Estas ilhas dos Acores estão arrendadas, ao presente, por seis anos, que começaram de Janeiro de mil e quinhentos e oitenta e cinco, por setenta mil cruzados, cada ano, a Pero Borges de Sousa, do hábito de Cristo, da ilha da Madeira, excepto a do Corvo e ilha das Flores, que são de senhorio, e ilha de Santa Maria, que é comenda. É recebedor dos dízimos e direitos desta, em que estamos, Pero Lopes Peixoto.
Esta ilha de S. Miguel uns anos por outros rende cada ano para Sua Majestade, em dízimos e direitos de entradas e saídas, mais de cinquenta mil cruzados; e algumas vezes dá cada ano um conto e dois mil moios de trigo, de que vêm ao dízimo de Sua Majestade mil e duzentos moios, que valem perto de vinte mil cruzados.
Em ano fértil, dá quase cinco mil pipas de vinho, de que vêm ao dízimo quinhentas, que valem cinco mil cruzados.
Dá sessenta mil quintais de pastel, que valem cento e sessenta mil cruzados, de que vem aos direitos de entrada e saída mais da quarta parte, que são quarenta mil cruzados.
Os direitos das miunças e açúcar podem rendar mais de mil e quinhentos cruzados.
Podem importar as entradas das mercadorias cem mil cruzados, de que vêm aos direitos do dízimo dez mil cruzados.
Soma tudo o que rendem os direitos a el-Rei, assim de entradas de fora, como de direitos da terra, setenta e seis mil e quinhentos cruzados.
E isto é afora as rendas da ervagem e pescado e saboaria, que rende para o Conde, a quem Sua Majestade as tem dado, e afora a pedra hume, de que há muitas e grandes minas, que ao presente se não lavra.
Rende o pescado mil e duzentos e cinquenta cruzados; a saboaria cinquenta cruzados, e a ervagem duzentos e cinquenta cruzados; e soma isto seiscentos e vinte mil réis, que são mil e quinhentos e cinquenta cruzados.
As outras ilhas todas juntas dos Açores rendem outro tanto, como só esta de São Miguel, afora a ilha de Santa Maria, que é comenda de D. Hierónimo Coutinho, que foi o ano de oitenta e seis por capitão mor das naus da Índia.
Rende esta ilha de São Miguel ao Conde de Vila Franca, Capitão mor e governador dela e alcaide da fortaleza, trinta mil cruzados cada ano.
Rende a redízima dos setenta e seis mil e quinhentos cruzados, que rende esta ilha para Sua Majestade, sete mil e setecentos e cinquenta cruzados.
O dízimo do pescado, ervagem e saboaria rende mil e quinhentos e cinquenta cruzados, como parece pelo atrás dito.
Rendem-lhe os moinhos e pensões de atafonas de toda a ilha e as rendas das terras, que tem de trigo, e dinheiro, mais de vinte mil cruzados, que é pouco mais ou menos a metade das rendas de terras e foros, e a outra ametade dos moinhos e pensões de atafonas; o que fazem soma de trinta mil cruzados.
Afora cinquenta mil réis que tem de alcaide-mor da fortaleza e oitenta e um mil réis que tem na ilha da Madeira, do morgado do segundo filho.
Rui Vaz Gago, chamado do Trato , foi o mais rico desta ilha; a fazenda que ele possuiu veio a render mil e trezentos moios de trigo, cada ano, que estão agora repartidos pelas pessoas já ditas, que nela Ihe sucederam.
Jácome Dias Correia teria até trezentos moios de renda, cada ano.
Barão Jácome Raposo teve, cada ano, duzentos moios de trigo, e com outras rendas de casas e gado podia ter por todo três mil cruzados de renda.
Seu filho, Aires Jácome Correia, que Ihe sucedeu e hoje em dia está em posse de toda a fazenda, a tem acrescentada do que seu pai Ihe deixou nesta ilha e além dela na ilha Terceira mais de seiscentos mil réis de renda que houve em dote com sua mulher, tem por tudo de renda cada ano quatrocentos moios de trigo e quinhentos cruzados em dinheiro e quinhentas galinhas.
Gaspar do Rego Baldaia chegou a ter trezentos e sessenta moios de renda e foros; muitos dizem que teve trezentos e sessenta e seis moios, tantos quantos dias há no ano, e outros afirmam que chegaram a quatrocentos moios.
Seu filho, o grão capitão Francisco do Rego de Sá, que Ihe sucedeu nela, até agora esteve de posse de toda esta fazenda, em companhia de sua mãe, D. Margarida de Betencor, e com gastos que fez em serviço de el-Rei não logra toda a fazenda de seu pai.
António de Brum, que ora vive nesta ilha, terá nela de renda como três mil cruzados; e além disto pode ter, em trato e negócio de pastel e de outras coisas, mais de trinta mil cruzados; terá também nas ilhas de baixo mais de dois mil cruzados de renda. E afora isto trazia uma demanda em Sevilha, que já venceu, a qual importava vinte e dois mil cruzados. Afirma-se que vale toda sua fazenda duzentos mil cruzados.
António de Brum da Silveira, seu filho, possui vinte moios de renda, que houve com sua mulher, filha do licenciado Bartolomeu de Frias, os quais juntos com granjearia que tem, valerá toda vinte mil cruzados. Seu irmão, Gaspar de Brum, quase terá outro tanto, segundo dizem.
O bacharel João Gonçalves, morador no lugar de Rosto de Cão, teve cem moios de renda, além de outra fazenda, que toda poderia valer vinte e cinco mil cruzados. Falecendo sua mulher, de que não teve filhos, fez partilha, sem ninguém os ouvir, com seus enteados António Furtado e Jorge Furtado; e coube a cada um oito mil cruzados. Teve Jorge Furtado trinta moios de renda.
Casou o bacharel João Gonçalves, segunda vez, com uma filha de Lopo Anes de Araújo, de Vila Franca, de que houve um filho e uma filha; e tornando-se a fazer inventairo de sua fazenda e partilha com estes dois filhos da segunda mulher, valeu sua fazenda outros vinte e cinco mil cruzados. E ficando Francisco Ramalho por curador dos dois órfãos, casou a filha com Jorge do Amaral, com dote de quinze mil cruzados, e o filho, chamado Hierónimo Gonçalves, homem de muita virtude, com uma sua filha, com dispensação de Roma. Vale agora sua fazenda vinte e cinco mil cruzados, tudo em propriedades.
Francisco Ramalho tem fazenda de raiz e traz em trato valia de vinte mil cruzados.
Pero Gonçalves Delgado viveu cento e catorze anos, tendo sempre boa disposição e juízo perfeito, e o mais são homem, que se viu nesta ilha. Sendo desta idade, subia e descia por uma escada, como homem mancebo. Viveu próspero e abastado, e, além do que havia de sua lavoura, teria até quarenta moios de renda. Seu filho, Diogo Vaz Carreiro, que Ihe sucedeu em toda a herança, chegou a ter oitenta moios de renda. Fez o mosteiro de freiras, da invocação de Nossa Senhora, em uma ermida de Santo André na cidade da Ponta Delgada, para se nele meterem suas parentas pobres; tendo-o já quase acabado, faleceu deixando-lhe terras, que renderão como sessenta moios de trigo, cada um ano. Ficou por padroeiro do dito mosteiro seu sobrinho o licenciado António de Frias, cavaleiro do hábito de Cristo, com vinte mil réis de tença, que casou com uma sobrinha de sua mulher Beatriz Roiz Camela, com que Ihe deram em dote trinta moios de renda.
Gonçalo Vaz, o Grande, teve duzentos moios de renda; e Gonçalo Vaz Botelho, seu filho, teve outros tantos. Repartiram-se estas rendas por seus filhos e herdeiros.
Afonso Roiz Cabea, morador em Vila Franca antes do dilúvio dela, homem fidalgo, natural de Portugal, de Povos, cujo parente é Melchior Gonçalves, chançarel que foi de todas estas ilhas, tinha quatrocentos moios de renda; foi rendeiro de el-Rei e levou-Ihos todos, com outra mais fazenda que Ihe ficou.
Gaspar de Betancor teria até oitenta moios de renda. Trazia na corte seu filho Henrique de Betancor, que lá casou, em Évora, e uma filha, por nome D. Beatriz era dama da Rainha, mulher de el-Rei D. Manuel; foi a Castela com a Imperatriz, onde casou com D. Pedro Lasso, e mandou ir desta ilha a D. Isabel, sua irmã, que foi aia da Princesa, que casou em Portugal, a qual D. Isabel casou depois com D. Pedro Lasso, marido que foi de sua irmã D. Beatriz, e mandou ir de cá a Castela seis sobrinhas suas, duas, filhas de um seu irmão, e quatro, de António Juzarte, grande fidalgo, e de D. Guiomar de Sá, que depois casou com D. Fernando , das quais sobrinhas casou quatro com quatro morgados, e uma com um seu enteado, que era morgado de seis contos de renda; outra não quis casar e foi freira.
O contador Martim Vaz Bulhão teve passante de cem moios de renda e era homem fidalgo de Portugal; repartiu sua fazenda por seus herdeiros, Manuel de Melo, a mulher de Garcia Roiz Camelo, a mulher de Simão Roiz Rebelo, almoxarife que foi nesta ilha, e a mulher de Simão Godinho, fidalgo.
Jorge Nunes Botelho foi dos mais graves e honrados homens que houve nesta ilha e como tal se tratou sempre; teve de seu passante de cinquenta moios de renda, afora outra fazenda, que tudo podia valer doze mil cruzados.
Jorge Nunes Botelho, filho de Diogo Nunes Botelho, que foi contador em todas estas ilhas, e sobrinho de Jorge Nunes Botelho, acima dito, vive em suas terras abastadamente, com o que herdou de seu pai e mãe e do que houve em dote com sua mulher e do que há com sua granjearia de pastel e trigo, que nelas faz; terá de seu até oito mil cruzados.
António Borges, do hábito de Cristo, com tença de vinte mil réis viveu mui abastado; foi sempre dado a coisas de honra. Mandou dois filhos seus à Índia, onde faleceram em serviço de el-Rei. Deixou aos vivos fazenda, que valeria doze mil cruzados.
Baltasar Rebelo, seu genro, que foi casado com sua filha Guiomar Borges, teve de renda oitenta moios de trigo, afora outra muita fazenda que deixou a seus filhos.
D. Fernando, que foi casado com D. Guiomar de Sá, viúva, teve fazenda e moios de renda, que por falecimento de ambos valeriam mais de seis mil cruzados.
Rui Velho possuiu boas terras que Ihe ficaram de seus antepassados, que foram dos primeiros que povoaram esta ilha; teve de seu mais de trinta moios de renda e outra fazenda, que toda podia valer dez mil cruzados, os quais ficaram por seu falecimento a seus filhos.
Pero de Teves foi muito rico; teria oitenta moios de renda e teve muitos filhos entre os quais se repartiram.
Álvaro Velho Cabral poderia fazer até setenta moios de renda, porque tinha boa fazenda, mas, com fianças e deitar em rendas de el-Rei, e em buscar uma ilha nova, a perdeu toda.
Pedro Afonso Colombreiro tinha cento e vinte moios de renda, que se repartiram por dois filhos e uma filha. Um filho chamado Sebastião de Sousa casou com D. Isabel, filha do doctor Francisco Toscano, corregedor que foi nesta ilha, de que houve uma filha, chamada D. Lianor, de grande virtude, que casou com Martim de Sousa, grande cavaleiro e do hábito de Cristo; o outro, Jorge Camelo da Costa, casado com D. Margarida, filha de Pero Pacheco, terá setenta moios de renda e granjearia de sua lavoura nas Feiteiras, onde vive, e nos Mosteiros, que valerão mais de quinze mil cruzados.
A filha de Pedro Afonso Colombreiro casou com Francisco de Mendonça, filho de Mendo de Vasconcelos, fidalgo; houve em casamento sessenta moios de renda.
Pero da Costa, de Vila Franca, terá trinta moios de renda e outra fazenda, que pode tudo valer oito mil cruzados.
Amador da Costa, seu irmão, quarenta moios e outra tanta fazenda, que deixou a seus filhos Manuel da Costa e Álvaro da Costa, que agora a possuem.
Francisco de Arruda da Costa, seu irmão, que se pode chamar com muita razão Pai da Pátria, terá em renda e fazenda e granjearia, que traz de pastel, doze mil cruzados.
Fernão Camelo tinha de renda sessenta moios. Trazia cinco filhos na Corte, sc., Pero Camelo, Jorge Camelo, Gaspar Camelo, Henrique Camelo e Manuel Camelo, e casou duas filhas, uma com Pedro Afonso Colombreiro, atrás dito, e outra, na ilha Terceira, com Pero Homem da Costa, fidalgo, morador que foi na Praia, e toda a renda se gastou com os filhos.
João Álvares do Olho foi muito rico; teria noventa moios de renda, que se partiu com seus filhos, que eram muitos.
Pero Jorge, pai de Hierónimo Jorge, também tinha boa fazenda em terras na cidade, em que faria sessenta moios de renda, de que deixou um morgado a seu filho, que agora possui seu neto.
Rui Lopes Barbosa foi muito rico; teria cem moios de renda; casou na Ribeira Grande com uma filha de Fernandeanes Tavares, que Ihe deu muita parte dela. Casou uma filha com António Borges, feitor de el- Rei, homem de muita qualidade.
Domingos Afonso, do lugar de Rosto de Cão, natural desta ilha, teve cento e vinte moios de renda, com outra fazenda, que valeria toda dezasseis mil cruzados, ajuntada com sua indústria.
Casou uma filha com o licenciado Bartolomeu de Frias, que terá agora trinta moios de renda, e outra fazenda, que valerá toda doze mil cruzados.
Hierónimo de Araújo teve trinta moios de renda, e outra fazenda, que pode toda valer oito mil cruzados.
Bartolomeu Jácome Raposo, filho de Sebastião Jácome Raposo, tem um morgado que houve por morte de seu pai e avô Jordão Jácome, que rende mais de setenta moios de trigo.
Gaspar Ferreira teria cinquenta moios de renda, e grande trato e muitas casas na cidade da Ponta Delgada, mas com rendas de el-Rei, e outros partidos, se perdeu quase toda.
Dos Farias, do Regno, procedeu António Lopes de Faria, que viveu nesta ilha na vila da Alagoa, casado com Maria da Costa, de grande caridade e virtude, sem ter filhos. Teve cem moios de renda e muita fazenda, que granjeava, que toda poderia valer sessenta mil cruzados.
A maior parte dela deixou a Pero de Faria, seu sobrinho mais velho e dizem que duzentos mil réis a António de Faria, sobrinho mais moço.
Afonseanes dos Mosteiros, natural de Portugal, teria cento e cinquenta moios de renda e lavoura e muito móvel e dinheiro, que se repartiu por seus herdeiros. E deixou um morgado, avinculado a um anal que se diz em uma capela de São João Baptista, que fez na Casa da Misericórdia do Esprital da cidade da Ponta Delgada.
Aires de Oliveira tinha cem moios de renda, sem ter mais que uma só filha, que faleceu antes dele, pelo que deixou a sua ametade à Casa do Esprital e Misericórdia da cidade da Ponta Delgada, e repartiu em outras obras pias.
Garcia Roiz Camelo teria até cinquenta moios de renda. Gaspar de Viveiros, quarenta, Aires Pires, marido de Margarida Mendes, outros tantos, que herdou Amador da Costa, do lugar de São Roque.
Pero Castanho tinha, entre moios de renda e granjearia, fazenda que podia valer mais de dez mil cruzados.
Veio de Portugal a esta ilha um Bartolomeu Roiz, chamado da Serra, porque morava nela, na freguesia dos Fenais, termo da cidade, onde comprou uma fazenda com muito dinheiro que trazia; e, por ser rico e discreto, casou com Isabel Cabeceiras, filha de Gonçalo Vaz Delgado, homem muito honrado, mas já então era pobre. O qual Bartolomeu Roiz tomou a Jácome Dias Correia de arrendamento um bom pedaço de terra, que tinha coberto de pampilho, sem se poder desinçar, que o dito Jácome Dias Ihe deu por muitos anos e que nos três primeiros nada pagasse, mas dai por diante a tivesse por sua renda barata. E de tal modo a alimpou, que ficou estercada com o pampilho que se secou em montes, pondo o fogo nele, e ficou como terra nova que dava cada moio trinta moios de trigo, donde ajuntou muito dinheiro. E, vindo a esta ilha uns egyptanos, em um dia de Natal Ihe roubaram de uma caixa setecentos e cinquenta mil réis em ouro e tostões; e achando-se o cofre quebrado, junto da casa, sem dinheiro, querelou ele os egyptanos, dos quais prenderam sete ou oito, que estiveram na cadeia passante de um ano, em que foi o feito a Portugal; e, por não provar o furto, pagou todas as custas e injúria, que chegou tudo a cem mil réis. E logo se suspeitou que, sob capa dos egyptanos, o roubaram uns seus parentes. Teria este Bartolomeu Roiz de suas terras e lavoura trinta moios de renda.
E tinha na serra, onde morava, e em seu pomar, perto de seiscentas colmeias, de que tirava cada ano mais de uma pipa e um quarto de mel. Tinha muitos filhos e filhas, a que deu seus casamentos, pela qual razão, quando faleceu, já não estava tão rico, nem o ficaram seus herdeiros.
Manuel do Rego, irmão de Gaspar do Rego Baldaia já defunto, foi bom cavaleiro, muito honrado, cortês e benquisto na terra; deixou nove ou dez filhos e filhas.
Das fêmeas, que eram seis ou sete, quatro delas metidas em o mosteiro da Esperança da cidade, da ordem de Santa Clara; aos quais filhos ficariam até oito mil cruzados de fazenda.
Manuel Pires de Almada, cavaleiro fidalgo nos livros de el-Rei, curioso de aproveitar seus filhos, todos mandou aprender a Salamanca e Coimbra, e gastou com eles o principal de sua renda, que será como quarenta moios cada ano, e outra fazenda, que valerá tudo vinte e cinco mil cruzados. Seu primeiro filho, Gonçalo do Rego, foi professo na Companhia de Jesus, bom pregador e de grande conselho, tido por santo. Outro, chamado Baltasar do Rego Sanches, depois de acabar seu estudo e ser bacharel formado, foi despachado por juiz de fora de Mértola e juiz do verde montado e da alfândega e alcaide das saquas . Esteve com estes cargos dois anos, pouco mais ou menos, e depois de ter servido este tempo, sucedendo as alterações destes Reinos, não consentiu ele alevantar-se na vila de Mértola nenhum Rei, até não mandar a Lisboa, antes o defendeu às cutiladas, ele e outros amigos seus. O duque de Medina Sidónia, que combatia o Reino de Portugal por aquela parte do Campo de Ourique, lhe tinha mandado muitos recados que se entregasse, o que ele não fez até Ihe não vir recado de Lisboa; e vindo, soube como estava todo o Reino entregue a el-Rei, nosso Senhor; entregou-se também e fez muita festa ao estendarte de Sua Majestade, e o duque Iho agradeceu muito, em nome de Sua Majestade. Foi despachado por juiz de fora da cidade de Faro, onde esteve oito meses; mandaram outro juiz de fora para a dita cidade, que antes dele estava despachado; veio-se ele para Lisboa, foi dar sua residência a Mértola. Despacharam-no por juiz da cidade de Silves, para onde ele não quis ir, pelo que esteve sem despacho um ano, como agravado. Deram-lhe depois disso a correição da comarca de Alenquer, onde serviu três anos de corregedor, e prendeu um homem que fazia moeda falsa, que foi queimado com outros três companheiros; e eram as moedas de sorte que os mesmos moedeiros e ourivres da prata não sabiam determinar-se se eram tais. Sobre isto traz seu requerimento. A um escrivão que foi com ele deram mil cruzados de mercê e outras mais. Acabando o tempo nesta comarca, foi despachado por provedor da fazenda de el-Rei, nosso Senhor .
Há nesta ilha, neste tempo de agora, e sempre houve, número de trinta até quarenta homens da terra, que todos negoceiam de três até vinte, trinta, quarenta mil cruzados de suas fazendas e pastel, e outras mercadorias, com muita qualidade cumprindo a risco o que ficam e prometem, negociando uns com outros partidos de muita quantidade, sem escrituras, com suas palavras; e com quantos trabalhos há nestes tempos presentes, têm mão na verdade, folgando sempre de a tratar e conservar, e até agora, ainda que muitas perdas tiveram, estão restaurados em suas fazendas e inteiros em seu crédito. Os que agora vivem, são estes: Gaspar Dias, genro de Miguel Lopes de Araújo, cuja renda cada ano será duzentos moios de trigo e móvel mais de quinze mil cruzados, e toda valerá quarenta mil cruzados; Cristóvão Dias, seu irmão, cuja renda, trato e móvel valerá dez mil cruzados, o qual está casado com D. Margarida de Sá, filha de Henrique de Betancor de Sá, morador que foi na vila da Ribeira Grande.
António Mendes Pereira, valia sua fazenda dezanove mil cruzados. A do contador, que foi Francisco Mendes Pereira, seu filho, vale dez mil; e a de seu irmão António Mendes, que tem vinte moios de renda, vale mais de vinte mil cruzados.
Jorge Gonçalves de Figueiredo é dos Figueiredos; tem um filho doutor, em leis, que pretende cátedra em Coimbra; e uma filha freira; e outra, por nome Caterina de Figueiredo, casada com Paulo António, escrivão na cidade da Ponta Delgada, de muita virtude e verdade, filho de António Lourenço, que veio muito rico da Índia, e de Ambrósia Antunes, naturais de Lisboa; e outra, chamada Maria de Figueiredo, que casou com Martinhanes de Sousa, filho de Jordão Jácome Raposo. Este Jorge Gonçalves tem mais de quinze mil cruzados. João Roiz, de S. Pedro, sogro de Hierónimo de Rego, terá outro tanto. André Gonçalves, o Ruivo, outro tanto.
João Álvares Rodovalho vale o seu dez, até doze mil cruzados. Adão da Silva, quase o mesmo. Diogo Mendes, quatro mil cruzados. Lucas Dias, três, até quatro mil cruzados. Álvaro da Cunha o mesmo. Pero Fernandes Moreira, seu genro, que tudo é uma casa, cinco, até seis mil cruzados. Francisco Martins Barros, oito, até nove mil cruzados. Manuel Jorge da Cunha, outro tanto. Francisco Vaz de Andrade, quatro, até cinco mil cruzados. Manuel Martins Soares, de grande habilidade, genro de Brás Raposo, terá de seu quinze mil cruzados. João Fernandes Barros teve mais de três mil cruzados.
Negociavam os Crastos, do Porto, Sebastião de Crasto e seus filhos, Manuel de Crasto e António de Crasto, em mercadorias de açúcares de sua lavra em Vila Franca, fazenda que, por falecimento de Manuel de Crasto que faleceu derradeiro na era de mil e quinhentos e oitenta e quatro anos, valeria quarenta mil cruzados, ficando à mãe dele, a qual ela possui agora e Diogo Leite, seu genro, do hábito de Cristo, discreto e nobre fidalgo, casado com D. Helena, irmã dos ditos Crastos.
Veio a esta ilha, o ano de mil e quinhentos e trinta e dois, João Lopes Cardoso , com João de Belas, seu tio, feitor destas ilhas, e, estando nesta, o casou com Cecília Luís Maga, filha que foi de Pedreanes, o Cavaleiro, e de Caterina Luís Maga, sua mulher. Teve a dita Cecília Luís dois irmãos, um por nome Gaspar Vaz de Sousa, que foi genro do Congro e coronel do campo do Imperador, e morreu na subversão de Vila Franca do Campo; e outro, Baltasar Vaz de Sousa, foi capitão da infantaria em Mazagão. Deram em casamento a João Lopes, com sua mulher, duzentos mil réis, com os quais tratou três ou quatro anos, e no cabo deles comprou o ofício de escrivão, que tem, a um Gaspar de Freitas, seu antecessor, o qual ofício serve e serviu de quarenta e sete anos a esta parte, e neste meio tempo nunca foi suspenso, nem compreendido em erros dele.
E com o ganho de seu trato, que teve em princípio, e o ganho de seu ofício, algum pastel granjeava, Ihe fez Nosso Senhor as mercês que agora direi.
O ano de mil e quinhentos e quarenta e nove foi a Portugal, à cidade de Beja, donde é natural, filho de Pero Martins Cardoso e de sua mulher Isabel Lopes, já defuntos; e por ter uma irmã, chamada Lianor Lopes, solteira e órfã, a trouxe a esta ilha, para sua casa, e a casou na cidade da Ponta Delgada com Diogo de Melo, homem por geração mui honrado , e Ihe dotou duzentos mil réis; mas o seu vale hoje doze mil cruzados, em propriedade e trato .
Depois do qual casou duas criadas suas e vivem mui honradas.
Também casou uma filha, por nome Maria Lopes, com João Roiz Ferreira, homem fidalgo, ao qual dotou mil cruzados, de que tem seis filhos e filhas. Vale o seu quatro até cinco mil cruzados.
Casou outra filha, chamada Catarina Luís Maga, com Francisco Lopes Moniz, homem dos principais desta ilha, de que tem seis filhos e filhas. Valerá o seu oito mil cruzados .
Casou outra filha, por nome de Hierónima Lopes, com António de Matos de Sousa, dos principais da ilha, ao qual dotou quinhentos mil réis, de que tem uma só filha. Valerá o seu mil cruzados.
Daí a pouco tempo, casou outra filha, chamada Guiomar Lopes, com Bartolameu Nogueira, filho do licenciado Manuel de Oliveira, homem principal da terra; dotou-lhe seiscentos mil réis; e, andando para parir, faleceu, e daí a poucos dias mataram os franceses, que vieram com D. António, ao dito Bartolameu Nogueira.
Sustentou um filho na corte, chamado Pedreanes Mago, em casa do secretário de el-Rei D. Sebastião, que está em glória, com o qual gastou quinhentos cruzados; o qual foi para a Índia em foro de moço da câmara, e ia na casa do viso-rei D. Luís de Tayde ; e em Moçambique, estando a nau para dar à vela, desandando com o cabrestante, o matou.
Tem outro filho, por nome João Lopes Cardoso, moço da câmara de Sua Majestade , canonista, bacharel formado em Coimbra, de grande erudição e virtude , com o qual tem gastado perto de mil cruzados.
Tem outro filho, chamado Belchior Luís Mago, que traz no estudo nesta ilha, e é bom latino.
E outro filho, por nome Francisco Cardoso de Espinosa , também moço da câmara de Sua Majestade, que anda no estudo. Os vivos são por todos oito, ainda que sua mulher pariu vinte vezes .
Tem mais um filho, por nome Sebastião Luís Cardoso, ao qual entregou há muitos anos sua fazenda, de que tem dado até agora boa conta, aumentando-a; e ainda que os franceses e perdas do mar e outros desastres que teve o estorvaram; contudo há recebido de Deus mui abalizadas mercês, aumentando-se a fazenda em muito crescimento e não menos honra. O qual foi, o ano de mil e quinhentos e oitenta e dois, a Portugal concluir certos negócios de sua mercancia e, entre outras coisas, requereu a Sua Majestade os serviços que Ihe fizera nesta ilha, nas alterações que nela aconteceram e nas escaramuças que houve com os franceses que a ela vieram; e Ihe fez Sua Majestade mercê de o tomar por cavaleiro fidalgo de sua casa e de trinta cruzados de tença, em cada um ano, pagos nesta ilha; e assim mais Ihe tomou dois filhos por moços da câmara. Tirou no Regno o brasão de seu pai, da progénia dos Cardosos. Tem por armas no escudo, com o campo vermelho, dois cardos verdes, postos em pala, com as raízes e floridos de prata, entre dois leões de ouro batalhantes, armados de preto; elmo de prata aberto, guarnido de ouro; paquife de ouro e vermelho e prata e verde; e por timbre uma cabeça de leão de ouro, que Ihe sai pela boca um cardo verde, florido de prata, e por diferença uma frol de liz, de prata.
Requerendo também o dito Sebastião Luís Cardoso a Sua Majestade os serviços que seu pai fizera, no dito tempo, nesta ilha, apresentando disso certidões e uma carta que Sua Majestade Ihe escreveu, Ihe fez mercê, ao dito João Lopes, de o tomar por cavaleiro fidalgo de sua casa, e Ihe tomou dois filhos seus por moços da câmara. O qual João Lopes se tratou sempre muito bem, com escravos e escravas e homens de serviço, e cavalo e mula na estrebaria, vivendo sempre a lei de cavaleiro e é da governança da terra .
Valerá o seu hoje em propriedades e moios de foro, casas e vinhas, como três contos de réis; e, com o que têm seus genros e filhos, vale até dez contos de réis. E até hoje os três genros atrás ditos que tem vivos, todos servem de capitães da milícia nesta ilha, convém a saber: João Roiz Ferreira, no termo da Relva, onde vive: Francisco Lopes Moniz, na vila da Alagoa; António de Matos de Sousa, em Vila Franca, onde vive.
Casou depois do sobredito uma filha, por nome Isabel Cardosa, com Francisco Corrêa Rodavalho homem principal da ilha e de nobre geração, ao qual deu mais de dois mil cruzados em casamento; e vale o seu, hoje, cinco mil cruzados, e seu pai, João Álvares Rodavalho, tem fazenda que vale mais de doze mil cruzados.
Depois casou seu filho Sebastião Luís Cardoso, da governança da cidade da Ponta Delgada, com Isabel do Quental de Sousa, mulher principal, de muito nobre geração e dos primazes que há e houve na ilha; e vale hoje sua fazenda quatro mil cruzados.
E depois disto, trazendo o dito João Lopes um filho, por nome Belchior Luís Mago, no estudo, de idade de vinte anos, de seu moto próprio pediu a seu pai Ihe mandasse fazer um hábito, e feito se embarcou com um parente seu, Fr. Pedro mestre, para a ilha Terceira, onde vestiu o hábito e tomou o jugo do Seráfico Padre S. Francisco , e agora se chama Fr.
Agostinho da Madre de Deus, já de ordens de Evangelho. Tem já o dito João Lopes Cardoso quatro bisnetos e será de oitenta anos.
Baltasar de Sousa, filho de Pero Roiz de Sousa e sobrinho de Baltasar Roiz, de Santa Clara, foi às Antilhas e veio de lá casado; vive agora na cidade da Ponta Delgada. Vale o seu trinta mil cruzados em propriedades, dinheiro e trato.
Afora os ditos, de três mil cruzados abaixo, há muitos naturais e estrangeiros, que tratam com suas fazendas, com muita verdade, sem haver falta nela, e em trezentos mil cruzados, que cada ano negoceiam uns e outros, se não fazem antre eles dez escrituras públicas; abasta que pagam o que devem, sem os ouvir ninguém, e têm por abatido aquele com quem têm dúvida e, quando alguma se move, procuram conserto nela e na que se pode mover. Aqui negoceiam cada ano, ordinariamente, até vinte e cinco naus ingresas, e alguns anos mais; nunca se achou que ingrês se aqueixasse de mau trato, nem engano, que nesta terra Ihe fizessem. E presume todo o mercador, que daqui passa letras, serem mui certas e de muito bons cumprimentos. De modo que em nenhuma parte há praça tão pequena e melhor que esta o dia de hoje, com quantos trabalhos há nela nestes tempos presentes.