Depois de achada a ilha de São Miguel, tornando para o Regno seus descobridores, foram pelo mar, enquanto a não perdiam de vista, para trás atentando e notando sua figura, e viram que em cada ponta de sua compridão tinha um mui alto pico, que, assim como eram os dois extremos dela, assim eram também extremados na grandura, e em grande quantidade e altura sobrepujavam a todos os mais montes que pelo meio havia; e demarcando-a por eles o piloto, para depois a poder melhor reconhecer, sendo chegados a Sagres e havendo o infante feito mercê da capitania dela a Frei Gonçalo Velho, juntamente com a da ilha de Santa Maria, tornou logo a mandar, ou o mesmo Frei Gonçalo Velho e o piloto, ou o piloto só, sem ele, com outra companhia, a deitar gado e aves e outras coisas necessárias e provar a ventura de sua fertilidade também, com sementes de trigo e legumes, com que partiram de Sagres. E navegando com próspera viagem, vindo à vista da ilha, vendo-a o piloto, a desconheceu por lhe ver um só pico da parte do oriente e não ver o outro da banda do ponente, com que à ida a demarcara; porque neste meio tempo, enquanto eles foram ao Regno e tornaram, aconteceu que se alevantou o fogo, a primeira vez sabida nesta terra, e ardeu aquele alto pico para a banda do noroeste nesta ilha, junto da ponta dos Mosteiros; onde agora se chamam as Sete Cidades às cavidades dele, das quais depois particularmente contarei. E dizem que o mesmo piloto e os do navio viram no mar muita pedra pomes e troncos de árvores que dali saíram, sem entender a causa disso. Mas, ainda que então e depois foram achados os sinais e efeitos deste fogo, que fez arrebentar e abaixar aquele pico, não foi visto, por não ser povoada a ilha no tempo que ele arrebentou. Do qual dizia Pedro Gonçalves Delgado e Duarte Vaz, seu irmão, antigos e parentes dos primeiros habitadores, que eles tinham ouvido a seu pai que o piloto e os primeiros que vieram a povoar esta ilha desconheceram a terra, por não verem já o pico por onde a tinham demarcada, por causa do fogo que, sem eles o saberem, tinha dantes arrebentado, sumido e espalhado aquele grande pico. Contudo, saíram em terra na Povoação, em que a primeira vez haviam desembarcado, onde se certificaram ser aquela a mesma ilha que dantes tinham demarcada. E ali foi o primeiro assento, que nesta ilha se fez de povoação de gente, que desembarcou nela por dia da dedicação do arcanjo S. Miguel, a vinte nove de Setembro do mesmo ano. E povoando ali primeiro, e depois em outras partes, se chamou aquele lugar pelo tempo adiante, em respeito das outras povoações, a Povoação Velha. O que foi grande dom de Deus e especial mercê feita a esta ilha aparecer e achar-se no dia do aparecimento de S. Miguel e tornar-se a achar e povoar no dia de sua dedicação, por se dedicar toda a este Santo Arcanjo, Príncipe da Igreja, e tê-lo por seu Príncipe e Padroeiro, pois é sua, chamando-se, de seu nome, de S. Miguel; onde morando os descobridores em suas cafuas de palha e feno, ouviam quase por espaço de um ano tamanho arroído, bramidos e roncos, que a terra dava com grandes tremores, ainda procedido da subversão e fogo do pico que se sumira dantes, que estando todos pasmados e medrosos, sobstentando a vida com muito trabalho, assentaram de se tornar para o Regno, mas por falta de embarcação o não fizeram, por ser já tornado o navio em que haviam vindo. E porque neste princípio há vários pareceres e contam diversas coisas, di-los-ei aqui todos, para que cada um tome e escolha deles o que mais lhe quadrar e parecer mais verdadeiro.
Uns dizem que os primeiros habitadores que neste navio vieram e desembarcaram nesta ilha foram Jorge Velho e sua mulher Africãnes, Pero de Sam Miguel e sua mulher Aldonça Roiz, João de Rodes e João de Arraiolos, que outros dizem de Araújo, todos naturais de África, criados do infante D. Henrique, por quem ele mandava fazer experiências da terra, os quais se diz que foram os que fizeram primeiramente justiça na ilha, e enforcaram um homem na dita Povoação em uma árvore e, depois de morto, lhe tiraram a inquirição das culpas, como dizem que se faz às vezes em Castela, e, porque alegava defesa, responderam: — “julgar-te, enforcar-te e depois tirar-te inquiriçone”.
E de tal doctrina não podia deixar de ficar em bom foro a terra, porque, se a seguira, enforcando logo os malfeitores e ladrões que acham com o furto nas mãos, não andariam agora muitos nela a furtar-lhe o fato, sem haver um castigo. Parece que, como toda a coisa violenta não é perpétua, foi tão violenta neste princípio, nesta terra, a justiça, que não pôde nela durar muito. Outros contam que logo depois de achada esta ilha de S. Miguel e antes de ser habitada, sendo já povoada a ilha de Santa Maria havia alguns anos, se afeiçoou nela um homem com uma mulher casada e lhe matou o marido; pelo que se pôs a monte com a mulher e deu conta disso a um seu amigo, pedindo-lhe favor e ajuda para escapar das mãos da justiça e concedendo-lho o amigo, ordenou de tomar uma noite um barco, como tomou, em o qual embarcando ambos e a mulher com eles, e partindo para esta ilha de S. Miguel, que de lá viam, ou tinham ouvido que se via, tomaram a Povoação, que é o mais perto e direito caminho que tinham. Não se tardou muito tempo que o infante D. Henrique mandou gente para povoarem a ilha, a qual veio surgir no mesmo porto da Povoação, onde acharam rasto e sinal de gente na areia e na terra, de que se muito maravilharam; mas eles não apareciam senão a fazer-lhes alguns saltos no fato e mantimentos que tinham, não ousando aparecer pelo mal que era feito; porque dizem que este amigo deste homem, que trouxera a mulher, se namorou dela, e, sentido pelo outro, o matou, de maneira que por amor dela matou dois homens; e, pelas ofensas e saltos que ele fazia, lhe armaram laços e buscaram todos os meios que puderam inventar para o tomar, como tomaram. Outros dizem que a mulher, enfadada de andar com ele nestes trabalhos em terra erma, o deixou e se veio para a gente, ou que foram ambos tomados, sem se saber a certeza, mas dizem que ela descobriu todo o caso como passava, pelo que o enforcaram sem mais processo de justiça.
Outros dizem que dez ou doze homens casados vieram com suas mulheres e filhos e fizeram assento na Povoação Velha. E porque vinha em sua companhia um homem solteiro, que não queria ir trabalhar nem montear com eles, mas ficava sempre nas pousadas, que eram cabanas de palha, ou feno, ou rama, temendo-se dele por ficar só com suas mulheres, ordenaram entre todos buscar modo com que o punissem, para se verem livres do arreceio que dele tinham, e fizeram entre si juiz, escrivão e alcaide, e dizendo que ele lhe fazia adultério, foi sentenciado que o enforcassem, como logo foi enforcado em uma árvore, pelo que o infante D. Pedro, Regente então do Regno, os mandava ir emprazados para os castigar, se não foram os infantes, e principalmente o Infante D. Henrique, que, por povoar esta sua terra, falou ao Infante D. Pedro, seu irmão, que lhe perdoasse e alcançou dele perdão para eles.
Outros contam que, alguns anos depois da ilha de Santa Maria ser povoada, se namorou um mancebo de uma moça, filha de um homem principal da terra, e como ambos não pudessem gozar de seus amores, como desejavam, determinou o mancebo de a furtar e levá-la fora da ilha, para o que descobriu seu intento a um amigo seu, por cujo conselho tirou a moça de casa de seu pai e com ela se vieram em um pequeno barco a esta ilha, que então não era povoada, posto que havia dias que era descoberta, e se via muitas vezes da ilha de Santa Maria; pelo que parece que vieram estes namorados, enquanto o navio, que a descobriu, era tornado ao Reino, ou depois de ter já o infante mandado lançar muito gado nesta ilha, a cuja costa, chegado o mancebo com sua amiga em aquela pequena embarcação, foram desembarcar em um porto, que agora se chama a Povoação Velha e, metendo-se pela ilha dentro, fizeram antre o espesso arvoredo umas pequenas choupanas em que viviam.
Passados alguns meses, vieram o mancebo e o companheiro a pelejar sobre a moça, em tanto que um matou ao outro. E neste tempo chegou ao mesmo porto um navio do Regno, com gente que mandava o infante para povoar a ilha; os quais, vendo a planura da terra e uma grande e formosa ribeira, que neste porto entra no mar, fizeram ao longo dela casas cobertas de palha, que na primeira noite foram logo queimadas pelo homem que nela andava, por cuja causa e por outras suspeitas e receios que dele tinham os novos povoadores, o prenderam em um cepo que lhe armaram e o enforcaram em uma de muitas árvores que ali havia. E considerando depois que tinham nisso mal feito, assentaram de fazer dele autos e tirar devassa, em que todos testemunharam; e, depois de tirada, saíram com um despacho sem apelação, como dizem que fez João do Monte a Belchior Martins, na Alagoa.
Dizem que estes mesmos desta primeira povoação foram os primeiros que nesta ilha semearam trigo, e os campos em que foi semeado eram tão abundantes e fértiles, que o trigo não dava espiga, mas fazia uma cana grossa, coberta de grandes e largas folhas, como dizem acontecer no Brasil, o que vendo eles, escreveram ao infante que a terra não era para povoar, pois não dava trigo, e era muito estreita, com somente um lombo de serrania, e lhes desse licença para se irem, posto que dava em muita abundância muitos legumes, como chícharos, lentilhas, favas e ervilhas, e o gado multiplicava em grande maneira, porque, do pouco que Sua Alteza mandara lançar na ilha, estava quase toda povoada. Ao que respondeu o infante que abastava dar os legumes que diziam e multiplicar tanta cópia de gado, como afirmavam, para se povoar, quanto mais, se naquela parte não dava trigo pela fertilidade do lugar, que o daria em outra; a qual razão se mostrou dali a poucos anos ser verdadeira, porque, discorrendo estes novos povoadores pela costa desta mesma ilha em um batel, vieram ter a uma pequena praia que tinha ao mar um ilhéu defronte, não muito apartado dela, onde desembarcaram. E olhando bem a terra, em um largo e espaçoso campo que tem, determinaram de o cultivar, como cultivaram, semeando nele trigo que rendia tanto, que lhe pôs espanto. E a uma vila, que, primeiramente, depois se edificou neste mesmo campo, puseram nome Vila Franca do Campo, por ser nele edificada. De maneira que o homem que veio da ilha de Santa Maria foi o primeiro povoador desta ilha e o primeiro que edificou casa nela, e os que depois vieram foram os segundos povoadores, com os quais ficou a mulher, que veio furtada da ilha de Santa Maria, ou fosse solteira ou casada. E posto que a Povoação, que agora chamam Velha, não desse trigo naqueles primeiros anos que o semearam, depois o deu em grande abundância e o melhor da ilha, como são todas as coisas que a terra naquela parte dá e frutifica, mais avantajadas em bondade e melhores de toda ela.
Outros afirmam que depois de descoberta esta ilha de S. Miguel e deitado gado nela , veio um Gonçalo Vaz, o Grande, que depois foi ouvidor do Capitão, nesta ilha, a povoá-la por mandado do infante, de cuja casa era, e achou estes carneiros juntos, descobrindo a costa. E dizem que este Gonçalo Vaz foi o primeiro que fez a Povoação Velha; e vinham em sua companhia Afonso Anes do Penedo e Rodrigo Afonso, Afonso Anes o Colombreiro, Vasco Pereira, João Afonso d’Abelheira, Pedro Afonso, João Pires, Gonçalo de Teves, almoxarife, e Pero Cordeiro, seu irmão, escrivão do almoxarifado e tabelião público em todas estas ilhas dos Açores, achadas e por achar , e os naturais de África, que já disse, e outros a que não soube o nome, todos gente nobre da casa do infante D. Henrique. E desembarcando em terra, além da ribeira da Povoação, que vai da banda do oriente, junto donde agora está uma ermida de Santa Bárbara, e apartando-se as mulheres por antre o feno, que ali havia muito comprido, a mulher de Gonçalo Vaz, o Grande, com grande sobressalto e medo que houve, achou antre ele um homem morto, e gritando e chamando o marido e mais companhia, acudiram logo todos e pasmaram de ver homem morto em terra erma; e, postos em confusão, deitavam diversos juízos, cuidando e temendo que houvesse algum gentio nesta ilha, pela qual razão se vigiavam, até que veio o homem que o matou ter com eles e descobriu a verdade, e eles, havendo dó dele, o deixaram andar em sua companhia, sem lhe fazer algum mal; mas a mulher, sua amiga, não ousando aparecer de vergonhosa, se foi por um escalvado até uma ribeira da banda norte, onde depois a foram achar uns homens, que pelo mesmo caminho a buscaram, e achando-a muito disforme, negra e descorada, por lhe faltarem os mantimentos, e não comer senão alguma fruta da serra, que chamam romania, e por outro nome uvas de serra, de que em toda a parte desta ilha há muita quantidade, e lapas, junto do mar, ou algum outro marisco, à ribeira lhe puseram nome a ribeira da Mulher, como hoje em dia se chama. E o homem homicida, indo eles a montear dentro, pelo mato, roubava-lhes as cafuas de palha e feno, que tinham feitas, queimando-lhes algumas e furtando-lhes coisas de comer e algum fato, sem o poderem depois haver à mão, porque se escondia e embrenhava naquele espesso e alto mato, que toda a terra cobria; pelo que, usando de manha, se embarcaram em um batel e indo ao longo da costa, como que a iam descobrir, deixaram suas espias na terra, o que vendo o matador se foi às cafuas, onde o tomaram as espias, e, por não haver cadeia onde o ter preso, consultaram todos juntos antre si que pela inquietação que lhe dava e os furtos que fazia, e pela morte do homem que matara, o enforcassem e assim o fizeram, porque o enforcaram logo, sem mais forma nem figura de juízo, em um zimbro, que estava ali grande em uma quebrada de terra, como baixa rocha, junto de outra ribeira mais pequena, que está para o ocidente, antre a qual e outra grande está a Povoação Velha, ainda que alguns dizem que foi a forca uma faia. E os mouriscos de África, que o Infante de sua casa mandara em companhia de Gonçalo Vaz, o Grande, que também era de casa do Infante, e por seu mandado vieram povoar esta ilha, diziam naquele auto da justiça: — “forcarte, forcarte e depois tirarte inquiriçone”. E assim foi a obra, como eles, diziam, por palavra, que, depois de enforcado o paciente, fizeram autos de suas culpas e os mandaram ao Infante, que houve por bem feito e aprovou sua morte. E alguns querem dizer que estranhou o Regente este feito e os mandava ir presos, mas por rogos do Infante D. Henrique, seu irmão, lhe perdoou, por lhe dizer que tinha necessidade deles para povoarem a ilha, além de fazerem justiça no que fizeram, ainda que não guardaram a ordem que se nela devera ter. Outros contam isso por outro modo , dizendo que veio Gonçalo Vaz, o Grande, por mandado do infante povoar esta ilha de S. Miguel, e saindo alguns na Povoação em terra, com suas mulheres, acharam entre o feno um homem morto, e como o acharam, temeram e tornaram-se a recolher aos navios. Ao outro dia tornaram a desembarcar com suas armas, a descobrir a terra e saber se era povoada de gente, e de que gentio seria, com a qual determinação, correndo todas as veredas e lugares, por onde lhes parecia que se podia servir a gente, havendo-a na terra, não acharam mais que três rastos, dois grandes e um pequeno, que eram dos dois homens e da mulher; e assim estiveram três ou quatro dias suspensos, sem verem pessoa alguma, mas, contudo, se vigiavam sempre e dormiam nos navios; e a cabo de quatro dias lhe saiu a eles um homem, que, tomado e posto a tormento, confessou que aquele homem que ali estava morto, ele o matara por gozar de sua amiga, que o mesmo morto trouxera da ilha de Santa Maria, em cuja companhia ele viera; e acabando de fazer esta confissão, Gonçalo Vaz, o Grande, o mandou enforcar em uma árvore de ginja, que ali estava. E mandou depois vir o marido da mulher da ilha de Santa Maria, que está dezassete léguas desta de S. Miguel, de porto a porto, e lha entregou, reconciliando-a com ele e fazendo-os amigos.
Contam mais que semeara Gonçalo Vaz, o Grande, e os que com ele vieram o primeiro ano, trigo na Povoação Velha e deu-lhe bom trigo e muito; e semeando o segundo ano no mesmo lugar, por Nosso Senhor não ser servido de habitarem ali, lhe não deu senão joio e aveia. E daí, indo correndo a costa para o ponente, foram dar no ilhéu de Vila Franca, e, ali, defronte, saíram em terra e habitaram, a qual, semeando e cultivando, lhe respondeu com muitas e abundantes novidades. E de Vila Franca vinham correndo a costa em barcos, e saindo na Ponta Delgada, cinco léguas de Vila Franca, na ponta de Santa Clara, iam a montear, e, entrando pela terra dentro um tiro de besta, e tiro e meio, sem poder mais entrar nela, pelo mato ser muito maninho e espesso, estavam dois dias e três, em que carregavam de porcos monteses, com que se tornavam para suas casas bem providos.
Desta maneira contam diversos coisas diversas, mas os mais dizem que houve duas povoações, e na primeira vieram os naturais de África, já nomeados, logo quando o infante mandou deitar gado nesta ilha, não tanto para a povoar, como para experimentar a terra, como está dito; os quais dizem ser lá cavaleiros, que lá chamam fidalgos, que trouxera o infante D. Henrique de África, quando lá passara, e um deles, de que ele mais confiava, fez regente dos outros, dando-lhe poder que os governasse e estivessem todos à sua obediência. E achando-se este homem, atrás dito, de que se suspeitava mal, perguntou o regente mourisco aos outros que pena merecia quem fazia adultério. E disseram-lhe que El-Rei mandava dar morte de forca, o qual ele ouvindo, o mandou enforcar sem mais autos, nem inquirições, nem cerimónias. E na segunda povoação veio Gonçalo Vaz, o Grande, homem muito honrado e principal dos da casa do infante D. Henrique, e os mais, já ditos, em sua companhia, também homens principais e honrados, deles de casa do infante , e outros naturais do Algarve, que o dito infante mandaria para povoarem esta ilha. E deles e dos outros que primeiro vieram se começou a fazer a povoação dela, que depois se multiplicou e estendeu por ela com nobre geração, afora outros homens, também fidalgos e honrados, que, depois, de outras partes a ela vieram, uns solteiros e outros casados, com seus filhos e filhas, como adiante direi. E parece que este Gonçalo Vaz, o Grande, com seus companheiros já ditos, veio na era de mil e quatrocentos e quarenta e nove anos, pelo que, no capítulo primeiro do Livro Segundo da Primeira Década da sua “Ásia”, diz o docto , e curioso João de Barros que em algumas lembranças do Tombo e livros da Fazenda de el-Rei D. Afonso, o quinto do nome, somente achou que no ano de mil e quatrocentos e quarenta e nove deu el-Rei licença ao infante D. Henrique que pudesse mandar povoar as ilhas dos Açores, as quais já naquele tempo eram descobertas e nelas lançado algum gado, por mandado do mesmo infante, por um Gonçalo Velho, comendador de Almourol, junto da vila de Tancos; ou, se não veio Gonçalo Vaz neste ano, em que el-Rei D. Afonso deu esta licença, que foi o primeiro de seu reinado, sendo ele de dezassete anos, depois de sair da tutoria e tomar posse do governo dele, vieram logo no seguinte, ou não tardou muito, porque para isso se dava licença, para logo se pôr em efeito a povoação delas, de que o infante D. Henrique era muito curioso e cuidadoso, por gozar mais cedo do fruto dos trabalhos de seu descobrimento.