Quando, Senhora, comecei a contar a descrição desta ilha pela costa do sul, disse o que sabia da vila do Nordeste; agora, começando dela por diante, irei dizendo a costa do norte, por cuja parte não há porto nenhum de que se use para carregação alguma. Os portos que tem são somente para batéis e, com bons tempos, para pescar, mais que para outra serventia, porque por terra, com carros e bestas se serve toda a banda do norte para a do sul, de uma parte para a outra, pelo meio dela, por ser terra mais chã e assentada; a mais por uma banda e outra, por ser mais fragosa, se serve de longe e leva tudo por batéis, mais pela banda do sul, que tem o mar mais brando e navegável que pela do norte, onde poucas vezes e com poucos tempos se navega, por a costa ser brava.
Segundo tenho dito, do Topo a meia légua, correndo a costa ao mesmo vento nordeste ou norte, está a vila do Nordeste; a qual ponta ou topo se chama Topo do Nordeste porque os que vêm do oriente para esta ilha, a primeira coisa que dela vêem e topam com a vista é esta ponta dela, que é mui alta terra e rocha, e por isso se chama Topo. Nesta costa, afastado da vila um tiro de espingarda, sai ao mar uma grande ribeira chamada do Guilhelme, porque antigamente morou ali um framengo deste nome; nela estão os moinhos desta ribeira, e daí por diante leva todo o rosto ao norte. Logo, correndo a costa da banda do norte para loeste, está um baixo de pedra no mar, pouco apartado da terra, que se chama a ponta da Moreia, porque é ali calhau e há nele muitas moreias. Logo mais adiante, meia légua, está a ponta ou lomba dita de S. Pedro, que é uma igreja deste glorioso Príncipe dos Apóstolos, freguesia de quarenta e um fogos e cento e oitenta e uma almas de confissão, das quais são de comunhão sessenta; cujo primeiro vigairo foi Marcos Fernandes, e o segundo Francisco Vaz, que ora serve; onde sai uma ribeira ao mar, nesta ponta de S. Pedro, que se chama ribeira das Lájeas, por correr por elas. E adiante, meia légua dela, corre outra, por uma muito alta e cavada rocha, chamada — Dispe-te que suas, porque quem a acaba de passar de uma parte a outra, vai já tão encalmado e suado com descer e subir por suas íngremes ladeiras, que é necessário despir-se para desafrontar, desencalmar e tomar ar, descansando; e da ribeira do Guilhelme até esta, é a freguesia de S. Pedro, em que os moradores fazem suas lavouras costumadas de trigo e pastel, ainda que pouco.
Desta ribeira e grota de — Dispe-te que suas, que está duas léguas do Nordeste, onde acaba seu termo, adiante logo, meia légua para loeste, está outra grande ribeira, chamada da Mulher, porque deitaram ali fora de um navio uma mulher que vinha doente para parir, e no mesmo lugar pariu; outros dizem que a deitaram com um moço pequeno, em sua companhia, por ela vir enferma e rogar muito que a deitassem em terra, que se não atrevia ir mais pelo mar, onde a acharam depois uns vaqueiros que por ali perto andavam com seus gados, na Algarvia: outros dizem que aparecia ali uma mulher de noite, como fantasma, que espantava os caminhantes. Mas outros contam por mais certo que esta era a mulher que fugiu da ilha de Santa Maria com seu amigo e um companheiro, um dos quais morto pelo outro, e depois, enforcado na Povoação Velha, por isso e por furtar o fato de três em três dias e queimar as casas de palha e feno que os primeiros povoadores ali faziam, vendo-se a mulher desamparada de um e de outro, fugiu pelo pico da Caldeira, que está antre a Povoação e o Faial e dali pela encumeada, atravessando a serra direita ao norte, foi ter ao pico da Vara, onde nasce esta ribeira, que corre para a banda do norte, chamada da Mulher, pela acharem depois nela uns dos primeiros descobridores da ilha, indo também descobrindo a serra pelo mesmo caminho, que estava escalvado e coberto de cinzeiro e pedra pomes, que parecia haver caído quando arrebentaram as Furnas; e pela acharem naquela ribeira, Ihe puseram nome ribeira da Mulher, o que dizem ser mais verdadeiro. Sai esta ribeira da Mulher no meio de uma enseada pequena. Antre esta ribeira da Mulher e a de — Dispe-te que suas, que atrás fica, e pela terra dentro, corre uma lomba, que se chama Algarvia, antre a freguesia de S. Pedro, que se chama o Nordeste Pequeno, e a Chada Grande que foi de Antão Roiz da Câmara, e tem este nome Algaravia, porque a possuiu um algaravio, o qual, falecendo sem filhos, deixou a sua mulher por sua universal herdeira, e viúva viveu nela muitos anos, por cuja causa, em sua vida e depois de sua morte, se chamou e chama aquela sua fazenda a Algarvia. Por seu falecimento, veio ter a lomba a poder de Antão Roiz da Câmara, e agora a possuem seus herdeiros e alguma parte dela os que a eles a compraram.
Meia légua da ribeira da Mulher sai ao mar a ribeira do Folhado, por nela se cortar uma árvore deste nome, a maior, mais comprida e grossa que se achou da banda do norte; e logo está o topo de Pero Roiz da Câmara e nele um guindaste, onde se carregava e carrega algum trigo; e perto dele a ribeira do Machado, de muita água e grandes ladeiras, em que houve antigamente uma serra de água, com que se fazia muita madeira para navios e outras coisas; e por um fragueiro esconder junto dela um machado, sem mais o poder achar nem atinar com ele, Ihe ficou este nome. Da qual ribeira do Machado até à de — Dispe-te que suas, que atrás fica está o lugar da Chada Grande, que se chamou assim porque é uma lomba grande e muito chã, onde agora tem uma freguesia da advocação de Nossa Senhora da Graça, cuja festa principal se celebra a vinte e cinco dias do mês de Março, em dia da Anunciação de Nossa Senhora. Tem trinta e dois fogos e almas de confissão cento e trinta e duas, das quais são de comunhão noventa e duas, cujo primeiro vigairo foi Martim Roiz; o segundo, Simão Pires; o terceiro, Gaspar de Crasto Baldeiras, que agora serve a dita vigairaria. Atrás desta ribeira do Machado, pela terra dentro, está a Feiteira que é uma grande quantidade de terra dos herdeiros de Henrique de Betancor de Sá, que viveu na vila da Ribeira Grande. Tudo por aqui, junto com a Algarvia, foram terra de pão e depois cobertas de pedra pomes e cinzeiro no tempo do segundo terramoto desta ilha, e já descobertas com levadas de água o tornam a ser. Chamase Feiteira, por ser terra de muitos feitos. Dali a dois tiros de arcabuz, está a ribeira do Cachaço e dela a um tiro de escopeta a ribeira da Aventura, a razão de cujos nomes é esta: na ribeira do Cachaço se criou e andava um grande e formoso cachaço, o qual sendo por muitas vezes monteado, de todos escapava, fazendo antre os monteiros campo como leão, pela qual fama, ajuntando-se de propósito certos homens, bons fragueiros e ligeiros, com cães e meias lanças, deram nela com o cachaço, o qual, vendo-se muito seguido deles, saiu da sua ribeira, fugindo ele, e eles após ele, o foram tomar e matar na ribeira da Aventura, e por ser a sorte tal, Ihe puseram nome ribeira da Ventura, pela que tiveram da vitória do cachaço que pôs nome à outra donde o lançaram fora. Outros dizem por outra razão chamar-se ribeira da Ventura porque, indo ela com enchente, saltando um homem um salto grande por ela, Ihe disseram outros: — muito vos aventurastes; ventura foi passardes. Antre estas duas ribeiras está uma lomba, chamada de Martim Gomes, porque foi deste homem, da vila da Alagoa. Da ribeira da Ventura a dois tiros de arcabuz para loeste, está outra que se chama a ribeira da Salga, muito grande e comprida, chamada assim por um navio deitar ali fora uma quantidade de sal para os moradores daquela banda, e mais certo tem este nome porque os antigos moradores destas partes iam ali fazer matança de porcos monteses, por haver naquela ribeira muitos e lá os matavam e salgavam; e nela está um moinho.
Desta ribeira da Salga até à do Machado, que atrás fica, é a terra também muito chã e mais pequena que a Chada Grande; pela qual razão quem primeiro foi a ela e a achou Ihe pôs nome Achadinha ou Achada Pequena, em respeito da outra Grande, onde está uma freguesia da advocação de Nossa Senhora do Rosário, cuia festa principal se celebra a oito dias de Setembro, em que há quarenta e três fogos e almas de confissão cento e vinte e três, das quais são de comunhão sessenta e uma; cujo primeiro vigairo é Pero Vieira, que ainda agora serve o cargo. Também os moradores deste lugar vivem de suas lavouras.
Da ribeira da Salga, a um tiro de escopeta, está a ribeira Seca, assim chamada porque no Verão se seca e nenhuma água tem, mas no Inverno leva muita. Da parte do oriente, está um guindaste do Capitão, pegado com a mesma ribeira, e logo uma ponta muito grande que entra pelo mar, direito ao norte, quantidade de seis moios de terra, chamada ponta dos Fenais da Maia, por diferença doutros Fenais da cidade, porque nela em baixo havia muito feno e ainda agora o há, mas não tanto; e ali do caminho para cima está o lugar que chamam os Fenais da Maia, termo de Vila Franca. No princípio, antes de ser freguesia, iam os seus moradores ouvir missa à Maia. Tem o lugar destes Fenais uma freguesia dos Reis Magos, paróquia, em que havia muitos e nobres fregueses. Agora têm setenta e dois fogos e almas de confissão duzentas e setenta e cinco, das quais são de comunhão cento e oitenta e três. O primeiro vigairo foi Bernardo de Froes; o segundo, João Nunes da Câmara; o terceiro, Manuel Roiz Machado; o quarto, é agora Manuel Fernandes. Há nesta freguesia gente nobre e rica, e tem a mesma granjearia que os outros lugares, seus vizinhos.
Desta ponta dos Fenais a dois tiros de arcabuz, corre uma pequena ribeira que se chama da Doida, por morar ali uma mulher de pouco siso; e dela a meia légua, está o pesqueiro, chamado de Lopo Gomes, porque morou ali este rico homem. Logo um tiro de escopeta mais além, sai ao mar a ribeira Funda, que cobrou este nome por ter grande altura de ambas as partes, pelo que também se chama grota Funda, da qual até à ribeira da Salga se estende a freguesia dos Fenais da Maia, de que agora disse.
Adiante três tiros de besta, está outra ribeira pequena, que chamam a grota do Preto, por morar nela um homem não muito branco, e agora se chama a ribeira de Luiz Fernandes da Costa, que morou ao longo dela, em cima da rocha; da outra banda dela estão os moinhos da Maia, além a ribeira dos Vimes, por prantarem ali os primeiros no princípio da povoação desta ilha, que agora se chama também ribeira do Salto, por ter um, muito grande, donde cai. Junto está a ponta dos Moinhos, que sai pouco ao mar e tomou o nome destes seus vizinhos; da qual, a dois tiros de arcabuz, corre outra ribeira que se chama de João de Viana, por morar ao longo um homem, assim chamado; depois outra grande ribeira, chamada de Lopo Dias Homem porque morava ali um deste nome, avô de Lopo Dias Homem, da vila da Ribeira Grande. Além está o lugar da Maia, que se chama assim porque o principiou e começou e primeiramente morou nele uma mulher, chamada Inês Maia. Defronte de seu porto, tem um baixo grande de pedra, ao longo do qual varam batéis, em um bem assombrado porto, de mediana baía, acompanhado atrás pela rocha, ao lível do mar, de muito marisco e frescas fontes de água doce, como as há também no caminho por cima da terra.
A Maia é um lugar bem assombrado, situado todo em uma ponta de terra chã como fajã, com suas bem compassadas e começadas ruas de casas telhadas, por se fazer nela telha.
Tem uma igreja, paróquia da advocação do Espírito Santo; haverá nesta freguesia setenta e oito fogos e almas de confissão trezentas e sete, das quais são de comunhão duzentas e vinte, cujo primeiro vigairo foi João Garcia, irmão de Pero Garcia, dos Fenais da cidade; o segundo, Belchior Homem; o terceiro, Vicente Carneiro; o quarto, Afonso da Senra; o quinto, Amador Furtado da Costa; o sexto, Aleixo Francisco; o sétimo, Francisco de Magalhães, que agora serve. O primeiro beneficiado foi Sebastião Gonçalves; o segundo, Miguel do Quental, que mudou o Bispo Dom Pedro de Castilho para Vila Franca do Campo, da qual, por este lugar estar longe, muitas vezes procurou ser vila e para isso repetia, porque moraram e moram nele homens muito honrados; era necessário ter jurdição por si, pelo muito trabalho que passavam e passam os seus moradores em atravessar a serra, indo às audiências a Vila Franca. Mas não houve o efeito , se não fora o incêndio segundo, com que empobreceu a terra, que não tem agora outra granjearia senão lavouras em terras de rendas e madeira e telha, e as terras de pão não dão o que soíam, por se atupirem, sem poder ter modo para as poderem alimpar e granjear, pelo pouco poder dos vizinhos. É abastado de alguma fruta e pescado. Há nesta freguesia cinco ermidas: Nossa Senhora do Rosairo; S. Sebastião; S.
Pedro; Santa Catarina; e outra, também de Nossa Senhora do Rosairo, na Lomba Grande, perto das casas de Clemente Furtado, que tem cargo dela.
Além do porto do lugar da Maia se faz logo uma ponta longa ao mar, ponteira ao noroeste, em que está um comprido pesqueiro, chamada por isso a ponta do Pesqueiro Longo; e, tornando a voltar à terra, dela para o sul espaço de um tiro de arcabuz, está uma pequena ribeira, chamada das Canas, porque tem um canavial ao longo da rocha a qual se chamou do Godinho, quando junto dela morava um António Godinho, e agora se chama também ribeira das Lajes, porque tem muito lajedo descoberto; da qual a um tiro de escopeta está a grande ribeira, dita a Gorriana, porque no princípio morou ali um homem que de alcunha chamavam o Gorriana, da qual até à Grota Funda, atrás dita, é a freguesia do Espírito Santo do lugar da Maia; e perto sai ao mar uma ponta, chamada de São Brás, por estar ali em um alto outeiro uma ermida deste Santo; e defronte, no mar, tem esta ponta três pontinhas de baixo, que se chamam o pesqueiro do Demo, por ser naquela parte a costa brava e temerosa, com que vai aquela rocha fazendo curta enseada, onde sai uma pequena ribeira, chamada de Tomé Vaz, que ali morava e mandou fazer a ermida de São Brás, atrás nomeada. Adiante faz uma ponta, chamada de Amadis da Gama, que ali morava e tinha sua fazenda, da qual ponta até outra adiante, de António de Brum, se faz uma formosa enseada de praia de areia e no meio dela está o lugar do Porto Formoso, pelo que nele tem, que era limpo e o melhor que havia da banda do norte, onde se fizeram já e vararam alguns navios e carregaram muitos trigo, mas agora, depois do segundo terremoto desta ilha, está atupido de terra, que correu e tomou posse do mar, onde já pasta gado. Tem este lugar uma igreja paróquia da advocação de Nossa Senhora da Graça, cuja festa principal se celebra por dia da Purificação de Nossa Senhora, a dois dias de Fevereiro. É freguesia de quarenta e seis fogos e almas de confissão cento e setenta e cinco, das quais são de comunhão cento e vinte e cinco. O primeiro vigairo foi Duarte Lopes; o segundo, Pero Coelho; o terceiro, Baltasar Dias Cachafares; o quarto, Gabriel Lourenço; o quinto, Rui Lopes Pereira; o sexto, António da Mota; o sétimo, João de Teve, que agora serve. O primeiro beneficiado foi Francisco Gomes; o segundo, Miguel Dias; o terceiro, Jorge Fernandes Damão; o quarto, Francisco Roiz, que o bispo D. Pedro de Castilho mandou para São Pedro, da cidade. Moram neste lugar os Pachecos, nobre e antiga geração nesta terra; granjeiam os seus vizinhos lavrança em terras de renda e em alguma madeira do mato, que tem não muito longe. Adiante está a ponta do Porto Formoso ou de Pero Vaz, que ali morou, onde António de Brum tem algumas terras, com que se acaba de fazer a baía, atrás dita, do dito porto que era o melhor de toda a ilha. Logo em espaço de um tiro de mosquete, está uma ribeira seca, que foi de um homem chamado Mateus Vaz; e, um tiro de arcabuz mais avante, está um ilhéu pequeno, em que esteve escondido um homem homiziado, por morte doutro, alguns meses, e um Gil Afonso, que rastejava os homens pelo faro, o foi buscar à vila do Nordeste. Fugindo-lhe o homiziado dela, se escondeu neste ilhéu; e tornando o Gil Afonso pelo faro até ali, o perdeu, sem atinar mais com ele, não suspeitando que Ihe ficasse no ilhéu, em que o outro se meteu a nado, por estar cercado de água. Mas agora, com areia que depois correu, está em seco e já tem entrada pela banda da terra, fazendo-se adiante uma grande ponta ao mar, com três ilhéus pequenos no cabo, que por isso se chama a ponta dos Ilhéus ou dos llhéus da Ladeira da Velha, ali perto, que foram de Mateus Vaz; e quase nela está a ribeira do Limo, dita assim por criar nas suas águas muitos limos, onde há um moinho em que moem os moradores do lugar de Porto Formoso. Estava abaixo do caminho uma fonte, que parecia de vinagre temperado com água, a qual se cobriu com terra que quebrou e correu da serra no tempo do segundo terremoto que aconteceu nesta ilha. Logo perto está uma grota e ribeira pequena, chamada a grota do Mel, por quebrar nela um quarto de mel, em um carro em que ia; e desta ribeira do Mel até a Gorriana, que atrás fica dita, é a freguesia do lugar de Porto Formoso, termo de Vila Franca do Campo; da qual ribeira para o ponente se começa o termo da vila da Ribeira Grande e vai subindo para cima a grande Ladeira da Velha, chamada assim porque é tão comprida e íngreme que, se alguma velha a subia ou descia, fazia muitos pousos. Mas outros afirmam ter este nome, porque no tempo antigo morou ali uma velha, viúva, a qual vendeu depois aquela fazenda, ficando à velha o nome dela sem a propriedade. Logo está uma pequena ponta, chamada de Santiago, e a grota do Sombreiro, porque o vento levou um dia um sombreiro da cabeça a uma mulher que por ali passava, ou porque faz um salto junto do mar, como sombreiro; pegado com esta grota, está a fajã do Bulhão, que dá muito trigo e algum pastel, chamada do Bulhão por ser de um homem deste nome; e vai continuando uma baía com a fajã de Mateus Vaz, em que estão as fresquíssimas, claras e doces fontes do calhau do Ferreiro, em que se fazem ricas pescarias.
Adiante, sai ao mar uma ponta de terra, sobre a qual tinha um homem, chamado o Picão, sua eira, pelo que se chama a eira do Picão, que também foi do Bulhão, e ao longo da água está um ilhéu e bom pesqueiro, em que pescam de cana. Logo se seguem as prainhas de areia, de um tiro de mosquete de comprido ao longo da água do mar, com que se vai misturar alguma doce das fontinhas da alta rocha; depois a ribeira do Salto, que tem um na rocha, donde a água de alto cai, junto do qual salto está uma pedreira donde tiram muita e boa pedra de cantaria, quase branca, que serve para edifícios. No cabo desta ribeira, ao longo do mar, está um topo de terra, alto, onde está uma tufeira de que tiram muito tufo para chiminés e outras coisas; adiante, dois tiros de besta, a ponta do Esguicho, assim dita por ter feição de esguicho, e, quatro tiros de arcabuz mais avante, o porto de que se serve a vila da Ribeira Grande, chamado o porto de Santa Eiria, que tem dentro em si um pequeno ilhéu, em o qual um homem muito honrado e rico, chamado João do Outeiro, e seu enteado Pero Roiz Raposo, que tinham ali parte de suas fazendas, andavam determinados e mui afervorados de fazer uma ermida da dita Santa, porque então se entrava nele a pé enxuto, ainda que agora se não possa lá ir senão a nado; e depois resfriaram deste propósito, mas, pelo que queriam fazer e era notório a todos, ficou este nome de porto de Santa Eiria ao porto e ao pico pegado com ele e a uma ponta que ali faz a terra ao mar, a que também absolutamente chamam a Ponta de Santa Eiria, porque da Bretanha até ela não há outra maior; outros dizem que um homem de fora quisera fazer neste pico uma ermida de Santa Eiria e por isso tinha este nome, posto que depois se fosse daqui sem a fazer; porque para este porto se descia pela rocha deste pico, por um caminho estreito, fragoso e perigoso. Aos vinte do mês de Maio de mil e quinhentos e vinte e cinco, sendo juntos na casa do concelho da vila da Ribeira Grande, o licenciado António de Macedo, corregedor nesta ilha, António Carneiro, Diogo de Sousa, juízes ordinários, e Fernando Anes e Álvaro de Orta, vereadores, e Álvaro Gonçalves, procurador do concelho, e João de Abrantes e Álvaro Afonso, procuradores dos misteres, e muitos homens da governança da dita vila, praticando neste caso, antre todos foi acordado de se fazer o caminho deste porto de Santa Eiria, cortando o pico da fajã de cima direito ao dito porto e varadouro dos batéis, para se poder carregar trigo e outras coisas nele, pois não se sofria a descida pela rocha e caminho de pé; logo foi arrematado a um Fernandalvres, o Grande, chamado Gram Pele, dito assim por diferença de outro, do mesmo nome, que tomou a partido a ponte da dita vila, ambos moradores na Ribeirinha, em cento e vinte mil réis; mas depois chegou a mais de duzentos mil, porque para se fazer se ajuntou a ribeira do Salto com a Ribeirinha e elas juntas levaram a terra ao mar, que os homens iam cavando, com que se abriu um alto pico pelo meio e se fez o caminho de carro que agora tem, obra que parece de Romanos. De princípio se chamava o porto do Macedo, por respeito do corregedor António de Macedo que procurou que se fizesse. Depois se chamou porto de Santa Eiria, pelas razões já ditas, como a nobre e populosa vila de Santarém se chamou primeiro Scalabis e Cabilicastro, e por vir ter a seu fundo pego de nadadores o corpo de Santa Eiria, se chamou Santa Eiria, mas depois, corrupto o vocábulo por discurso do tempo que tudo muda, foi chamada como agora, Santarém. Para a parte do sul do porto, pela terra dentro pouco espaço, perto deste porto e pico de Santa Eiria, está uma ermida de S. Salvador, junto das casas de D. Catarina Ferreira, mulher que foi de Antão Roiz da Câmara, chamadas assim porque esteve nelas muito tempo viúva, depois da morte de seu marido; e para o ponente o pico do Ermo tem o nome como ele é, e o arco da Regueira, porque vai por ali um grotelhão de água, quando chove. E daí a três tiros de arcabuz a Pedrinha, que é um ilhéu pequeno dentro na água, donde pescam de cana; e, dele a outro tanto espaço, a Ribeirinha, de boas e frescas águas, bem avizinhada de gente, ao longo da qual tem sua rica quinta Rui Gago da Câmara, parente do Conde, Capitão desta ilha; chamada assim, com nome diminutivo por ser mais pequena que a Ribeira Grande, sua vizinha, que está além dela, para a parte do ponente, um quarto de légua. Mas, antes que diga desta vila e da lomba da Ribeira Seca, que dantes era uma só freguesia, quero dizer as lombas que do Nordeste até ela estão pelas faldras da terra, antre a serra e o mar, em que se dá muito trigo e pastel e todo o género de ligumes .
Afora as lombas que atrás ficam, no termo do Nordeste, além e aquém da freguesia de S.
Pedro, termo da dita vila do Nordeste, indo para o ponente, pela banda do norte, estão estas. A lomba da Algaravia, do termo do Nordeste, que parte do nascente com a ribeira de — Dispe-te que suas e do ponente com a ribeira da Mulher. A lomba da Feiteira parte da ribeira da Mulher até à ribeira do Folhado. A lomba dos Chadãos parte com a ribeira do Folhado e com a ribeira do Moinho. A lomba da Chada Grande parte com a ribeira do Moinho e com a ribeira do Machado. A lomba de el-Rei, que foi sua e agora é dos herdeiros de Manuel Alvres, corregedor que foi da Corte, parte com a ribeira do Machado e com a ribeira da Fonte, donde bebe a Achadinha. A lomba da Chadinha, que foi de Fernão Dafonso, parte com a ribeira da Fonte e com a ribeira do Cachaço. A lomba da Terça da Capitoa D. Filipa parte com a ribeira do Cachaço e com a ribeira da Aventura e com a grota dos Lagos. A lomba da Salga parte com a grota dos Lagos e com a ribeira da Salga. O espigão de Fernão Vieira, parte com a ribeira da Salga e com a grotinha de Manuel Vieira. A lomba Grande parte com esta grotinha e com a grotinha de Álvaro Lopes. A lomba de Álvaro Lopes parte com esta grotinha e com a ribeira Seca. A lomba do lugar dos Fenaes parte com a Ribeira Seca e com a grotinha do lugar. A lomba de João Lourenço, que é agora dos herdeiros de António Lopes de Faria, parte com a grotinha do lugar e com a grotinha do Furão; chamou-se Furão este homem por um dia ir à caça com o vigairo dos Fenaes da Maia, por nome Bernardo de Froes, que Ihe deu o furão na mão, enquanto armou a rede à boca da cova, dizendo-lhe que tivesse mão, que Ihe não fugisse, ele o apertou tanto que quando Iho pediu, para o meter na cova, Iho deu morto, pelo que tomou este nome daquele homem que aí morava. A lomba de Cristóvão Lobo parte com a grotinha do Furão e com a grotinha de Estêvão Alvres de Rezende. A lomba de Estêvão Alvres e Hector Barbosa parte com esta grotinha e com a grotinha da Criação. A lomba de Lopo Dias parte da banda do nascente com a grota dos Vimes e do ponente com a ribeira de Filipe. Outra lomba de Lopo Dias parte da banda do nascente com a ribeira de Filipe e da banda do ponente com a grotinha da Fonte da Maia. A lomba da Maia parte da banda do nascente com a grotinha da Fonte e da banda do ponente com a grota da Cruz. A lomba de António de Brum parte da banda do nascente com a grota da Cruz e da banda do ponente com a ribeira da Gorriana. A lomba da Terça parte do nascente com a Gorriana e do ponente com a ribeira das Lajes. A lomba dos Pachecos parte do nascente com a ribeira das Lajes e do ponente com a ribeira de Tomé Vaz. A lomba de Pero Dias parte do nascente com a ribeira de Tomé Vaz e do ponente com a ribeira de Belchior Dias. A lomba do Porto parte do nascente com a ribeira de Belchior Dias e do ponente com a ribeira Seca. A lomba de António Pacheco parte do nascente com a ribeira Seca e do ponente com a ribeira do Limo, onde estão os moinhos do Porto Formoso. A lomba da Ladeira da Velha parte do nascente com a ribeira do Limo e do ponente com a grota do Sombreiro, da qual até a lomba da Ribeira Seca, termo da vila da Ribeira Grande que já disse, pela banda do norte, vão muitas lombas pela serra de que não faço menção, por não fazer longo processo, e da Ribeira Seca, por diante, não há mais lombas.