Houve em Portugal um fidalgo, cujo nome não soube, que casou no Paço com Iresa de Sousa, dama da Rainha D. Lianor, natural de Irlanda, donde veio com outra dama da mesma Rainha, de que procedem os filhos de Cristovão Cordeiro e Pedro Alvres Benavides, que foi muitos anos alcaide na cidade da Ponta Delgada; e sucedendo a este fidalgo, marido de Iresa de Sousa, matar um corregedor, estando fazendo audiência, se desterrou do Reino, de Souzel onde morava, para esta ilha, onde primeiro viveu com sua mulher em Vila Franca, depois no Telhal da Lomba da Ribeira Grande, muito rico e abastado. Houveram dois filhos, João de Sousa e Gaspar Vaz de Sousa, os quais mandou seu pai às partes de além, sustentando-os lá muito tempo à sua custa, em serviço de el-Rei; e lá foram armados cavaleiros, em uma entrada que fizeram em um lugar chamado Benahame, onde mataram e cativaram muitos mouros, reinando em Portugal el-Rei D. Manuel.
Gaspar Vaz de Sousa, filho de Iresa de Sousa, a Rainha D. Lianor o mandou levar desta ilha, sendo ainda menino de sete ou oito anos. Criou-se no Paço, até idade de dezoito, e daí foi para Itália, onde andou catorze no exército do Imperador D. Carlos quinto, por seu mestre de campo, ajudando-lhe a haver muitas vitórias de imigos cristãos e mouros, de que mandou a esta ilha três bandeiras para honra de seus parentes, as quais foram entregues a Gaspar de Viveiros, sogro que foi de Francisco de Arruda da Costa, como sabem muitos antigos da cidade da Ponta Delgada. E depois se veio Gaspar Vaz e trouxe ao Reino de Portugal, onde foi criado, a ordem da milícia da guerra, onde dali por diante se começaram a fazer soíças que dantes se não costumavam e ele foi o primeiro que as fez, pelo que el-Rei o fez coronel-mor e neste cargo morreu.
Este Gaspar Vaz de Sousa, e seu irmão João de Sousa, dizem que eram primos, filhos de irmãos, de Martim Afonso de Sousa e de Diogo Lopes de Sousa, abalizados cavaleiros e fidalgos, e a estes pertencem as armas dos Sousas. João de Sousa, irmão deste Gaspar Vaz de Sousa e filho de Iresa de Sousa, casou com Isabel Alvres, mulher nobre, de que houve três filhos, chamados Baltazar de Sousa, Diogo de Sousa e Pero de Sousa, e deixando aparte o mais velho, Baltazar Vaz e Sousa, de que logo direi, seu irmão gémeo, Diogo de Sousa, casou na vila da Ribeira Grande com uma filha de Pedro Afonso e irmã de Duarte Pires, o Velho, e de Álvaro Pires, de que houve alguns filhos.
O terceiro filho de João de Sousa, chamado Pero de Sousa, casou na Maia com Violante Lopes, irmã de Simão Lopes, de que houve alguns filhos.
Teve mais João de Sousa de sua mulher Isabel Alvres cinco filhas: — a primeira, Isabel de Sousa, casou com Pedreanes, cavaleiro, antecessor de João Roiz Galego, que morou em Rabo de Peixe, de que teve um filho, chamado Baltazar Vaz, que faleceu no dilúvio de Vila Franca. A segunda casou com Simão de Santarém, escrivão em Vila Franca, em cujo dilúvio também faleceu com os filhos que tinham. A terceira, Catarina de Sousa, casou com Pero Lourenço, o Velho, que viveu na Ribeira Grande, de que houve alguns filhos. A quarta, Violante de Sousa, casou com Gonçalo Anes, que foi alcaide em Vila Franca e faleceu no dilúvio dela. A quinta, Guiomar de Sousa, acabou solteira no mesmo dilúvio.
Baltasar Vaz de Sousa, filho mais velho de João de Sousa e Isabel Alvres, sua mulher, e irmão dos ditos Diogo de Sousa e Pero de Sousa, foi homem de grandes forças, como direi, quando tratar de alguns forçosos que houve nesta ilha; e casou com Lianor Manuel, filha de Manuel Domingues, irmão de Catarina Manuel, mulher de João Afonso, do Faial, e de Simoa Manuel, mulher de António de Freitas, que foi escrivão em Vila Franca, da qual houve três filhos e seis filhas: — O primeiro filho, chamado João de Sousa, casou com Inês Antunes, filha de António Gonçalves e de Guiomar Francisca, de que houve alguns filhos. O segundo, Gaspar Vaz de Sousa, homem de grande ânimo e força, casou com Margarida Pais, de que não tem filhos.
O terceiro filho de Baltazar Vaz de Sousa, chamado Nuno de Sousa, discreto e esforçado cavaleiro, casou a primeira vez com Caterina de Moura, irmã do padre António de Moura, da Ponta Delgada, de que houve duas filhas: uma chamada Hierónima de Sousa, que casou com Braz do Rego, filho de Manuel do Rego, de que tem alguns filhos. E a outra, Breatiz de Sousa, casada com Baltesar do Monte, filho de João do Monte. Casou Nuno de Sousa, segunda vez, com Francisca de Paiva, filha de Pero de Paiva e de Francisca Ferreira, de que tem alguns filhos e filhas, uma das quais casou com um filho de João Alvres Rodovalho.
Das filhas de Baltazar Vaz de Sousa, a primeira, Isabel Vaz de Sousa, casou com Jordão da Ponte, homem fidalgo, da ilha da Madeira, dos Tavares. A segunda, Breatiz de Sousa, foi casada com Aires Pires do Rego, de que houve um filho, chamado Gaspar do Rego , de que já disse; e outro, mais velho, muito esforçado, que morreu na Índia, depois de ter conquistado uns povos de gentios, e outro mais moço, chamado Rui de Sousa, grande cavaleiro, que faleceu solteiro; e uma filha, Jerónima do Rego, casada com Bento Dias, bom soldado, do hábito de Santiago. A terceira, D. Simoa, casou com Henrique de Betancor da Câmara, fidalgo, de que houve os filhos que direi quando tratar dos Capitães desta ilha, de que ele é muito chegado parente. Outras três filhas de Baltasar Vaz de Sousa foram freiras professas.
Em Setembro do ano de mil e quatrocentos e noventa e nove chegou Vasco da Gama da Índia a Portugal e pelo novo descobrimento daquelas partes, que ele fez, acrescentou el-Rei D. Manuel a seus títulos outros muito famosos, como são — Senhor da Conquista, Navegação e Comércio de Etiópia, Arábia, Pérsia e da Índia.
Vendo este Rei a grande mercê que Deus lhe fizera em descobrir a Índia, para assentar nela feitoria e pregação da Lei Evangélica e reformação dos cristãos que lá houvesse, e para trazer em conhecimento dela os gentios, mandou todo o necessário em uma grossa armada e dez naus e três navios redondos, de que ia por capitão-mor um fidalgo, chamado Pedralvres Cabral. E partindo de Belém a nove dias do mês de Março de mil e quinhentos, aos catorze de Março houve vista das Canárias e aos vinte e dois passou pela ilha de Santiago, e aos vinte e quatro de Abril, que foi derradeira octava de Páscoa, foi vista terra que era costa oposta à de África e demorava a loeste; e reconhecida pelo mestre da capitânia que lá foi, mandou Pedralvres surgir em um porto que por ser bom lhe pôs nome Porto Seguro, e viram os portugueses que era aquela terra muito viçosa de arvoredo e fresca, com muitas águas e abastada de muitos mantimentos e de muito algodão. Pedralvres meteu ali um padrão de pedra com uma cruz e por isso lhe pôs nome Terra de Santa Cruz e depois se perdeu este nome e lhe ficou o do Brasil, por razão do pau brasil. Desta terra, mandou Pedralvres logo cartas a el-Rei, por um Gaspar de Lemos, em uma sua caravela, como se conta no primeiro livro da Índia, que fez Fernão Lopes de Castanheda, no capítulo trinta e um.
El-Rei D. João, de Boa Memória, terceiro do nome, depois de dar na costa do Brasil a Jorge de Figueiredo uma capitania de cinquenta léguas de terra, fez mercê de juro de outras tantas léguas a Pero do Campo Tourinho. E mandando el-Rei a Baltazar Vaz de Sousa, desta ilha de S. Miguel, que o fosse servir na terra do Brasil, se foi ter à capitania deste capitão Pero do Campo, com outras pessoas desta terra. E um dia, estando ele e um João Fernandes Lordelo, também daqui natural, e outras cinco ou seis pessoas, em Porto Seguro, que é da dita capitania de Pero do Campo, e vendo o Lordelo que estavam ao longo da praia quinze ou dezasseis brasis, quietos, sem fazerem mal a ninguém, disse a Baltazar Vaz: — estes perros me têm mexericado com o Capitão, que eu ando dizendo que lhe hei-de pôr fogo à casa; agora mo hão-de pagar. Respondeu-lhe Baltazar Vaz, como era valente homem: — tendes razão de o sentir muito; enxotemo-los daqui. E logo o Lordelo lhe fez um tiro com uma besta, que passou um brasil de banda a banda. Vendo eles isto, deram um grande grito por sua língua, a que acudiram trezentos brasis e fizeram tiro, e como eram muitos e os portugueses sete ou oito, fugiram todos; e Baltazar Vaz, com uma adarga e uma lança na mão, fez o campo a alguns; porém era tudo nada para com eles, porque ali foram tantas as frechas sobre ele, passando-o de parte a parte, que caiu morto, encostado a elas; e um seu parente, que era muito valente homem, vendo-o morto, lhe resistiu tanto com tiros de besta e lança, que feriu dois ou três, e matando um, morreu também ele, todo frechado; e o Lordelo foi ferido em uma perna. E como ele não estava benquisto na terra e tinha dito que havia de pôr o fogo à casa do capitão, sucedeu assim, que se acendeu em a casa do dito capitão, onde se perdeu muita fazenda, sem se saber donde se causara. Entenderam que por o que tinha dito o Lordelo, ele o pusera; o qual, sabendo que punham boca nele, se acolheu para a Baía de Todos os Santos e lá foi preso e esquartejado por mandado do capitão, por se provar mandar pôr o fogo a sua casa. E desta maneira acabaram estes dois naturais desta terra, na do Brasil e tão longe da sua. Suas armas são as dos Sousas do Regno.