Da muita abundância de vinho de fora e da terra, e de outras coisas diversas, e de alguns antigos costumes que houve nesta ilha, não me atrevo, Senhora, contar com ordem; sem ela, as irei dizendo, como me forem lembrando.
Ainda que em Portugal e Castela, e outras partes, se dá o vinho em terras lavradias, nesta ilha de São Miguel não costumam fazer vinhas senão sobre pedras que, no tempo passado, com terramotos e incêndios de enxofre e salitre, e outros materiais, brotaram de debaixo da terra e correram em ribeiras de fogo sobre a superfície dela, as quais, resfriadas da quentura com que corriam, ficaram feitas pedras e áspera penedia, sobre a qual pelo tempo em diante se criou e nasceu basto e altíssimo arvoredo, o qual roçando depois os moradores desta ilha, por aqueles biscoitais não prestarem para terra de pão nem de outros legumes, prantaram neles vinhas.
Na era de mil e quinhentos, pouco mais ou menos, aconteceu porem fogo a uns bardos dentro nos biscoitos do lugar de Rosto de Cão, o qual se ateou tanto que foi ardendo pelas raízes dos paus e queimando muita madeira, fazendo grande destruição; e por dito de um João Gonçalves, Fadigas por alcunha, homem antigo de mais de cem anos, que o veio dizer à Praça, bradando que se perdia um grande tesouro em deixarem arder aqueles biscoitos, acudiram a isto os oficiais da Câmara da vila da Ponta Delgada, e atalharam ao fogo, fazendo um valado grande, arrancando muita madeira para que não passasse adiante; e por dito deste João Gonçalves Fadigas se prantaram as primeiras vinhas naqueles biscoitais, que então arderam e nada valiam, que agora são um grande tesouro, que ele bradava que neles se perdia.
Foi tido em tão pouca conta o vinho da terra desta ilha, que Jorge Gonçalves Cavaleiro, morador na vila da Ribeira Grande, mandou com ele amassar cal para umas casas que fazia na mesma vila. E agora com o da ilha da Madeira amassam gesso, tanto é o que Ihe deitam.
Nem o vinho da terra se faz bom, senão a poder de gesso, ou com caldeiras do mesmo vinho cozido e deitado com o mais.
Deu esta ilha, em ano de boa novidade, perto de duas mil pipas de vinho, sc., setecentas na cidade, outras tantas na vila da Alagoa, quatrocentas na Ribeira Grande, e as mais no Nordeste e Povoação, e em toda a ilha. Agora, em bom ano, dá quase cinco mil pipas.
Valia o vinho da ilha da Madeira a oito réis a canada; depois a dez e a doze, e no ano de mil e quinhentos e quinze valeu a treze réis; depois foi subindo o preço até cinquenta, sessenta, setenta e oitenta réis, como valeu o ano de mil e quinhentos e oitenta e nove .
Na era de mil e quinhentos e setenta e quatro anos, sendo nesta ilha, na cidade da Ponta Delgada, juiz de fora o licenciado Gaspar Leitão, digno de grandes cargos, se achou por conta, pelo rendimento da imposição da dita cidade que, sem se arrendar, se mandou arrecadar pela Câmara, que saíram desta ilha para fora dela, de vinhos que vieram de outras partes, afora os que ela deu, que foram muitos, doze mil cruzados, convém a saber, seis mil para a ilha Terceira e outras ilhas de baixo, de vinhos que delas vieram, e cinco mil para a ilha da Madeira e mil para Portugal. Foi este ano em que os homens trabalhadores levavam de jornal por dia a dois tostões, dando-lhe a farinha feita, carne e pescado, pedindo um toucinho para cozer na carne, e outro vinho da ilha da Madeira, enjeitando o da terra, afora outras peitas; e, tendo prometido a muitos, iam trabalhar com o primeiro que os ia depois buscar, sem pejo nenhum de faltarem com os outros, tanta pressa havia no trabalho dos pastéis e de outras coisas. Mas nem por isso ficaram mais ricos, porque tudo comiam e bebiam, seguindo ainda a fartura em que esta terra ficou costumada e aforada de seu primeiro princípio, tão abondoso , e farto.
Dizia Rui Fernandes, beneficiado da igreja Matriz de São Sebastião da cidade da Ponta Delgada, que no tempo antigo não se sentia nesta ilha necessidade alguma, e davam trinta codornizes por meio vintém e que, tornando da igreja pelo adro para sua casa, muitas vezes levava na sobrepeliz uma e duas dúzias de galinhas e adens, que entre a muita e crescida erva nele achava. E tanta era a abundância da terra que, no octavário dos Santos, muitas vezes deitavam fora e derramavam o vinho que na igreja ofertavam, da ilha da Madeira, o dia de antes, para recolherem nos potes o que novamente vinha. Era tanta a fartura de todos os moradores desta ilha que não havia quem comprasse coisa alguma, nem se achava pobre a que se pudesse dar uma esmola. Carne de vaca, nem de porco, muitos de fartos a não comiam; até das codornizes se tinha fastio, como os filhos de Israel do maná no deserto, porque dando-as a comer aos moços e criados de casa, choravam e se aqueixavam, dizendo: — sempre nos hão-de dar a comer codornizes. E agora choram, porque ainda os não fartam de cebolas ou abóbora.
Na era de mil e quinhentos e dez valia a canada de mel de canas, da ilha da Madeira, a dez réis, e do de abelhas a vinte.
Valendo o vinho da ilha da Madeira a oito réis a canada, o mercador que o vendia dava a canada do mel de canas a cinco réis, e a de mel de abelhas, que vinha então de Safim, valia a trinta réis.
Na era de mil e quinhentos e quinze, valia a real e meio o arrátel da carne de vaca; vinte codornizes por meio vintém, e outros tantos ovos pelo mesmo preço por que também davam cinco pombas, cinco pardelas e cinco estapagados, que sabiam a peixe, que é o pasto deles e das pardelas; o mel de abelhas a trinta réis a canada, o de canas a vinte e quatro; umas botas, oito vinténs, uns borzeguins lavrados com muita laçaria, cento e cinquenta réis; a carne de chibarro, a real o arrátel; três cavalas, um real; das candeias de cebo, tão grandes como círios, a real cada uma, porque valia uma arroba dele seis vinténs e menos.
Na era de dez e onze, davam um porco gordo da junça por dois tostões, que agora vale três ou quatro mil réis.
Dava esta terra, no princípio, muito linho mourisco e comprido, e não galego, como o de agora; mas as mulheres não faziam caso dele, nem fiavam, e vendo fiar alguma, ou tomar roca na mão, escarneciam dela. Era isto, ou porque o pano de linho, que traziam aqui a vender de Portugal, era muito e barato, ou por o linho da terra ser tão forte que por sua fortidão não tomava fêvara , e por isso acendiam os fornos com ele. Mas, há tanto linho galego e tão bom da mesma terra, que dele e de pano que dele aqui se faz se provê esta terra e outras muitas terras; e está claro, por conta do dízimo que se paga ordinariamente, que só do termo da vila da Ribeira Grande se colhem quatrocentos mil molhos de linho cada ano, afora o mais que se dá em muitas partes da ilha.
Nesta terra não havia muito dinheiro, mas era muita a fartura e a despesa pouca, pelo que com pouco dinheiro era um homem muito rico; como se viu em dois ricos, um chamado Fernão Pires, dos Fenais, e outro Fernão de Anes, da cidade da Ponta Delgada, que, praticando ambos um dia, aqueixando-se o Fernão Pires que não tinha dinheiro, Ihe respondeu Fernão de Anes: — calai-vos, compadre, que aqui tenho na bolsa três tostões para gastar este ano — não abastando agora aqueles para um só dia.
Tão moderados eram os homens do tempo antigo nesta ilha em seu vestir, que Jácome Dias Correia, muito nobre, liberal e rico, e de mui abastada casa, e em todas suas obras de magnífica condição, que seus descendentes herdaram juntamente com sua fazenda, querendo dar uma saia de cetim ou tafetá a uma de suas filhas, o consultou com seus filhos Jordão Jácome Raposo e Barão Jácome Raposo se era bom dar-lha e se murmurariam por isso dele, pois era coisa nova que naquele tempo se não costumava na terra, porque todos vestiam vestidos honestos, sem pompa, nem vaidade alguma, e muitos de pano de míscara , que faziam da lã de suas ovelhas. E neste tempo consultam e julgam os pobres não serem quem são, se não se vestirem de seda, sendo seu tesouro de cobre, pelo que não é maravilha a grande pobreza, fome, miséria e necessidade que há neste tempo de agora nesta ilha, pois não vestem os homens como podem, nem podem como vestem.
Se não eram então os homens curiosos nos vestidos, a curiosidade que neles Ihe faltava punham nos cabelos, porque costumavam trazer cabeleiras postiças, as quais pela semana tinham curadas, loiras, formosas, guardadas e imprensadas, para trazerem por festa aos domingos e pelas Festas.
Um Fernão d’Álvres, medidor das terras, que fez fazer a ponte da Ribeira Grande, por Ihe ser encarregada por arrematação, faleceu de idade de cento e dez anos; era de catorze quando veio a esta terra e viveu nela noventa e seis anos sem nunca cortar o cabelo, mas com o mesmo com que nasceu o enterraram.
O primeiro homem que nesta ilha se trosquiou foi um Estêvão Fernandes, morador na vila da Ribeira Grande, e por isso Ihe puseram nome o Trosquiado, donde ficou esta alcunha a seus filhos e netos e mais descendentes, porque naquele tempo e dantes todos traziam o cabelo comprido e as barbas rapadas; somente cortavam na testa, por desafrontar o rosto, o cabelo que Ihe dava pelos ombros. O que o trazia mais comprido, esse se tinha por mais galante, e os que não tinham bom cabelo o compravam a outros e traziam cabeleiras postiças por galanteria e as levavam por festa, aos domingos e dias santos, à igreja. A um Domingos Pires, sobrinho , de Estêvão Martins, da Ribeira Grande, davam um vestido pelo seu cabelo e não o quis dar por se prezar muito dele. Costumavam os homens curar os cabelos como as mulheres costumam, trazendo-os toda a semana metidos em coifas e copados dentro nelas, para no domingo sairem com eles loiros, copados e louçãos. Isto usavam também alguns homens nobres, porque António Carneiro e Sebastião Álvares de Abreu, fidalgos e discretos, tinham cabeleiras postiças, que eram então grande primor pelo costume da terra. Não se usavam sombreiros; somente costumavam os honrados trazer barretes de cantos e os outros do povo carapuças dos panos que vestiam quando iam os dias de guarda à igreja, porque pela semana traziam carapuças de linho, onde traziam os cabelos imprensados, e havia alguns que nem ao domingo os queriam tirar delas, pelo que, na vila da Ribeira Grande, um Afonso Pires, meirinho dos clérigos, quando alçavam a Deus, andava pela igreja apanhando-lhes das cabeças as coifas por perdidas, sem Ihe dar outra pena.
Quando o Bispo D. Duarte dava ordens, o clérigo ou moço que tomava o cabelo aos que se prezavam mais dele, para Iho cortar por cima e ficar danificado, se punha a grande perigo, porque houve homens tão tomados, corridos e agastados disso, que determinavam de se vingar depois do clérigo ou do moço que Iho cortara tanto.
Assim como os homens no tempo antigo eram singelos no vestido e costume das cabeleiras assim o eram na verdade e justiça singela que usavam; porque ainda, nesta ilha, na era de mil e quinhentos e vinte, ambos os juízes que se costumam fazer em cada vila, estavam assentados na seda e juntamente faziam audiência, e aquele que ouvia as partes, mandando alguma coisa, perguntava ao parceiro que estava junto dele se mandava bem no que dizia, e dizendo-lhe de sim, respondia ele que fosse avante, que bem mandava. Como aconteceu na era de mil e quinhentos e vinte, na vila da Ribeira Grande, a um Gonçalo Anes Bulcão, morador no lugar de Rabo de Peixe, e a Pero Teixeira, que morava na dita vila, o qual teve treze ou catorze moios de terra lavradia de pão e outros tantos ou mais de criação, e, sem casar filho nem filha, veio depois a pedir pelas portas esmolas, sendo de 80 anos quando faleceu; em tão breve vida teve tão grande mudança que chegou de extremo de riqueza a extremo de pobreza, não gastando nada com os filhos, nem em demandas, senão em comer e beber e levar boa vida, procurando só o presente, sem Ihe lembrar o porvir. Da mesma maneira, foram muitos muito ricos nesta terra, que deixaram seus filhos muito pobres.
Um Fernão do Afonso, natural da Serra da Estrela, deixando lá sua mulher com quatro filhos, veio a esta ilha, onde havendo uma dada do Capitão na Achadinha, da banda do norte, foi o primeiro homem que ali fez casa e prantou pomar e vinhas, por espaço de sete anos, os quais passados, foi buscar sua mulher que não queria vir com ele, dizendo que a queria trazer para as ínsuas do mar desterrada; mas, louvando-lhe ele a fertilidade desta terra, a persuadiu vir para ela, onde viveram muito abastados na sua dada, já dantes beneficiada por ele. E, não tendo naquele tempo potes, nem talhas, nem outra louça, se serviam de cabaças em seu lugar e de bacios e escudelas de pau, e o mais grave bacio que tinham era de pau de sanguinho, com um corte dentro no meio, como talho de carniceiro, em que cortavam a carne; e no mesmo punham muitas vezes de comer ao Capitão Rui Gonçalves, primeiro do nome, quando ia à Achada, servindo-se com cabaças, que se davam naquele tempo muito grandes. Se as mulheres ou filhas dele e dos outros Ihe quebravam alguma, escondiam os pedaços dela pelos não verem seus maridos, como neste tempo, quebrando uma rica porcelana da Índia, se abscondem os testos dela, para que se não soubesse a grande perda que se fazia em uma cabaça. E não somente serviam de água, mas de cozer nelas carne, cortados os colos, e postas um pouco debaixo da terra ou sobre ela, barradas ou cercadas de barro e pondo o fogo ao redor delas. Esta era a louça de que então se servia a mais da gente, porque traziam pouca de Portugal e escassamente vinha a esta ilha um navio de ano em ano. Faziam isto alguns por se enfadarem de comer came assada. Seria isto na era de 1501 e de 1502. Também então, com haver tanta madeira de cedro e de outras muitas árvores, por haver falta de oficiais, careciam de caixas e em muitas casas tinham o pão em um cesto dependurado.
Naquele tempo, não tinham os homens outro passatempo, nem exercício em que se desenfadar, senão em jogar os mancais de ferro, ou a pela, ou em correr as pedras, que se costumava muito nesta ilha, pondo certo número delas em um lugar e dali as havia um de passar a outro, uma e uma, enquanto o outro fosse e tornasse a uma parte ou lugar fora daquele em que a aposta se fazia; e se chegava primeiro, antes que aquele as acabasse de mudar, ganhava o prémio, e, se depois, perdia. Estando muita gente vendo aquele jogo, dizendo uns: — tendes aqui tantas pedras, bem as podeis mudar ante que o outro chegue, e ganhar-Ihe. Um Mateus Mendes, na vila da Ribeira Grande, com andar devagar, mas por aturar muito no andar mudando as pedras, ganhava muitas apostas destas. Este era o desenfadamento que então tinham, sem gastar o tempo em murmuração de vidas alheias, como alguns fazem, cuidando que para isso Ihe são dados os domingos e dias de festa.
Também se desenfadavam em ver pelejar touros na praça ou em algum campo tapado, onde os ia ver muita gente, fazendo seus donos aposta, com condição que nenhum falasse ao seu touro, ainda que o visse covardo, o que não podendo alguns deixar de fazer, se armavam às vezes grandes brigas e jogos de cutiladas.
Os coelhos pardos, que mandou trazer o Capitão Rui Gonçalves da Câmara, primeiro do nome, e os pretos que fez vir a esta ilha Tomé Vaz Pacheco, morador que foi em Porto Formoso, multiplicaram tanto, que destruíram as searas; dos quais tomavam e tomam grande número os caçadores, com cães e furão, e com candeio e fios, pelo que valiam no princípio quase de graça e depois vieram a valer três por meio vintém, e pelo tempo adiante dois; e depois três por um vintém, até que chegaram a dez e a vinte réis cada um, e agora comummente os dão a este preço e a mais.
Não somente aproveitaram as vinhas para darem, como dão, muito vinho, o melhor do qual é o da Povoação Velha, mas aproveitam e servem agora as vides delas de lenha para os fornos; e entre elas, nos biscoitos, em fajã de terra, estão prantados muitos, grandes e riquíssimos pomares de toda sorte de fruta de espinho, extremada de boa, em grande quantidade, e de outras muitas frutas, maçãs, peros, peras, albricoques, damascos, fruta nova e várias enxertias, marmeleiros, pessegueiros, melocotões, amoreiras, figueiras de diversas sortes, e todas mui baratas. E depois do dilúvio de Vila Franca, na terra que sobre ela correu, se prantaram muitos e ricos pomares, de que se carregavam navios de maçãs, pêssegos e outras frutas para a ilha Terceira e outras ilhas de baixo; como também se levavam para lá, das riquíssimas hortas desta ilha, muitos e bons melões, os mais finos dos quais eram os da vila da Ribeira Grande.
Em toda a ilha há infinidade de abóboras, cebolas e alhos, e vária e extremada hortaliça, a melhor da qual é a do termo da cidade da Ponta Delgada, onde se dão nabos tão grandes, cada um como a cabeça de um homem, e iguais a jarras de quarta de arroba, que vêm de Sevilha com azeite, e alguns maiores. Um Bartolomeu Roiz da Serra achou em uma sua horta um rabão mais grosso que um homem e, colhendo-o, o achou oco por dentro, com um vão tão largo que bem podia passar um menino de três anos por ele; também achou em um seu pomar uma maçã tão grande que, ajuntando ambos os palmos das mãos arcados, tocando as pontas dos dedos umas com outras, enchia a maçã aquela concavidade delas; de que se espantou muito um António de Macedo, corregedor com alçada nesta ilha, a quem a ele deu, dizendo que estudara em Paris, Bolonha e Salamanca e correra muitas terras, e nunca vira nem tal cuidara ver, como aquele pomo. Pelo que foi esta ilha uma das mais frescas, fértiles, abastadas, baratas, fartas e viçosas terras que se podia achar no mundo todo. E ainda agora, como afirmam não somente os naturais, mas confessam os estrangeiros que nela moram, a sua esterilidade é mais fértil que a fertilidade de outras muitas terras.
Não cria esta ilha serpentes, cobras, lagartos nem lagartixas, nem animais peçonhentos, nem feros, nem raposas; e, os mais venenosos e feros que cria, são aranhas e formigas, pelo que pode cada um dormir descansado em qualquer lugar e caminhar seguro por qualquer parte.
Não havendo cágados nesta ilha, somente trouxeram a ela uns para um filho de Pedro Roiz da Câmara, que se fazia ético, o qual, indo para se curar em Portugal, foi tomar embarcação a Vila Franca e pousando em casa de João da Grã, Ihe ficaram nela dois cágados que levava para comer, por conselho dos médicos, e Ihe esqueceram ao embarcar, dos quais, um João Dias Mourisco, ali vizinho, comeu um pelo achar em uma horta sua que estava defronte; e o outro que ficou, mandou João da Grã deitar em um seu jardim que tinha na mesma Vila Franca, acima da cadeia, e cuidando que era morto por não aparecer, o achou seu filho, de João da Grã, a cabo de mais de quarenta e quatro anos que era ali lançado. Estes cágados se criariam bem nesta terra por esta experiência que se achou, como se criam doninhas e infinidade de ratos.
Na era de mil e quinhentos e dez, havia nesta ilha um Lopo das Cortes , o qual, querendo comer mel fresco de abelhas, mandava a um seu filho, chamado Bertholameu Lopes, pai de Adão Lopes, que morou depois dentro na dita vila, junto da bica velha, que derramasse o mel que tinha em casa em umas cabaças e fosse buscar outro fresco ao sanguinhal, nas tocas e buracos das árvores e sanguinhos, onde as abelhas criavam muito. Tanta fartura havia de tudo nesta ilha, sem indústria nem trabalho de seus moradores.