Indo deste lugar, pela banda do Norte e Nordeste, a Leste, até Castelete, onde comecei, que haverá três léguas de costa, pouco mais ou menos, passadas as Lagoinhas, em uma grande baía, que se chama dos Landeiros, está logo uma fajã, que também se chama, do seu nome, das Lagoinhas, de pouco mais de três moios de terra, que foi de João Tomé, acima dito, e agora é do mosteiro de Santo André das freiras de Vila Franca, desta ilha de São Miguel, que herdou por falecimento de uma sua filha, que nele tinha freira professa; e logo está a ribeira dos Landeiros, que parte com ela e corre sempre com muita água, por se virem meter nela outras três que descem da serra, a ribeira Funda, e outra de Belchior Martins, e outra do Poldro. Chama-se ribeira dos Landeiros, porque as terras nesta parte foram de uns homens assim chamados, com uma fajã que foi de Estêvão Anes Landeiro, que será de um moio. E outras fajãs estão aqui nesta costa, onde agora se começam a prantar vinhas, as quais foram do Minhoto e João d’Arruda, seu genro, filho de Pero da Costa, da Vila Franca, desta ilha de São Miguel, as vendeu a Belchior Homem, e agora são de um Manuel Curvelo.
Está logo pegado com esta fajã uma ribeira de boa água, que se chama de Santa Bárbara, por vir por junto da igreja desta Santa, que é freguesia de quarenta fogos e cento e dez almas de confissão, pouco mais ou menos; onde foi o primeiro cura Bartolomeu Luís, natural desta ilha de São Miguel, o qual não confirmou a igreja, porque quis antes um benefício na Vila. E Amador Fernandes, natural desta mesma ilha, foi o primeiro vigário confirmado; o segundo, José Gonçalves, o qual a renunciou; e ao presente é vigário Manuel Fernandes, natural da dita ilha de Santa Maria; em a qual freguesia mora gente muito honrada. E nas rochas, antre estas ribeiras, há muitas fontes de muitas águas, que vão cair no mar.
Passada esta ribeira, tanto como um quarto de légua, desta baía ao Nordeste corre toda a rocha talhada do ilhéu, por espaço de meia légua, até uma ponta, que se chama de Álvaro Pires de Lemos, porque as terras que correm por cima foram suas; e dizem ser o segundo homem que entrou na ilha, muito rico e honrado, o qual, caindo depois em pobreza, vendeu esta fazenda ao Minhoto, por morte do qual herdaram seus filhos, e o Capitão João Soares o quinhão de um neto seu, filho do mesmo Minhoto, pelo que está espedaçada, e seus filhos e netos, deste Álvaro Pires, vivem agora de esmolas. E um genro seu vendeu daquela fazenda, haverá mais de quarenta anos, um moio de terra por quatro mil e setecentos réis, que vale mais de sessenta mil neste tempo, o qual, o ano de mil e quinhentos e setenta e oito, que foi estéril, deu quinze moios de trigo.
Esta rocha bota uma ponta ao mar, à banda do Norte, direita às Formigas, chamada como de Álvaro Pires, que ali tinha suas terras, e é a terra da ilha que está mais perto delas, e em cima faz um sombreiro para o mar, sobre a qual está um penedo direito, de grossura de uma pipa e comprimento de duas lanças.
A fajã de Bárbara Vaz possuem agora Jorge de Sousa, Belchior Martins, o padre Belchior Homem, vigairo que foi de Vila Franca, nesta ilha, e da Vila do Porto de Santa Maria, e os herdeiros de António de Matos; serão todas estas fajãs quatro moios de terra.
Logo no cabo da rocha corre uma ribeira de água, por extrema de uma fajã de perto de cinco moios de terra, que vai adiante, que foi de António de Matos e agora é de sua mulher e seus herdeiros, prantada, parte dela de vinha que dá bom vinho, com sua fonte dentro, parte dela de pão; pegado a esta, além de um pedaço de rocha, estão algumas fajãs juntas, de dez moios de terra, todas prantadas de vinha: a primeira foi de Bárbara Vaz e agora é de seus herdeiros, a segunda de Gonçalo Pinto, a terceira do Capitão João Soares de Sousa, que agora possuem seus herdeiros, onde estão casas e donde sai muito vinho, porque não há alqueire de vinha que não dê uma pipa dele e mais.
Adiante está outra de Belchior Martins, outra de Manuel Ribeiro, outra de João da Fonte, muito boa, como já disse, todas na freguesia de Santa Bárbara, que está da rocha do mar pela terra dentro dois tiros de besta, defronte das Formigas, que estão ao Nor-nordeste desta ilha. E defronte desta (sic) igreja, para o mar, do Norte, está uma ponta que tem o penedo que disse, de comprimento de duas lanças e grossura de uma pipa, assentado sobre um sombreiro de pedra na borda da rocha.
E por serem todas estas fajãs mui grandes e formosas se chamam as Fajãs Grandes ou de São Lourenço, por estarem junto de uma sua Ermida, parte prantadas de vinhas, e outras por prantar, onde se dão os melhores figos longares que há nas ilhas, e muitos marmelos, maçãs, amoras e outras frutas, que, por serem vinhas novas, de doze até quinze anos, dão uvas mui grandes e boas. O vinho se tira dele por mar, e dele às costas dos vinhateiros; pode-se fazer caminho de carro facilmente e, por não serem os donos delas muito ricos, o não fazem.
E, finalmente, são tão ricas que, se estiveram em outra parte de Portugal, valeram três mil cruzados. Logo no princípio delas, correndo para o Oriente, pela banda do Norte, é um pedaço de Belchior Martins, e foi dantes de uma mulher antiga, já dita, chamada Bárbara Vaz, que corria do mar à serra com suas terras, da qual mulher a houve o Minhoto, donde a veio herdar João d’Arruda, o qual a vendeu a Frei Belchior Homem, cuja agora é. Nas quais há terras de pão, que poderão ser sete até oito moios, com muitas árvores de fruto e figueiras e amoreiras.
Logo mais adiante, tem Manuel Romeiro outra vinha que ficou de seu pai, Fuão Barbabranca.
E, partindo com ela, tem Belchior Martins uma vinha grande, que ele fez, a primeira que se prantou nesta fajã toda, que ele houve com Maria Romeira, viúva, mulher que foi do dito Barba-branca. Logo partindo com esta, tem Manuel Romeiro outra, que lhe deram em casamento com sua mulher, filha que foi de África Anes; e daqui até o ilhéu está a fajã do mar à serra, que foram terras de um Gonçalo Pinto, o qual as vendeu ao Minhoto, e a fajã herdou o Capitão João Soares de Sousa, por falecimento de um seu neto, filho do dito Minhoto, que tenho dito, e começou a fazer vinha nela. Depois que os herdeiros de Gonçalo Pinto viram aproveitar-se as terras e começarem-se as vinhas, puseram demanda e, por concerto, lhe deu, a cada um, seu pedaço, em que agora vivem Ascêncio Pinto e Manuel Pinto; a demais tem D. Maria e alguns dos filhos do dito Capitão. Poderá dar toda a fajã, ao presente, cento e cinquenta pipas de vinho, se for bem aproveitado, beneficiado e recolhido. Tem uma grande baía e praia de areia, ao longo do mar, que se chama de Bárbara Vaz, e três ou quatro fontes, bastantes ao uso dos cultores, e terá perto de meia légua, de ponta a ponta.
Detrás da ponta desta fajã, que toda junta se chama de São Lourenço, para Leste, está o ilhéu, que se chama do Romeiro, menos de um tiro de besta de terra, e um porto, que também assim se chama, defronte do qual ilhéu sai ao mar uma ribeira, que se chama do Salto, porque em cima, no princípio dela, que será em meia terra, tem um salto mui grande; também cai de alto da rocha, no pé dela, sem dar em outra coisa; é ribeira muito curta para a terra, mas mui larga, de muito mato, e de outra parte de vinhas e terra de pão; leva pouca água, mas clara e boa, como são as da ilha todas, e muito mato, de uma e outra banda.
E, abaixo do salto, está uma vinha muito boa e terras de moledais, que se podem fazer em vinhas, e dá muita mostarda; leva a ribeira alguma água, mas não de moinhos, ainda que já teve um.
Chama-se o ilhéu e porto do Romeiro, porque em cima, nas terras feitas ao Sul deles, morou um homem honrado e antigo, chamado Francisco Romeiro, muito abastado, cuja casa era de todos, e tinha graça de curar quaisquer feridas e desmanchos de braços e pernas, não somente de graça, mas pondo todo o necessário em qualquer cura, que fazia à sua custa, para ser graça perfeita. Junto das quais casas, à borda da rocha, está uma fonte muito grande, que se chama a Fonte Clara. E da ponta de Álvaro Pires até este ilhéu será uma légua.
O qual ilhéu do Romeiro é de pedra , da feição de um coruchéu, e com vento Sul e outros ventos do mar tormentosos se acolhem a ele muitos navios, o qual terá em cima dez alqueires de terra de erva e alguma rama curta e pouca, onde se criam e tomam muitas cagarras que dão graxa e pena para cabeçais. E porque é este ilhéu dos comendadores, não podem ir a ele, nem aos outros, a fazer esta caça, sem sua licença ou dos feitores.
Tem este ilhéu uma furna tão comprida, que parece chegar donde começa à outra parte dele, mas não tem mais de uma boca, maior que um portal de qualquer igreja grande, cuja entrada é mais alta que três lanças. Tem este furna muitos caminhos e furnas com retretes, e toda é de penedia mui áspera, que está como engessada ou grudada, de uma pedra de água, que faz das gotas de água que de cima está estilando e se coalha como cera e congela como vidro e fica no ar dependurada, como regelo ou neve que cai, onde a há, das beiras dos telhados, ou como tochas e círios de cera derretida, que se vai pondo em camadas e coalhando; e assim são algumas tão compridas, que chegam abaixo, e outras ficam no ar dependuradas, mas pegadas em cima, fazendo-se brancas depois de coalhadas, como pedra de alabastro.
Na entrada desta furna está uma lagem, a logares, não muito chã, que está alastrada da dita pedra de água, da mesma maneira da rinhoada (sic) de um boi muito gordo e da própria cor sanguentada, que, vê-la sem a tocar, não se julga por menos; aqui chega o Sol com seus raios alguma parte do dia, por onde parece que tem outra cor, diferente da de dentro, sombria.
Parece casa de cirieiro, com as muitas tochas, círios, candeias, da cor da cera, não muito branca, algumas das quais estão pegadas no alto, dependuradas para baixo e as gotas de água na ponta. E onde cai aquela gota, na lagem, de baixo se faz e alevanta outra tocha ou candeia, como a de cima, ficando parecendo aquela furna uma grande e fera boca aberta de baleia, bem povoada de alvos dentes em ambos os queixos, debaixo e de cima; quebrando os quais dentes ou tochas e círios e candeias, lhe vêm as camadas de água coalhada, feita pedra, como as da cera de um círio.
Outros não são como tochas, círios, candeias, nem dentes, senão como pedaços de pau grosso; outros à feição de gamelas; outros, em lugares, feitos à maneira de oratórios, com seus círios postos e castiçais; em outras partes coscorões, mas são sobre o teso, que se não devem mastigar muito bem; em outra parte confeitos, feitos de gotas de água, que de cima cai, e depois se tornam pedras, que os parecem, e que à vista não diferem deles coisa alguma, senão que devem de trincar muito no dente, pois são tornados pedra, com que também fica parecendo aquela furna casa de confeiteiro.
À qual não vão, ainda que seja em dia claro, senão com tocha ou candeio, por causa da grande obscuridade que há dentro nela. Está este ao Nordeste da ilha. Há neste ilhéu, ao redor dele, muito marisco, principalmente cranguejos (sic) e lagostins .
Deste ilhéu, do mar, e da Fonte Clara, da terra, onde fiquei, a um quarto de légua, é a rocha mui alta e está uma ribeira não muito comprida, mas larga, com umas ladeiras grandes, que dão trigo, cevada, pastel, vinho e mostarda, e todo ano corre, mas não tanta que possa haver moendas; a qual se chama de Diogo Gil, que tem ali sua vinha e terras para se fazerem mais; e chega a ribeira a uma ermida de Santo António, que estará do mar um terço de légua.
Esta foi a primeira freguesia, que era da Purificação de Nossa Senhora e, quando se mudou a igreja, lançaram sortes que santo ficaria e saiu Santo António, onde está um fresco retábulo do mesmo Santo, e uma fonte muito fria, grande e formosa, não muito longe, da banda de Oriente. Mais acima está a igreja de Nossa Senhora da Purificação com uma capela de São Pedro, da banda do Norte, que mandou fazer Domingos Fernandes, pai de Diogo Faleiro, que fica desta ao Sueste, de cuja freguesia é a dita ermida de Santo António. Na qual freguesia, que não há trinta anos que se fez, há cento e dois fogos e quatrocentas e treze almas de confissão. Joanne Anes, que era dantes beneficiado na freguesia de Nossa Senhora da Assunção da Vila do Porto, na mesma ilha de Santa Maria, foi nela o primeiro vigário; e o segundo é agora Cristóvão Lopes, natural da vila da Ribeira Grande, desta ilha de São Miguel.
Da ribeira de Santo António, a que outros chamam de Diogo Gil, corre rocha talhada, por espaço de meia légua, até um ilhéu redondo e chão, que terá meio moio de terra prantada de vinha nova, abrigada da banda do mar com alta rocha, ao qual se vai por terra por um estreito, tanto como dois palmos de largo na entrada e, chegando a ele, menos; e, de comprido, da terra até o dito ilhéu, pelo mesmo estreito, serão perto de trinta; na entrada do qual estreito, na terra defronte do ilhéu, estão duas fontes de água, com que fica a Leste, ali, neste ilhéu, um lugar solitário e saudoso, muito próprio e aparelhado para poder nele um ermitão fazer vida santa.
Deste ilhéu, correndo para o Castelete, está uma baía, que se chama a Feiteira, e, adiante, outra ponta, chamada de Pedro Dias, e, passada ela, vai a costa do calhau grosso um tiro de besta, que se anda a pé toda, até uma ribeira que se chama Grande e, por outro nome, da Maia, porque corre uma fazenda grande, ao longo dela, do mar à serra, que, como tenho dito, foi de Álvaro Fernandes, marido de Catarina Fernandes da Maia, homem principal e rico. Antre a qual Ribeira Grande e o ilhéu, que agora disse, está uma vinha que foi de Amador Lourenço e agora é de seus herdeiros, que será dois moios de terra.
E, passada a ribeira, que já está da banda de Leste, entra uma baía pela terra, onde está bom porto, que se chama de Domingos Fernandes, em que varam barcos e se carregam muitos vinhos de muitas vinhas, que há até Castelete, por onde corre a fajã da Maia, que serão até dez moios de terra. E está uma fajã baixa, a modo de lagoa, quase ao nível com o mar, toda prantada de vinha e cercada de figueiral da banda do mar, tanta como dois moios de terra, que é de Diogo Fernandes Faleiro, que herdou da Maia , sua sogra. E ao pé dela está outra vinha, de Cristóvão Vaz Faleiro, ambas as quais fajãs vão entestar no Castelete, defronte das quais está afastada no mar espaço de um tiro de arcabuz uma baía, que se chama da Maia. E será légua e meia do porto principal do ilhéu do Romeiro até ao Castelete; que (sic) uma pedra grande, alta como uma torre, sobre uma ponta que sai ao mar, e também se chama o Padrão, e por tal o tomei aqui como marco da banda do Nascente, para dele começar e acabar nele.
Não muito longe do qual está a freguesia de Nossa Senhora da Purificação na serra. E a outra, de Santa Bárbara, fica atrás da banda do Norte.