O nascimento do Capitão Alexandre foi em Vila Franca desta ilha, na era de quarenta e dois anos. Seu pai se chamou Cristóvão Dias Correia, da linhagem dos Correias por linha direita.
Sua mãe, Hipólita das Cortes, da nobreza dos Colombreiros.
Foi inclinado à arte militar; sendo de idade de dezassete anos, se foi desta ilha. Começou a servir aos Reis de Portugal na mesma idade, na fronteira de Mazagão; achou-se nele no tempo que Muley Admete, filho de Muley Abadata, o veio cercar. Foi um dos sete soldados que saíram com Pero Paulo em uma barca, os quais desembarcaram na Pescaria, um quarto de légua de Mazagão e reconheceram o campo mourisco; retirados aonde tinham sua barca, a mais de duas horas do dia, tomaram Almansor, vindo fazer asselá , e o trouxeram à fortaleza.
Foi um dos onze que foram com António de Freitas à cidade de Anafe o dia que prenderam o Xeque Magolu e seu criado Ambarque, estando ali aduares, em que estavam mais de três mil mouros.
Foi um dos quarenta que saíram com Pero da Cunha nas Hortas, quando se prendeu Side Abrahem e Side Maçaode. E em todos os mais rebates e ocasiões que houve no tempo que esteve em Mazagão deu satisfação de si.

No ano de 63, se veio a Lisboa por se aparelhar de armas e cavalo. Ali lhe sucedeu certo negócio, por onde lhe foi forçoso passar-se a Itália. E neste mesmo ano entrou no serviço da Majestade de el-Rei Filipe, que hoje em dia é Rei e Senhor nosso.
Embarcou-se no porto de Santa Maria, na galé Patrona de Hespanha, de que era capitão Fernão de Escobar. Idos a Málaga, se ajuntaram com a armada que trazia D. Garcia de Toledo, com que foram sobre o Pinhão de Belles, onde o ganharam e ele se achou. E ganhando, se foram a seus invernadouros.
No fim deste ano, tiveram novas que o Xarife tinha cercado a torre de água de Belles.
Assim mandou Sua Majestade logo que, com duas galés bem armadas, a fossem socorrer.
Encomendou-se o socorro ao capitão Guterre d’Argoulo; da volta que vinham sobre a Fangirosa, que são três léguas de Málaga, acharam uma galeota, véspera de Reis à meianoite, e dando-lhe caça a investiram. O Capitão Alexandre levava por camarada Miguel de Amendanho, biscainho, com quem ia ajuramentado que ninguém entrasse diante deles nos navios que encontrassem. Indo a galeota na volta de terra, a galé a investiu com tanta fúria pelo pé do masto que a quebrou toda. Neste tempo, tinha o Capitão Alexandre saltado ao esporão e entrou na galeota, a qual logo ficou feita em pedaços por baixo da galé, sem que nela entrasse outro nenhum, salvo ele; porque o companheiro ficou dependurado do vento das arrombadas da galé e foi a galé avante tanto espaço, que havendo o Capitão Alexandre nadado mais de três horas, vendo-se já alcançado das forças e alento, tendo por remédio o afogar-se somente, naquele instante lhe veio à memória a Virgem da Vitória do porto de Santa Maria, e em se lembrando dela se achou posto em cima de uma tábua, sobre a qual esteve até que a galé tornou àquele lugar, porque com a obscuridão e grita dos mouros que andavam nadando o não ouviram, por onde se entende que a Virgem Nossa Senhora fez por ele milagre.

No ano de sessenta e cinco, embarcados nas próprias galés, seguindo o mesmo geral D. Garcia de Toledo, partiram de Messina a dar o grão socorro que se deu a Malta, em que se ganhou a artilharia aos turcos, e os fizeram embarcar, e lhe seguiram a armada, até os verem passar pelo Sirgo, que é a boca do canal de Constantinopla.

No ano de sessenta e sete, no fim dele, se vieram a Hespanha, havendo tomado muitos navios de turcos por diversas vezes. Estando invernando em Cartagena, a noite do nascimento de Nosso Senhor Jesus Cristo de sessenta e oito, se rebelou o reino de Granada. A este alevantamento saíram com as galés e, chegados a Almeria, desembarcaram delas duzentos e cinquenta soldados, de que foi capitão D. João Senogueira, e junto com D. Francisco de Córdova, que levava outros duzentos e cinquenta, caminharam para a serra de Inojo, aonde lhe encarregaram, a ele capitão Alexandre, fosse reconhecer o sítio e armas que os mouros tinham; os quais diziam ser dois mil e setecentos. Encarregado disto, tomou consigo três arcabuzeiros e quatro tambores, e subindo à meia-noite por uma alta costa, lhe rodeou o campo e repartindo aos soldados e tambores o lugar que cada um havia de ter, para lhe tocar arma, lhe deu ordem que, tiradas tantas arcabuzadas, eles e os tambores se tornassem a recolher a ele. Feito isto, se recolheu sem perda de nenhum, e deu a seu geral relação tão verdadeira que dando ao outro dia batalha aos mouros, na qual Deus foi servido dar-lhes vitória, ganharam nela duas mil e quinhentas escravas e mininos. Saiu daqui o capitão Alexandre com o braço esquerdo quebrado e com uma arcabuzada na cabeça. Deram-lhe de jóia, pelo que nesta guerra fez, entrasse em todas as escravas e escolhesse duas peças à sua vontade, de mais de cinco que lhe couberam de sua parte.
Durante esta guerra, tomaram a galé de que era capitão Admete, o qual enforcaram em a ilha de Cartagena, porque temerariamente pelejou com a galé Patrona Real e com a capitaina de Gil de Andrade. Havendo os turcos desta galé feito grande dano, o Capitão Alexandre se pôs na dianteira, pela banda esquerda, e pela banda direita outro soldado, amigo seu, chamado Sant’Estêvão. É cousa certa que pela virtude deles se ganhou esta galé, porque nela se mataram sessenta e seis janiçaros , todos a finas cutiladas.
Durante mais a guerra, vieram sobre a serra de Frixiliana, onde estavam fortificados sete mil mouros, os quais Deus foi servido rompessem, com mortes de muitos deles e com lhes cativar suas mulheres e filhos. Saiu ali o Capitão Alexandre com cinco setadas nos peitos e com ganho de quatro escravas.
Durando mais a guerra, estando nos poços de Chovalim, lhe ordenou o comendador mor de Castela saísse com setecentos soldados em terra, por detrás da montanha de S. Pedro, a esperar certos turcos que ali haviam de sair de uma galé, que vinha ao mar carregada de armas para o socorro dos mouros de Granada; da qual saíram duzentos turcos, os quais ele encontrou com sua gente, e foram tão bem governados que, matando alguns dos turcos, lhe prenderam também oitenta, que aquele dia trouxeram às galés.
Em outro dia, na mesma guerra, saiu ele, Capitão Alexandre, com cinco soldados na Rambla de Cautor e dando alcance ao Capitão Barrasquilha, que era capitão de certos turcos que aquele dia abaixaram ali abaixo com trinta dos seus, aos quais seguindo com seus companheiros lhe mataram sete e cativaram quatro. E o Capitão Alexandre trouxe o capitão Barrasquilha cativo, o qual prendeu, rendendo-lhe suas armas.
Durante mais a guerra, ajudou a tomar setenta navios que por vezes vieram de Berbéria a dar socorro aos mouros de Granada.
O primeiro ano que o senhor D. João de Áustria se embarcou nas Salabivas, achou duas galés de turcos, às quais dando caça, investiu uma delas em um lugar que se diz Oné, que é na costa da Berbéria, entre Melilha e Ourão. E tirando os turcos os cristãos em terra para os levar, e não podendo a gente das galés desembarcar, por a arcabuzaria dos turcos ser muita, se meteu ele, Capitão Alexandre, em um esquife com outros cinco soldados, e indo reparados remaram direitos ao leme da galé dos turcos, a que ele Capitão deu um cabo, e remando outra vez para a sua galé, que ali não podia chegar por a água ser pouca, o amarraram, e remando a mesma sua galé para o mar, tiraram a dos turcos. Este serviço teve Sua Alteza em muito, por ser a primeira galé que tomou.
O ano de setenta, se foi a Itália por se achar no socorro de Chipre; embarcou-se com Marco António Colona, geral de toda a armada, no porto de Suda, que é em Cândia. Houveram conselho, o qual foi tão vário que, pela variedade dos capitães contra a opinião de Marco António e do marquês de Santa Cruz e pelos votos dos outros serem muitos, não socorreram a Chipre, mas antes se tornaram a Escarpanto, e daí a Itália.
O ano de setenta e um, foi o senhor D. João de Áustria por geral de toda esta massa e do mais que se ajuntou em Messina. Dali mandou Sua Alteza a Gil de Andrade com sua galé capitaina, e outra de venezianos de que era capitão João Bembo, a reconhecer a armada turquesca, que àquele tempo estava com cerco sobre Catroa. O Capitão Alexandre foi embarcado na capitaina de Gil de Andrade, porque não levavam aquelas galés senão gente mui escolhida; e, chegados a Gulfó, acharam novas que a armada do turco estava no canal, entre Gulfó e Albania. Mandou Gil de Andrade ao Capitão Alexandre que com outros três soldados desembarcasse e atravessasse a ilha de Gulfó e fosse reconhecer a armada turquesca e contasse; o que ele fez, e trouxe tão verdadeira relação que a todos satisfez. Com esta nova se tornaram a Messina onde Sua Alteza estava, e com ela saiu logo em demanda da dita armada turquesca.
Aos sete de Octubro de 71, domingo pela manhã, se descobriram as duas armadas entre as ilhas de Cochilares e Lepanto. Postas em batalha, lhe entregaram ao dito Capitão Alexandre a proa da galé Patrona Real, de que ele era soldado naquele tempo, para que governasse a gente que pelejava nas arrombadas e do masto à proa, com a qual ele havia de entrar nas galés turquescas, vendo tempo oportuno; o que ele fez com tão boa ordem que, ganhada a galé de Caraoja, passou à de Maamutaga; pelejando nela, ao masto,
foi desamparado dos seus, com não ficar com ele mais que um soldado, chamado Francisco Osório; e foi Deus servido que tiveram tão boa manha que acabaram de render a galé.
E vendo naquela hora a gente que pelejava na Real do Turco estar parada e tíbia, ele, Capitão Alexandre, deu grandes brados, nomeando a muitos, que ali estavam, por seus nomes, e dizendo-lhes: — vitória, vitória; e alevantando na ponta da espada uma bandeira, se tornou a gente a animar e se acabou de ganhar a galé Real do Turco. E recolhendo o Capitão Alexandre sua gente, se tornou à galé Patrona Real, que estava investida de duas galés turquescas pela popa, as quais logo, com arcabuzaria que ele trazia consigo, fizeram retirar. E caminhando com a Patrona Real, investiram a capitaina de Petrão Baxá, que era o geral da terra. Ali entrou o Capitão Alexandre com obra de vinte soldados, e ganhada a galé se tornou à Patrona Real, a qual foi logo seguindo a de Sua Alteza, até se acabar a vitória. Por estes serviços, lhe fez Sua Alteza mercê de duzentos cruzados para ajuda de custa, e dez daventage cada mês, demais do soldo ordinário. Saiu desta guerra este Capitão Alexandre, com quatro setadas no rosto, uma lançada em uma ilharga e uma cutilada em uma perna.
O ano de setenta e dois, lhe mandou Sua Alteza servisse de capitão da galé Patrona Real; estando em Modon, desembarcou com sua gente, onde se travou escaramuça com dez ou doze mil turcos que naquele tempo saíram de armadas turquescas que estavam em Corron, por lhes estorvar a aguada. Dali levou uma setada em um braço.
Tornando dali para Nabalim, foi Sua Alteza com propósito de dar batalha à armada turquesca que estava metida debaixo da artilharia de Corron, e lhe mandou a ele Capitão levasse a galeaça de Veneza amarrada por popa da sua galé, e chegando à armada turquesca, quando já a artilharia e arcabuzaria lhe começasse a fazer dano, deixasse a galeaça travando a escaramuça e se tornasse a seu lugar, que era a banda direita da Real; e, estando já no lugar que dito era, lhe veio ordem tornasse atrás, porque os do conselho foram de parecer que se não pelejasse debaixo da fortaleza, salvo o senhor D. João, que foi de parecer que se pelejasse. Este serviço fez bem a satisfação de Sua Alteza.
Depois de tudo isto entraram no grão porto de Nabalim, onde desembarcados puseram cerco ao lugar e o bateram.
Aos sete de Octubro de setenta e dois, apareceu a armada turquesca fora das ilhas de Sapiência, e dando-lhe caça uma banda de galés, de que eram gerais Marco António Colona e o marquês de Santa Cruz, se meteram entre as ilhas, revoltos com muitas galés turquescas, e não sabendo Sua Alteza o que lá passava, chamou o Capitão Alexandre que vinha com sua galé à banda direita da Real, e lhe mandou que fosse reconhecer em que termo estava Marco António e o marquês de Santa Cruz, e lhe dissesse de sua parte que, se tinham necessidade de socorro, que chegaria com toda a armada; o que ele fez muito a satisfação de Sua Alteza.
O ano de setenta e três passaram ao reino de Tunes e o ganharam.
O ano de setenta e quatro fez Sua Majestade mercê a D. Alonso Martines de Leiva que servisse de capitão de todos os quatro alvos, que eram D. Diogo de Mendonça, irmão do duque de Infantasgo; D. Luís Bique, comendador maior de Aragão; D. Diogo Osório, sobrinho do marquês de Estorga; D. Guilherme de Roquaful, viso-rei que fora de Malhorca; os quais todos haviam de andar à ordem de D. Alonso Martins de Leiva. Encarregado ele disto, pediu ao senhor D. João mandasse ao Capitão Alexandre que servisse de capitão de sua capitaina e de seu lugar tenente. O senhor D. João lho mandou, e lhe fizeram mercê por isso de lhe acrescentar a paga a quarenta cruzados cada mês, que são trinta demais do soldo ordinário de um capitão.
O ano de setenta e seis mandou o duque de Cezare ao Capitão Alexandre fosse com doze galés a Sardenha, a socorro das de Malta que ali haviam corrido com fortuna e, topando-as uma esquadra de galés de turcos, tomaram uma delas; as outras socorreu o Capitão Alexandre e as trouxe a Nápoles a salvamento. Nesta viagem, atravessando de Civita Vieja para Córsega, em uma ilha chamada Osoãonute, tomou duas galés de turcos, em que tomou duzentos e tantos quintais de pastel que os turcos tinham tomado em uma nau francesa, e o vendeu em Genoa a dois mil e quatrocentos réis o quintal de cem libras.
O ano de setenta e oito, indo em cosso, tomou outras duas galés em uma ilha, chamada Monte Cristo. Os turcos delas fugiram nesta ilha, que, por ser muito montuosa, não se puderam tomar de todos eles mais de dez.
O ano de setenta e nove, indo pela costa de Berbéria, tomou outra galé de turcos, sobre o cabo de Visentor. Neste ano, se veio a armada a Hespanha, onde se fez a massa para Portugal, no porto de Santa Maria, em que se ele achou capitão de sua galé; ali teve muitos recados de D. António e de seus consortes. Levou-lhe estes recados Diogo Bocarro, natural de Beja, e António Giralde que depois foi preso na rota de Alcântara, e Manuel Coelho, de Tânger; com todos estes lhe fazia grandes promessas, de que ele sempre zombou, mas antes lhe aconselhou a ele e a eles o que mais lhe convinha, que era dar a obediência a Sua Majestade.
Acabada a massa, e junta a armada, vieram sobre Lisboa. O dia da batalha lhe encarregaram a banda da terra, a qual ele levou recolhida e ordenada, assim como lhe foi encarregado. Neste dia, nem nos mais do saquo , não consentiu, nem permitiu que gente de sua galé saqueasse, nem se ocupasse em mal fazer, mas antes com seus soldados andou sempre defendendo se não fizesse desaguisado. Nisto e em todo o mais que lhe foi encomendado, deu sempre muito boa satisfação de si a seus generais.
O ano de oitenta e um, no mês de Janeiro, foi à Corte, que àquele tempo estava em Elvas, donde Sua Majestade mandou viesse à ilha de S. Miguel. Fez-lhe mercê de quinhentos cruzados de aposentadoria. Deram-lhe em casamento com Catarina Mendes Pereira, filha de António Mendes Pereira, na cidade da Ponta Delgada desta ilha de S. Miguel, seis mil cruzados. Agora terá de fazenda dez mil cruzados e mais o que Sua Majestade lhe dá, afora o hábito de Santiago, que lhe deu com sua tença .
Isto é o que pude alcançar de quem dele sabe e há visto seus papéis. E muitas mais cousas fez grandiosas, além destas.
Chamava-se este valoroso e grandioso Capitão, primeiro Jordão Jácome Corrêa, e depois por sua liberalidade e muita força e ânimo, e pelas cousas grandes e memoráveis que fez em diversas batalhas, lhe chamaram Alexandre, e sendo capitão lhe ficou o nome que agora tem, e se chama o Capitão Alexandre, porque em tudo é grande. É homem de boa estatura, algum tanto moreno, grave no rosto e pessoa, com a barba preta e bem posta, bem assombrado, prudente e de grande conselho, discreto, afábel , cortês e amigo de honrar e fazer bem a todos, sem murmurar de ninguém; merecendo por estas cousas nome na paz, como mereceu na guerra por suas grandes façanhas.