Está dada a ilha de Santa Maria em comenda há muitos anos, e o comendador dela tem todos os rendimentos, como el-Rei tem nas outras ilhas, tirando as entradas, que são de el-Rei, e não há senhor nenhum no Reino que as tenha. Rende a ilha, uns anos por outros, dois mil e quinhentos cruzados, de que o Capitão tem a redízima, e a demasia é do comendador, com obrigação de dar todo o necessário às igrejas, como são ornamentos e as mais coisas necessárias para se celebrar e ministrar o culto divino.
Além disso, paga a dita comenda trinta mil réis ao vigairo da igreja de Nossa Senhora da Assunção da Vila do Porto, e a cada um de quatro beneficiados, que há nela, dez cruzados e moio e meio de trigo, e ao tesoureiro um moio de trigo e dois mil réis em dinheiro, e para despesas da tesouraria vinte cruzados, e dez à fábrica da igreja. E ao vigário de Nossa Senhora da Purificação da Serra vinte mil réis de ordenado e dois mil réis da tesouraria, e um marco de prata de uma capela, que se diz aos sábados, pelas almas dos Infantes que descobriram as ilhas e tiveram o mestrado de Cristo. E ao vigairo da igreja de Santa Bárbara outros vinte e quatro mil e quatrocentos réis. Paga ao almoxarife, que agora é Tomé de Magalhães, homem generoso, discreto e virtuoso, dois moios de trigo, e a seu escrivão, dois mil réis, afora o que costuma dar a seus feitores. De maneira que lhe poderão ficar em cada um ano, uns anos por outros, quinhentos mil réis forros.
De princípio se arrendavam nesta ilha de Santa Maria os dízimos por el-Rei, que era mestre da Cavalaria de Cristo, de cujo mestrado ela é. Depois a deu el-Rei D. Manuel em comenda dos dízimos, somente em cento e vinte mil réis, como diz a carta de mercê ao primeiro comendador que foi dela, que se chamou D. Luís Coutinho, filho do Conde de Marialva, irmão do derradeiro Conde que houve, que foi o que casou a filha com o Infante D. Fernando, irmão de el-Rei D. João, o terceiro do nome, e morreram ambos sem deixarem herdeiros; por onde o condado ficou à Coroa, ainda que um D. Francisco Coutinho, de Santarém, anda em demanda com el-Rei sobre isso e tem tiradas algumas coisas, mas ainda el-Rei está de posse do condado.
D. Luís Coutinho, primeiro comendador da ilha de Santa Maria, foi o terceiro ou quarto filho do Conde, seu pai, e, quando el-Rei lhe deu esta comenda, tinha ele um juro de noventa mil réis, o qual largou a el-Rei quando o fez comendador. Foi casado com D. Lianor de Mendanha, filha ou neta daquele alcaide-mor que agasalhou a el-Rei D. Afonso de Portugal, quinto do nome, no seu castelo, quando foi a batalha de Touro com el-Rei D. Fernando de Aragão sobre a herança do Reino de Castela, onde ambos os Reis foram desbaratados e se acolheram sem um saber do outro, el-Rei de Aragão a Samora, e el-Rei de Portugal ao castelo deste alcaide, de que vou dizendo, cujo nome não alcancei. E o Príncipe D. João, filho deste Rei D. Afonso, ficou nesta batalha por vencedor, sem o pai o saber, e depois foi Rei de Portugal, chamado el-Rei D. João, o segundo.
Este D. Luís Coutinho, primeiro comendador da ilha, houve de sua mulher, D. Lianor de Mendanha, um filho chamado D. Francisco Coutinho, que lhe sucedeu na comenda, e duas filhas, uma chamada D. Joana Coutinha e a outra D. Maria Coutinha. E foi homem de que el- Rei folgava de se servir. E dizem que foi à Índia, ou por capitão-mor das naus da viagem, ou de alguma delas. Foi também a Sabóia com a Infanta.
Faleceu este comendador D. Luís Coutinho (segundo se diz), de morte supitânea e ficou D. Francisco, seu filho, muito moço; e dizem que se dissimulou a morte do pai um dia, para que el-Rei desse a comenda ao filho, dizendo que estava mal, sem quererem dizer que era morto, para que não houvesse algum invejoso, que se atravessasse a pedi-la, como algumas vezes acontece; e desta maneira houve a comenda D. Francisco Coutinho, depois da morte de seu pai, D. Luís Coutinho.