Os Gagos e Bocarros são da cidade de Beja, donde veio Luís Gago, a esta ilha, por ter nela seu tio Rui Vaz Gago, chamado do Trato, quando também veio André Lopes Lobo e se aposentou na vila da Ribeira Grande; era filho de Estevão Roiz Gago. Tinha estes parentes em Beja, sc., Lourenceanes Gago, que era pai de Rui Vaz do Trato, que aqui viveu nesta ilha muito rico, como logo direi, quando falar nele, e Rui Gago, morador em Alcácer, e Estevão Gago, ouvidor que foi das terras da Infanta, e André Gago, e João Gago, e Pero Botelho, todos fidalgos e parentes no segundo, terceiro, e quarto grau, e da feitura e criação de el-Rei D. João, segundo do nome, e D. Manuel; tinha também em um lugar, que chamam Frielas, termo de Lisboa, um parente, chamado Pero da Costa, homem muito principal e fidalgo, de que se chamam também Costas. E em Viana d’Alvito tinha uma nobre parenta, chamada Isabel Cardosa, sobrinha de Breatiz Roiz, mulher que foi de Afonseanes Colombreiro, morador na Ribeira Seca, termo da Vila da Ribeira Grande, avô do vigário Pero Gago, filha de um seu irmão, por nome Rodrigueanes, mulher que foi de um Manuel Fernandes.
Rui Vaz Gago, natural de Beja de Alentejo, chamado do Trato, por ser homem rico e poderoso, e tratar com el-Rei na Mina, Cabo Verde, e outras partes, onde mandava seus navios, chamado também Raposo, por ser casado com Catarina Gomes Raposa, veio a esta ilha, aonde teve grande casa e família, e foi o mais rico homem dela; porque trazendo muito dinheiro, além das dadas que lhe deu o Capitão Rui Gonçalves da Câmara, primeiro do nome, em cujo tempo comprou muitas terras, com que veio a ter perto de mil e trezentos moios de renda, todos de propriedade ou raiz. Morou primeiro em Vila Franca e depois se mudou para os Fenais, onde viveu alguns anos; era casado com Catarina Gomes Raposa, mulher muito nobre de que houve três filhas, que depois de seu falecimento lhe casou Luís Gago, seu sobrinho, uma com Estevão Nunes de Atouguia, fidalgo de Portugal, e a outra com outro fidalgo chamado Sebastião Alvres de Abreu, e outra se casou com Jácome Dias Correia, da geração dos Correias, cidadão da cidade do Porto, todos bem dotados e ricos. Houve também Rui Vaz do Trato, de sua mulher Catarina Gomes Raposa, dois filhos, Diogo Roiz Raposo e Pero Roiz Raposo, que faleceram solteiros em África, servindo a el-Rei. De Estevão Nunes de Atouguia e sua mulher ficou um filho, chamado Nuno de Atouguia, e uma filha por nome D. Catarina, mulher que ora é de D. Diogo de Sousa, pagem que foi da lança de el-Rei D. João, terceiro do nome, e capitão de Sofala na Índia e capitão-mor do mar de toda a armada de mil navios, quando el-Rei D. Sebastião passou a África e do seu conselho, e possui o morgado que por sua morte deixou e instituiu Nuno de Atouguia, nesta ilha de S. Miguel, de perto de cem moios de renda, o qual não casou e o deixava por sucessão a D. Martinho, filho de D. Diogo, que morreu na guerra de África, e seu pai D. Diogo o possui agora, como tenho dito; e valeu tanto no Regno que esteve despachado por Viso-Rei para a Índia, e não quis ir, por depois os do Conselho ordenarem dois governadores da Índia, um de Goa e outro de Malaca, e vendo ele que dividiam o governo da Índia, não quis aceitar o cargo de Viso-Rei que dantes lhe estava oferecido e concedido, dizendo que não podiam governar bem duas cabeças.
Também dizem que foi no Algarve Viso-Rei alguns anos.
Teve também Nuno de Atouguia, cunhado de D. Diogo de Sousa, um filho natural, chamado Nuno de Atouguia, a que deixou trinta e três ou trinta e quatro moios de renda, junto do lugar de Rabo de Peixe, que tem ao presente o capitão Alexandre, por troca em alguns anos da tença que lhe deu o católico Rei Filipe no Regno, onde a manda arrecadar e logra o dito Nuno de Atouguia. Sebastião Alvres de Abreu houve de sua mulher alguns filhos, alguns dos quais andam no serviço de el-Rei, e os mais deles são defuntos.
Jácome Dias Correia, afora os defuntos, teve de sua mulher, Breatiz Roiz Raposa, estes filhos: Jordão Jácome, Barão Jácome, D. Isabel, mulher de João da Silva do Canto, da ilha Terceira, e Catarina Gomes Raposa, mulher que foi de Manuel Vaz Pacheco, e Aldonça Jácome, mais velha, mulher que foi de Agostinho Imperial.
Jordão Jácome Raposo, primeiro filho de Jácome Dias, casou segunda vez com Margarida da Ponte, filha de Pero da Ponte, o Velho, de Vila Franca, e de Ana Martins, filha de Martim Anes de Sousa, da qual houve cinco filhas e três filhos; duas são freiras professas no mosteiro de Vila Franca; outra, chamada Clara de Sousa, casou com Belchior Fernandes Mesquita, homem honrado e rico, que tem cinquenta moios de renda e outra muita fazenda que herdou de seu pai Francisco Fernandes de Caminha, rico mercador, que foi, na cidade; outra filha, Ana Jácome, casou com Nuno Barbosa da Silva, fidalgo, morador na Ribeira Seca, termo da Vila da Ribeira Grande, como já disse na geração dos Barbosas; outra, chamada Breatiz de Sousa, de grande virtude, sem querer casar, está em sua casa com dois irmãos, que tem solteiros, sc., Martinhanes Raposo e Apolinário de Sousa. Outro filho de Jordão Jácome, chamado Rui Vaz Correia, perdeu-se no mar em um navio, onde ele faleceu. E outro filho natural teve Jordão Jácome, chamado António Jácome Correia, homem de muita virtude e prudência, ainda solteiro. Jordão Jácome Raposo, filho de Jácome Dias Correia, foi casado primeira vez com Francisca Roiz Cordeira, filha de João Roiz, feitor de el-Rei nesta ilha, que naquele tempo antigo se chamava recebedor das rendas de el-Rei, e seu feitor, como disse atrás, irmão de Pero Roiz Cordeiro; desta mulher houve estes filhos: Manuel Raposo, Sebastião Jácome Correia, André Jácome Correia, Barão Raposo Correia, e duas filhas que foram freiras. O primeiro filho, Manuel Raposo, casou com Margarida Luís, de que houve três filhos e duas filhas: o primeiro filho, Barão Raposo, faleceu solteiro, o segundo Miguel Raposo, também faleceu solteiro, o terceiro, Manuel Raposo, casou com uma filha de Francisco Mendes e de Estácia de Sousa. A primeira filha de Manuel Raposo casou com Aires Pires do Rego, de que não houve filhos; a segunda, Francisca Cordeira, casou com João da Costa, filho de Pero Afonso Barriga, do Nordeste. O segundo filho de Jordão Jácome, chamado Sebastião Jácome Correia, casou com Inês da Ponte, filha de Pero da Ponte, o Velho, e de Ana Martins, e teve dela dois filhos. O primeiro, Bartolomeu Jácome Raposo, que casou com Constança Afonso, filha de João Afonso, o Moço, do Faial, e dos Fagundes de vila de Água do Pau, de que não tem filhos. Este é mais velho, pelo que por morte de seu pai, Sebastião Jácome, lhe ficou uma administração e morgado, que rende mais de setenta e cinco moios de trigo, cada ano, os quais possuía D. Gilianes da Costa, o Velho, com o qual trouxe Jordão Jácome Raposo uma tão comprida demanda sobre o dito morgado que durou mais de vinte anos, e sem embargo de muita valia que tinha no Regno o dito D. Gilianes, tão poderoso e privado, houve final sentença contra ele Jordão Jácome, por ter clara justiça; porque dizia o testamento da mulher de João d’Outeiro, que foi primeiro mulher de Rui Vaz do Trato, avô de Jordão Jácome, que por seu falecimento ficasse este morgado e administração a sua filha D. Maria, mulher de D. Gilianes, que era filha única de João d’Outeiro, e assim corresse a linha do dito João d’Outeiro até se acabar, e acabando-se, tornasse à linha de Rui Vaz do Trato, primeiro marido. E porque se acabou em uma neta de D. Gilianes, ficando ele herdeiro da sua fazenda, o queria também ser da dita administração, dizendo que era de bens partíveis, e que a neta o nomeava no testamento por herdeiro da dita administração. Porém como não era direito nomear ela pessoa alguma, mas cumprir-se a vontade da mulher de João d’Outeiro, Jordão Jácome, como filho primeiro da filha mais velha de Rui Vaz Gago do Trato, fez esta demanda, que vencedor vencido, sem lograr a renda do morgado mais que um ano, porque não se lhe pagou coisa alguma de quanto gastou; e depois possuiu Sebastião Jácome, marido da dita Inês da Ponte, estes setenta e cinco moios de renda seis anos, e por sua morte seu filho mais velho Bartolomeu Jácome, que agora a possui, morador na vila da Ribeira Grande, e não tem filhos que herdem.
Teve também Sebastião Jácome, de sua mulher, o segundo filho, chamado Pero da Ponte, que casou com outra filha de João Afonso, o Moço, do Faial, chamada Lianor Fagunda, de que tem uma filha de pouca idade. Teve mais Sebastião Jácome Correia, de sua mulher Inês da Ponte, quatro filhas; três delas, sc., Francisca Raposa, Ana Jácome e Margarida da Ponte casaram com três netos de João Afonso, o Velho, do Faial, cidadão de Vila Franca do Campo, sc., Francisca Raposa com Belchior Pimentel, filho de Gaspar Manuel, cidadão de Vila Franca; e Ana Jácome com Gaspar Manuel, filho do próprio Gaspar Manuel; e Margarida da Ponte com Nuno Gonçalves Pimentel, filho de Nuno Gonçalves Madruga, que é falecida. A outra filha de Sebastião Jácome, chamada Isabel Raposo, é ainda solteira.
O segundo filho de Jordão Jácome, chamado André Jácome, morador no Nordeste, casou com Apolónia da Costa, filha de Pero Afonso da Costa Barriga, cidadão de Vila Franca, de que tem filhos e filhas, e é falecido. O quarto filho, Barão Raposo, faleceu sendo de ordens de Evangelho. Teve mais Jordão Jácome, de Francisca Roiz Cordeira, sua primeira mulher, duas filhas que foram freiras professas no mosteiro de Santo André de Vila Franca do Campo, já falecidas.
O segundo filho de Jácome Dias Correia, chamado Barão Jácome, foi homem grandioso em tudo, de grande casa, como seu pai, e de muitas e grossas esmolas. Casou com Catarina Simoa, filha de Martim Simão, morador na Terceira, no lugar dos Altares, de que houve, afora os defuntos, um filho chamado Aires Jácome Correia, que foi casado com Maria do Couto, filha de Fernão Braz do Couto, morador na cidade de Angra, da qual houve, afora os defuntos, um filho e três filhas, ainda solteiros.
A primeira filha de Jácome Dias, chamada Aldonça Jácome, casou com Agostinho Imperial, genoês , de que, afora os defuntos, houve estes filhos e filhas: o primeiro filho, Alexandre Imperial, casado em Génoa , onde um ano teve o cetro e depois veio por embaixador a Madril, o ano de mil e quinhentos e oitenta e três; e foi homem rico, poderoso e de muito nome e faleceu então na corte. A filha mais velha de Agostinho Imperial, chamada Maria Imperial, casou em Génoa com um morgado muito rico e senhor de título.
A segunda filha de Jácome Dias, chamada D. Isabel, casou com João da Silva do Canto, da ilha Terceira, do conselho de el-Rei, homem nomeado e conhecido quase em todo o mundo, príncipe na condição, na virtude e nas obras, e de muito grandes esmolas, grandioso em tudo; do qual houve uma filha, chamada D. Violante da Silva, de grande virtude, bem imitadora nas grandes esmolas de seus pais e avós, de que direi adiante. Houve João da Silva do Canto um filho natural, chamado Francisco da Silva do Canto, que casou em Ceita, e vive pobre por não ter favor de seu pai, enquanto viveu.
A terceira filha de Jácome Dias, chamada Catarina Gomes Raposa, casou com Manuel Vaz Pacheco, fidalgo, cidadão de Vila Franca, de que houve estes filhos e filhas. O primeiro filho, Tomé Vaz Pacheco, casou com Paulina Dornelas de que não tem filhos; o segundo filho, Braz Raposo, agora capitão de uma companhia na cidade, casou com Catarina de Frias, filha de Fernão de Anes, pai do licenciado Bertolameu de Frias, de que houve, afora os defuntos, duas filhas gémeas, a primeira, Maria Jácome, que casou com Manuel Martins, rico mercador, homem de grande prudência e saber, de que tem alguns filhos e filhas. A segunda filha de Braz Raposo, chamada Ana da Madre de Deus, é freira no mosteiro de Santo André da cidade da Ponta Delgada. O terceiro filho de Manuel Vaz Pacheco, Francisco Pacheco, casou com uma filha de Manuel Lopes, escrivão em Vila Franca, de que tem filhos e filhas. O quarto filho de Manuel Vaz, Bertolameu Pacheco, casou com uma filha de João Lopes, mercador, e de sua mulher Francisca Cabea, de que tem filhos e filhas. O quinto filho, Jordão Pacheco, de grandes espíritos, casou na Ribeira Grande com Maria Tavares, filha de Luís Tavares e de sua mulher Isabel Vaz, de que tem filhos e filhas. A primeira filha do dito Manuel Vaz Pacheco, Maria Jácome, casou com Lopo Anes Furtado, cidadão de Vila Franca, filho de António Furtado e de Maria d’Araújo, de que não tem filhos, e é falecida.
Teve mais Jácome Dias Correia, um filho natural chamado Cristóvão Dias Correia, imitador da nobreza e condição de seu pai, o qual casou duas vezes; da primeira mulher houve quatro filhos, sc., — Jácome Dias, morador na vila da Praia, da ilha Terceira, casado lá com uma nobre mulher, onde foi escrivão público do judicial; outro filho, Gaspar Dias, é casado na mesma vila da Praia, feitor do capitão da dita vila; outro, Baltazar Dias, casado e morador em Castela; o quarto filho, Belchior da Costa Ledesmo, que casou na vila do Nordeste com Ana Afonso, irmã de Jorge Afonso, da Ponta da Garça, e foi escrivão de Vila Franca, de que não houve filhos. Casou Cristovão Dias, segunda vez, com uma nobre mulher , da qual houve cinco filhos: o primeiro, Jorge Dias, que casou, e de sua mulher , houve a Sebastião Correia, o qual anda por alferes de uma galé de el-Rei Filipe. O segundo filho de Cristóvão Dias, Antão Correia, que é cego, mas não do entendimento, e casou três vezes com nobres mulheres, de que não houve filhos . O terceiro filho de Cristovão Dias Correia, chamado primeiro Jordão Jácome Correia e depois o capitão Alexandre, por lhe pôr este nome o Senhor D. João d’Áustria, por valentias que fez no tempo da guerra naval que teve com o turco, ao qual, além do hábito de Santiago com boa tença, el-Rei Filipe, por seus serviços, fez mercê de duzentos mil reis de renda, pagos aos quartéis cada ano na alfândega desta ilha de S. Miguel, onde casou com Catarina Mendes, filha de António Mendes Pereira e de Isabel Fernandes, com a qual lhe deram em dote seis mil cruzados de raiz, e dela não tem filhos. Das valentias e feitos heróicos do qual capitão Alexandre direi adiante mais largamente em seu lugar. O quarto filho de Cristóvão Dias Correia, chamado como seu pai Cristóvão Dias Correia, e o quinto, Manuel Correia faleceram ambos solteiros na ilha Terceira, em casa de João da Silva do Canto. Houve mais Cristóvão Dias, de sua mulher, duas filhas: a primeira, Aldonça Jácome, casou com Salvador de Araújo, de alcunha o Farto, morador em Vila Franca, de que houve um filho, chamado Cristóvão Dias, ainda solteiro. A segunda filha de Cristóvão Dias Correia, o Velho, faleceu solteira.
Vieram depois a esta terra Gabriel Coelho e Rafael Coelho, irmãos, e António Jorge Correia, homens nobres, parentes muito chegados de Jácome Dias Correia, sobrinhos, filhos de seu irmão . Gabriel Coelho teve grande trato e perdeu muito em uma companhia que teve com António de Pesqueira Burgalês e com António de Brum; casou com uma neta de Afonseanes dos Mosteiros, rico e nobre, de que teve alguns filhos e filhas. Rafael Coelho casou com uma filha de Estevão Alvres de Resende. António Jorge casou com Margarida de Chaves, também neta de Afonseanes, dos Mosteiros, da qual houve alguns filhos; os vivos são: Manuel Correia, letrado em leis, e Gonçalo Correia de Sousa, canonista, e uma filha, chamada Maria Correia, que agora está no mosteiro de Santo André, da cidade, todos de muita virtude e bom exemplo, imitadores de sua mãe, que depois de viúva se deu tanto a Deus e à oração, que se tem e é julgada por santa, como direi adiante.
Dizem alguns que este apelido dos Correias, gente nobre, teve princípio em uns que guardando uma torre sem se querer entregar aos contrários, estiveram tanto tempo cercados que, faltando-lhe o mantimento, faziam em tiras e correias os couros das caixas encouradas e outros, e deitando-os de molho os comiam depois brandos. E outros dizem que por um deles em uma batalha vencer um poderoso imigo, e o atar com umas correias, trazendo-o cativo, lhe ficou este apelido de Correias, e por isso têm as suas armas a figura de um homem atado pelas mãos com umas correias.
Tinha Rui Vaz do Trato, afora suas rendas, muito gado e muitas criações nesta ilha, em Vila Franca, nas Furnas, nas Sete Cidades, no pico dos Ginetes, em Rabo de Peixe e na Ribeira Grande, as quais ia visitar em pessoa algumas vezes cada ano. E vindo um dia da criação das Sete Cidades a cavalo, lhe anoiteceu junto do lugar de Rabo de Peixe, que ainda estava despovoado, e ermo, sem haver nele mais que duas cafuas em que dormiam os vaqueiros e roçadores dos matos, e chegando de noite a uns biscoitos, que estão além de Rabo de Peixe, da banda da Vila da Ribeira Grande, onde ele ia para sua casa, que estava no Morro, abaixo do arrebentão, da parte do mar, onde então morava, que depois mudou João d’Outeiro, seu sucessor, para junto da Ribeira Seca, abaixo da ermida de S. Pedro, e aí fez outras casas e granéis de telha, desfazendo as em que morava, pelas não achar de seu gosto, por serem desviadas da povoação; e chegando de noite Rui Vaz ao dito biscoito, quase na saída dele, onde está uma cruz em um pequeno outeiro de pedra, lhe saiu ao caminho um fantasma como touro, e arremeteu a ele; o qual, cuidando que era touro, andou com ele às lançadas, levando tanto trabalho nisso, e o cavalo o mesmo, que quando chegou a sua casa ia já todo pisado, sem dizer a sua mulher, nem a outra pessoa alguma, o que lhe acontecera, deitando-se na cama, sem comer, muito cansado. E ao outro dia, antes que amanhecesse, foi ver se achava o touro naquele lugar, e não achou rasto, nem mostra alguma por onde se pudesse crer que andasse ali touro, nem outra alimária, nem pessoa, porque tudo por ali era coberto de ervas frescas, antre as quais ia uma vereda por onde se caminhava, nem se podia fazer coisa alguma que não mostrasse rasto do que se fizera. Vendo ele isto, e entendendo que era algum demónio, ou coisa má, o que ali lhe aparecera, se tornou turbado para casa, e o contou a sua mulher, que dificultosamente o pôde já entender, por ele quase não poder falar, e logo faleceu deste assombramento. E depois de viúva, se casaram as três filhas, como já tenho dito, indo Luís Gago dar conta a el-Rei por seu tio Rui Vaz Gago, que nada ficou devendo. Casou cá a dita Catarina Gomes Raposa com João d’Outeiro, mercador, que procurava pelas coisas de seu marido, e era seu feitor, do qual houve uma filha, que conforme ao costume daquele tempo desposou com Jorge Nunes, irmão do capitão Rui Gonçalves, pai do Capitão Manuel da Câmara, o qual mataram os mouros, andando em África, à custa do sogro, no tempo dos desposouros ; e depois a tornou a casar João d’Outeiro com D. Gilianes da Costa, filho de D. Alvarinho, como direi quando tratar de seu morgado e das diferenças que houve sobre ele.
Luís Gago, primo com-irmão de Rui Vaz do Trato, ainda que lhe chamava tio por ser Rui Vaz o mais velho, e o ter em sua casa, que por sua causa veio a esta ilha, morou na Ribeira Seca, termo da vila da Ribeira Grande, e era, como tenho dito, filho de Estevão Roiz Gago, fidalgo que fez muitos serviços a el-Rei nas guerras de Castela, onde foi muito ferido, principalmente de uma lançada, que em se recolhendo os portugueses lhe deram os castelhanos de arremesso por baixo das couraças, nos lombos, de que lhe ficou um nó grande, por sinal. Era também primo com-irmão do Doutor Rui Gago, juiz dos feitos de el-Rei; foi homem latino, discreto e de boas partes; não bebia vinho, mas sempre tinha pipas dele em sua casa, para agasalhar muitos hóspedes e religiosos, que a ela iam; era muito amigo dos pobres e viúvas, que amparava. Viveu mui honradamente e abastado, com cavalos e mulas na estrebaria, que tinha bem pensados, por ser bom cavaleiro, e muitos escravos e escravas, criados e criadas e grande família. Foi casado com Branca Afonso da Costa, fidalga dos Colombreiros, atrás ditos, da qual houve os filhos seguintes: O primeiro filho se chamou Pero Gago, que foi estudar a Salamanca e depois foi vigairo da igreja de S. Sebastião da cidade da Ponta Delgada muitos anos, onde faleceu, e daí o levaram a enterrar à vila da Ribeira Grande, em uma capela de seu pai Luís Gago; o qual teve um filho natural, licenciado em cânones, chamado Pero Gago Bocarro, de grande virtude.
O segundo filho de Luís Gago, por nome Paulo Gago, que morou na Ribeirinha, termo da Ribeira Grande, onde tinha sua fazenda, casou nesta ilha de S. Miguel com Guiomar da Câmara, filha de Antão Roiz da Câmara, fidalgo, filho de João Roiz da Câmara , capitão que foi desta ilha; o qual Paulo Gago era discreto, latino e bom cavaleiro, um dos dois melhores que havia na ilha, e nunca lhe levava avantagem de bem posto e consertado e muito airoso a cavalo. Houve de sua mulher os filhos seguintes: o primeiro, Rui Gago da Câmara, que falecendo dois filhos e uma filha, por ficar só em casa, o criou seu pai com muita doctrina, fazendo-o aprender latim e bons costumes, além de o fazer bom cavaleiro, com ter sempre de contínuo, na estrebaria, dois cavalos e mula e quartão, afora outros de empréstimo, com muitos escravos e escravas, criadas e criados, e grande família; vivendo em uma rica quinta que tinha na Ribeirinha, termo da vila da Ribeira Grande, onde tinha a cabeça de seu morgado, pelo que era havido pelo mais rico homem da dita vila. Casou o dito Rui Gago da Câmara na cidade da Ponta Delgada com Isabel Botelha, filha de Garcia Roiz Camelo e de sua mulher Maria Travassos, filha do contador Martim Vaz, da geração dos Camelos, Cabrais e Botelhos.
É homem mui temente a Deus, registado nas coisas da consciência, humilde, macio e bem acondiçoado. Foi dezoito anos capitão de uma bandeira de duzentos e cinquenta homens, na dita vila da Ribeira Grande; tinha por cabos de esquadra os melhores da terra; e servindo este tempo de capitão, soccedeu mandar fazer el-Rei novo regimento nesta ilha, que nos lugares onde houvesse mais de uma bandeira se fizessem capitães-mores, o que foi ordenado pelo Capitão Manuel da Câmara, na era de mil e quinhentos e sessenta e dois ou sessenta e três.
Na qual eleição ele foi eleito pelo povo por geral de quatro bandeiras, cada uma de duzentos e cinquenta homens de armas, três delas dentro na vila, e uma no lugar de Rabo de Peixe, seu termo, que em todas juntas há mil homens de peleja; e depois se fez outra bandeira. Com o qual cargo, em todo o tempo que o teve e tem, assim quando foi capitão menor, como mor, é de tal condição e tão nobre, que nunca agravou soldado seu, nem usou de condenação, e prendendo-os e tratando-os com muito amor, como filhos e assim é pai de todos e da mesma vila, acudindo primeiro que ninguém a todas as pressas e necessidades dela, e fora dela, com sua pessoa e fazenda. O qual houve de sua mulher, Isabel Botelha, os filhos seguintes, bem conformes nos costumes a tão bom pai e mãe que os geraram. O primeiro, Paulo Gago, morgado, que parece um anjo na condição e virtude, o qual casou com Isabel de Medeiros, filha de Hierónimo de Araújo, fidalgo, cidadão de Vila Franca, como já tenho dito. O segundo filho, Rui Gago, muito cortesão e discreto. O terceiro, Pero Gago. O quarto, André da Câmara.
Tem também duas filhas, a primeira D. Maria, casou com Manuel da Câmara, fidalgo, filho de Henrique de Betencor, com dispensação por serem parentes. A segunda Isabel da Câmara, casada com Manuel Moniz, filho de Adão Lopes e de Maria Moniz; afora outros que faleceram, e três deles, continuamente a cavalo. E pelas festas, quando há folgares, vêm com eles em cavalos bem ajaezados e lustrosos.
O terceiro filho de Luís Gago, chamado Sebastião Gago, criado de el-Rei, morreu em seu serviço na Índia, com outros soldados, sendo capitão de um navio de alto bordo, pregado um braço com as frechas ao bordo dele.
O quarto filho, chamado André Gago, faleceu no dilúvio de Vila Franca desta ilha, estando já no estudo, aprendendo para clérigo, sendo muito músico, bom cantor e tangedor.
O quinto, por nome Jácome Gago, gentil homem, discreto e grande cavaleiro, faleceu solteiro na ilha Terceira.
O sexto filho de Luís Gago, chamado Estevão Gago, morador na Ribeira Seca, casou com uma filha de João do Monte, o Velho, da qual houve três filhos. O primeiro Luís Gago, de grandes espíritos, que foi daqui solteiro ter às Canárias, onde se chamou Luís de Betancor, e daí se mudou para outra parte, e não se sabe dele. O segundo, Sebastião Gago e o terceiro, Pero Gago, que também se foi desta ilha, onde não se sabe se são vivos. Teve mais o dito Estevão Gago uma filha, que chamam Senhoresa da Costa, casada com Gaspar Martins, do Morro, onde ao presente mora, de que tem alguns filhos, o mais velho dos quais se chama Luís Gago, casado com uma filha de Bartolomeu Pacheco e de Inês Tavares, de Vila Franca, cujo avô Estevão Gago se foi desta terra para o Cabo Verde e lá faleceu.
Teve mais Luís Gago três filhas. A primeira, D. Alda Gaga, casou com Henrique Camelo Pereira, fidalgo, filho de Fernão Camelo Pereira, da qual houve dois filhos, de grandes partes, como direi na geração dos Camelos.
A segunda, D. Margarida Gaga, casou com Simão de Betancor de Sá, fidalgo, filho de João de Betancor, de que houve os filhos e filhas que disse na geração dos Betancores.
A terceira, Breatiz Roiz da Costa, casou com Fernão Correa de Sousa, viúvo, fidalgo da geração dos Correas de Portugal, que veio da ilha da Madeira, de que houve uma filha, chamada Branca Correa, que faleceu solteira; o qual Fernão Correa se foi desta ilha em um navio muito grande, que aqui fez no lugar de Porto Formoso, e se perdeu na ilha da Madeira, com o qual desgosto se foi para as Índias de Castela, e nunca mais houve novas dele. Era gentil homem, grande de corpo, magnífico nas obras e muito discreto, do qual já disse na geração de Nuno Gonçalves, filho de Gonçalo Vaz, o Grande.
E a cada uma destas filhas deu Luís Gago, em casamento, vinte moios de renda em propriedades, que agora valem o dobro.
Têm os Gagos por armas um escudo de campo vermelho, com uma aspa e três luas de prata nos três vãos de baixo da aspa, e uma estrela de ouro no quarto vão de cima, e nele mesmo, por diferença, um cardo de ouro florido; e o elmo azul, guarnecido de ouro com sua folhagem, da parte direita a quem a vê, de ouro e vermelho, e da parte esquerda, de prata e vermelho; e paquife de prata e vermelho; e por timbre um leão de prata, com uma estrela de ouro na testa.