alma.
Em casa do Capitão Pedro Soares de Sousa andava uma porca prenhe, a qual lhe pariu um leitão no mês de Abril; criado o leitão até um mês, o comeram, e meteram a mãe em um chiqueiro para, depois de gorda, lhe fazerem outro tanto, e, matando-a no mês de Setembro, acharam-lhe no ventre outro bácoro morto, com cabelos muito grandes, os olhos esbugalhados e uns dentes como de cachaço.