No ano de mil e quinhentos e setenta e cinco, movido por alguns santos respeitos, o sereníssimo Cardeal Infante que depois foi Rei, mandou a estas ilhas por inquisidor ao reverendo licenciado Marcos Teixeira, natural de Braga ou Lamego, o qual chegou na armada a esta ilha de S. Miguel no fim do mês de Julho do dito ano, e desembarcou com cinco padres e irmãos da Companhia de Jesus, que vinham para o colégio da cidade de Angra, na vila do Nordeste desta ilha. Donde caminharam por terra e foram ter à cidade da Ponta Delgada e nela estiveram alguns dias até a armada partir para a Terceira, aonde chegaram a três de Agosto do dito ano. E foi recebido pelo Cabido e frades de S. Francisco, com pálio e Te Deum Laudamus; na qual ilha esteve espaço de três ou quatro meses, visitando e fazendo seu ofício de inquisidor. Daí mandou carta à Câmara da cidade da Ponta Delgada, que queria vir visitar esta ilha, com carta do Senhor Cardeal e de el-Rei, nas quais encomendavam ao dito inquisidor fizessem tanta honra como se eles viessem em pessoa. O que visto pelos vereadores da dita cidade, puseram diligência para que o dito inquisidor fosse recebido com toda a festa e honra possível. E ordenaram que se fizessem prestes muitas barcas e barcos, com muitas e várias invenções dentro neles e ornados pelo melhor modo que pudesse ser. E logo para eles vereadores fizeram ordenar uma barca, feita a modo de uma galé com varandas de popa, cobertas de veludo de cores, pintada toda de lavores e alcatifada, com uma cadeira de estado no meio, para nela desembarcar e se assentar o dito inquisidor entre os vereadores assentados pelas ilhargas da dita barca, em bancos.
O grão capitão Francisco do Rego de Sá ordenou com grande gasto um barco feito a modo de um dragão, coberto todo de conchas, com dois remos a modo de duas asas, com que se ia empuxando da água. Parecia propriamente ao natural um dragão que ia andando pela água. E dentro nele levava sua música de muitos instrumentos e boas vozes.
Além destes dois barcos, se fizeram mais seis em que foram muitos homens nobres, da governança da terra; todos os ditos barcos feitos a modo de galés, com esporões e varandas cobertas todas de sedas e muitas bandeiras de seda, e alcatifadas, com muitos tiros de fogo e instrumentos de música, motetes de ponto de órgão, com várias e ricas invenções, segundo cada um melhor o podia fazer.
Estando este sumptuoso aparato prestes por espaço de quinze dias, apareceu uma caravela que vinha da ilha Terceira, e como pelo dito inquisidor se estava esperando, por ele assim o ter avisado, saíram todos os ditos barcos pela ordem que está dita, com muita festa e alegria para o receberem. Chegando a bordo, souberam como não vinha na dita caravela, por ficar o seu escrivão mal disposto. E como isto era já no mês de Novembro e fazia inverno, se desaparelharam as ditas barcas e finalmente se desfez aquela pompa com que determinavam de o ir receber ao mar.
Daí a poucos dias, chegou ao porto da mesma cidade o dito inquisidor, o qual ainda que não se recebeu com as pompas atrás ditas que lhe estavam aparelhadas, foi recebido dos vereadores e todos os da governança e mais gente nobre da cidade e de todo o povo, com muita alegria e contentamento de todos. Desembarcando no cais, onde o estavam aguardando a cleresia dela e frades de S. Francisco, com suas cruzes alevantadas, foi deles recebido debaixo de um pálio de brocado, levando as varas dele as pessoas mais nobres e antigas da terra, e cantando o psalmo de Benedictus Dominus Deus Israel o levaram à igreja principal do Mártir S. Sebastião da dita cidade da Ponta Delgada. E daí acompanhado de muita gente nobre e outra popular, o foram aposentar no mosteiro de S. Francisco, donde depois saiu a visitar e fazer seu santo ofício, suave e inteiramente, em toda a ilha. É agora este senhor no Reino auditor da Legacia, desembargador da Mesa da Suplicação e da Consciência.