Depois de ser feita por el-Rei a mercê da comenda a D. Francisco Coutinho, por morte de seu pai, a mãe D. Lianor de Mendanha, por o filho ser menor, a administrou muitos anos, como sua tutora. Foi esta senhora muito virtuosa e de muitas esmolas, porque no tempo das fomes em Lisboa estavam em sua casa os tabuleiros de pão cozido à porta para darem aos pobres, afora outras esmolas que fazia a pessoas particulares e a religiosos, pelo que dizem que assim lhe cresciam os bens em casa, que lhe aconteceu deixar as jarras de azeite vazias e depois as acharam cheias, como afirmavam pessoas da mesma casa.
Depois da morte desta D. Lianor de Mendanha, casou o filho, D. Francisco Coutinho, segundo comendador da ilha de Santa Maria, com uma irmã do Barão de Alvito, D. Rodrigo Lobo, que se chamava D. Filipa de Vilhena, mulher reverenda de corpo e formosa de rosto, em seu tempo, e de grande governo de sua casa, em que tudo com grande prudência lhe corria pela mão, como adiante direi. Casou D. Francisco com ela, e dois irmãos dela casaram com duas irmãs dele, um dos quais se chamava D. Filipe Lobo, que foi o mais bem disposto e gentil-homem que houve em seu tempo, e era trinchante de el-Rei, e depois foi à Mina e morreu lá, sendo casado com D. Joana Coutinha. O outro, que casou com D. Maria Coutinha, a que não soube o nome, foi pajem de el-Rei, do arremessão.
Houve outro irmão destes, que chamaram D. Francisco Lobo, que foi alcaide-mor de Campo Maior em Alentejo, na arraia de Castela, o qual foi homem de grande corpo e veio ser tão grosso, que se não deixava entender dos que não costumavam falar com ele, senão por intérprete, que sempre tinha detrás de si. Este casou com D. Branca, filha de Afonso Teles, alcaide-mor da mesma vila, o qual perdeu a alcaidaria por morte de um homem, que matou indevidamente, e o genro a houve de el-Rei D. João, terceiro do nome, por ser muito seu privado, e ficou por trinchante, por falecimento de seu irmão D. Filipe, o qual a deixou ao dito seu sogro, que a teve e possuiu até que faleceu. Houve desta D. Branca, sua mulher, uma filha que chamam D. Isabel, que foi casada com André de Sousa, alcaide-mor de Arronches, do qual houve um filho, e, sendo de pouco nascido, faleceu o pai, André de Sousa, e daí a pouco tempo levou Deus o menino para si; vendo-se a mãe desamparada do marido e filho, meteu-se freira no mosteiro da Madre de Deus, que está em Enxobregas, fora de Lisboa, pelo rio acima, adonde hoje em dia vive, dotada de tantas virtudes, que merece ter nome de profeta, como adiante direi.
Teve mais D. Francisco Lobo de sua mulher D. Branca quatro filhos e outra filha, dos quais o mais velho se chamou D. Manuel Lobo, que herdou a alcaidaria por falecimento de seu pai, e foi casado com D. Francisca, filha de Rui Carvalho, uma senhora muito virtuosa e de grandes esmolas; este foi com el-Rei D. Sebastião a África, donde não tornou, nem se sabem novas dele, mas as certas são ser morto, como todos os que até agora não aparecem. O segundo se chama D. António Lobo, mancebo bem disposto e de boas manhas, e muito gentil-homem, e muito mais o fora, se bexigas, de que foi muito doente, lhe não privaram a cor do rosto; este casou com D. Joana, filha de Pero de Mesquita, natural da cidade de Elvas, que foi por mestre do campo da artilharia com o dito Rei D. Sebastião, que também lá acabou a vida, para gozar da eterna, que seus feitos na ilha de Malta, de donde era comendador, bem merecem, segundo o juízo humano. O terceiro chamam D. Afonso, o qual foi para a Índia e lá anda usando da nobrezia e fidalguia de seus antepassados. O quarto chamam D. Diogo, que ao presente não sei aonde anda.
A derradeira filha, que houve, é hoje em dia prioresa do mosteiro da Anunciada de Lisboa, cuja fama, da dita prioresa, é tão grande, que por si soará melhor do que eu posso dizer, nem declarar. Esta santa religiosa, ainda que mui nobre em geração, é mui insigne com os dons e sinais do Esposo Celestial, os quais eu não vi, mas tenho fé por dito de muitos religiosos e pessoas dignas de crédito, que nas palmas das mãos viram uns sinais vermelhos, de dentro redondos, tamanhos como uma folha de rosa, e de fora em triângulo mais pequeno, mas não são chagas abertas com os cravos, como as do seráfico padre S. Francisco; as dos pés e lado podem-se piedosamente crer, porque ninguém lhas viu. Uma sua irmã está no mosteiro das Descalças da Madre de Deus, em Enxobregas, não de menos virtude e santidade; ainda que estes juízos só pertencem a Deus, o povo tem esta fé. Antre estas, de caminho direi de outras, que Deus manifestou nestes tempos em Lisboa, onde dizem que há outra religiosa na Esperança, que tem grandes prendas e revelações do Senhor. E outras há em muitas partes de grandes merecimentos e fama.
Uma beata do hábito dos Capuchos, vizinha que foi e muito devota da casa destas Descalças, que está em Lisboa, onde cada dia se confessava e comungava e fazia com muita devação as casulas e cheiros para os altares, e outras coisas para honra do culto divino, posto que seja mui pobre das coisas temporais, é mui rica de virtudes e alumiada com muitas revelações divinas, como diz o Apóstolo: — “Assaz é rico aquele que é pobre com Cristo”. A esta convém o que diz o profeta: — “Alevantou o Senhor o pobre da terra e do esterco para o colocar com os Príncipes do seu Reino”, pois chegou a ser amada do seu dulcíssimo Esposo; dele ouviu a suavíssima voz que se contém nos cânticos: — “Ponde-me por selo sobre vosso coração”, o qual nele imprimiu sua forma e figura inteiramente; e com este tão singular dom comungava cada dia, o que alguns não podendo sofrer, o denunciaram ao geral e ao arcebispo. E a seu confessor, para lhe não ser impedida a graça que com a frequência deste sacramento recebia, revelou o secreto que havia mais de oito anos que estava oculto. Mas, não se confiando com isto o arcebispo, fez por três vezes experiência, pondo-lhe sobre o coração uma pasta de cera, e em todas saiu na cera esculpida a imagem do seu Esposo Crucificado, com grande admiração de tamanho milagre. E dizem que a carne de fora, onde lhe põem a cera, não tem sinal algum, e na cera fica às vezes um Jesus impresso, com suas letras, e às vezes um crucifixo, pelo que se afirma que assim o tem imprimido no coração, donde vem ficar aquela forma de cera; e ainda dizem mais que denunciou à madre prioresa da Anunciada que se aparelhasse, que em dia de Santo Tomás havia de receber tão grande mercê, como lhe era revelado. E outros afirmam que sua irmã D. Isabel, do mosteiro da Madre de Deus, com espírito de profecia, por Deus lho revelar, lho mandou dizer pela dita beata, que depois se recolheu no mesmo mosteiro da Madre de Deus, de Enxobregas, porque todas três se comunicavam mui familiarmente, como servas esposas do Mui Alto. O qual, com seu exemplo, espertou tanto a devoção no coração dos fiéis, que todos, ou quase todos, querem comungar cada dia e frequentam as confissões e comunhão .
A mulher de D. Filipe ficou viúva muito moça e nunca mais casou, e vive com muita abstinência e virtude, fora das pompas e vaidades do mundo, andando por Lisboa visitando enfermos e hospitais, acudindo a muitas necessidades, assim corporais como espirituais, e nisto gasta a vida há muitos anos; de cujos filhos e filhas, destas irmãs, não trato, pelos não ter bem sabidos e por não fazer longo processo.
O segundo comendador da ilha de Santa Maria, D. Francisco Coutinho, houve de sua mulher, D. Filipa de Vilhena, cinco filhos e duas filhas, afora outros, que morreram, porque ele dizia que sua mulher parira vinte e duas vezes, entre moveduras e pariduras. Dos vivos, o primeiro se chamava D. Luís Coutinho, como o avô, que sucedeu a seu pai na comenda; o segundo D. Pedro; o terceiro D. Gonçalo; o quarto D. Bernardo; o quinto D. Hierónimo; e o sobrenome Coutinho; a mais velha, filha, de todos os irmãos se chama D. Joana de Vilhena; a segunda, que nasceu logo despós (sic) o primeiro, D. Antónia de Vilhena e é freira professa no mosteiro de Santa Clara de Santarém; outra mais velha, chamada D. Joana (sic) de Vilhena, casou depois da morte do pai com D. Miguel de Noronha, filho segundo de D. Afonso de Noronha, irmão do Marquês D. Pedro de Vila Real e filho do Marquês D. Fernando.
Foi este D. Afonso capitão em Cepta muitos anos, onde teve bons sucessos contra os mouros e fez muitas entradas nas suas terras, de que trouxe muitas presas boas, e era de maneira que os mouros acalentavam os meninos com ele, dizendo: — “Guarda de D. Afonso, o Torto!”, porque tinha este nome de alcunha, e depois foi vizo-rei da Índia, onde teve também prósperos sucessos, levando lá consigo um filho seu, mais velho, chamado D. Fernando, que foi capitão-mor do mar na Índia, estando lá seu pai, e houve no mesmo mar uma grande vitória, de que não sei as particularidades, mais que ouvir que pelejou com quarenta galés e as desbaratou com sós três galeões, que trazia de armada.
Foi também este D. Afonso mordomo-mor da Infanta D. Maria e faleceu, sendo de muita idade, de ar, ou para melhor dizer, de parlesia, que lhe deu a terceira vez há poucos anos.
Ficaram a este D. Afonso quatro filhos e uma filha, chamada D. Catarina d’Eça , que foi casada com o filho mais velho do Conde de Tentuguel (sic) e morreu de parto sem lhe ficar herdeiro. A mulher deste D. Afonso se chamou D. Maria d’Eça , que foi também uma nobre senhora.
O filho mais velho do mesmo D. Afonso e de D. Maria d’Eça , sua mulher, chamam D. Fernando de Menezes; o segundo D. Miguel de Noronha, casado com D. Joana de Vilhena, filha de D. Francisco, segundo comendador, de que falamos, a qual foi das mais formosas de seu tempo e ainda agora o é, e D. Miguel, o marido, um dos quatro coronéis que foram com el- Rei D. Sebastião na guerra de África.
O filho terceiro de D. Afonso, que chamam D. Jorge de Noronha, é casado com uma D. Isabel, cujo sobrenome não sei, filha de Antão Martins de Câmara, Capitão da Praia, da ilha Terceira, mas há muitos anos que não fazem vida ambos, por culpa de D. Jorge; ela é mulher de grande virtude.
O quarto filho deste D. Afonso, chamam D. João d’Eça , é clérigo e bom pregador e prior de Torres Novas.