O primeiro capitão estrangeiro da fortaleza da cidade da Ponta Delgada, desta ilha de São Miguel, foi Pedro Munhoz de Castel Branco, homem de grande ânimo, muito saber e prudência, natural da vila de Moia, do bispado de Cuenca, nos Reinos de Hespanha, da geração dos Munhozes da vila de Teruel, dos Reinos de Aragão, e da dos Castelos Brancos, das montanhas de Xala.
Tem por armas, dos Munhozes, uma cruz de Avis vermelha, abertos os braços até que chega à frol de liz em campo de ouro, e dos Castelos Brancos, tem por armas um castelo com as ameias brancas em campo vermelho, e por orla, ao redor do escudo, umas aspas vermelhas em campo de ouro, a meia porta do castelo cerrada e outra metade aberta, com um braço armado, com a espada nua na mão defendendo-a.
As quais armas deu el-Rei D. Jaime de Aragão, que ganhou a Valença, ao fidalgo Mossem Belenguer Ruiz de Castel Branco, que havia abaixado com ele das montanhas para a conquista, porque tendo a seu cargo a vila de Castel Favi, do Reino de Valença, que fazia fronteira aos mouros, vieram um dia sobre ele de sobressalto e acudiu só à defensão de seu castelo, e, não podendo cerrar mais que a metade da porta, defendeu a outra tão valorosamente que teve tempo a gente que estava na igreja, dentro no mesmo castelo, ouvindo missa, para se armar e vir a defendê-la, e chegando a ele o acharam feito pedaços, seguiram ao alcance dos mouros, e deram conta disso a el-Rei D. Jaime, o qual mandou que se enterrasse em cima da porta do mesmo castelo, onde está ainda este dia, e que a seus filhos e descendentes lhes ficasse por armas um castelo com meia porta cerrada e outra meia aberta, defendendo-a com o braço e a espada nua.
Descendem os Castelos Brancos deste fidalgo Mossem Belenguer Ruiz de Castel Branco, ao qual do repartimento da conquista que fez el-Rei D. Jaime de Aragão couberam as vilas de Valadoche, e Chera e Tormon e o Corvo, e os lugares desta jurdição, que eram sete, com a alcaidaria do Castelo e vila de Castel Favi, que estava por fronteira dos mouros, onde morreu em sua defensão, como está dito.
Teve este fidalgo dois filhos: ao maior deixou estas vilas com suas aldeias, em morgado, e ao outro, segundo, a vila da Torre Fondoneira, Velhar de Vehet, com a herdade que se chama Torrijos, que está junto de Camin Real, no Reino de Aragão.
O filho maior teve duas filhas: a mais velha, que herdava o morgado, casou com um fidalgo que se chamava Mossem Pedro de Herédia, senhor de Fontes, no Reino de Aragão, e de outras vilas e lugares; os quais com o tempo há muitos anos que têm título de condes de Fontes. Tem sua casa mais de vinte mil cruzados de renda, e os doze mil deles são da casa dos Castelos Brancos.
A outra casou com um filho do Arcebispo de Saragoça, chamado D. Fuão de Aragão.
O outro segundo filho de Mossem Belenguer, tio destas senhoras, vendo que a casa e nome dos Castelos Brancos se havia perdido pelo vir a herdar fêmea, fez morgado da vila de Fondoneira, Velhar de Vehet e da herdade de Torrijos, em seu filho maior, com tal gravame e força, que em nenhum tempo o pudesse vir a herdar fêmea, senão, quando faltassem descendentes varões, os herdassem os parentes mais propínquos do nome e armas dos de Castel Branco.
Terá de renda este morgado dois mil e duzentos cruzados. Teve por filhos a Mossem Diogo Ruiz de Castel Branco, que herdou o dito morgado, o qual teve princípio e veio de varão em varão há mais de quinhentos anos e agora o possui D. João Munhoz de Castel Branco, sobrinho deste capitão Pero Munhoz de Castel Branco, filho de um seu tio e de sua irmã.
Teve outras duas filhas o fundador deste morgado: uma, chamada Cendina Ruiz de Castel Branco, e outra Toda Ruiz de Castel Branco. A Cendina casou com Mossem Gonçalo Ruiz de Liori, que é uma casa dos mais principais fidalgos de Aragão, de que houve descendentes. A outra, Toda Ruiz, casou na raia de Castela com um fidalgo, chamado Jorge Ruiz de Alarcão, senhor das vilas de Valverde e Fontezilhas, da qual ficaram descendentes e se tratam por parentes dos Castelos Brancos.
Há duas casas destes senhores de Alarcão, na Mancha de Castela, Arcebispo de Toledo e Bispo de Cuenca: uma deste fidalgo, que valerá seis mil e seiscentos cruzados de renda, em cavalos; outra, dos senhores da vila de Beunache de Alarcão. Este terá perto de oito mil cruzados de renda, em cavalos.
Este filho de Mossem Belenguer Ruiz de Castel Branco andou sempre em casa dos Reis de Aragão, ele e seus descendentes; dos quais descendem os Castelos Brancos de Portugal, porque no tempo de el-Rei D. Diniz de Portugal , casado com D. Isabel, filha de el-Rei de Aragão, que foi Santa, cujas relíquias estão na cidade de Coimbra, vindo ela de Aragão para Portugal, trouxe consigo um irmão deste senhor deste morgado, o menor de três que eram, cujo nome não pude saber, porque o que tinha o morgado era já velho sem ter filhos e cuidava o segundo herdá-lo, pela qual causa não veio senão este só; o qual, por sua virtude e nobreza e pelo favor que teve desta Rainha de Portugal, veio a valer tanto que deixou as casas que agora há dos Castelos Brancos em Portugal, que descendem deles, e são tão ilustres como se sabe; donde é o meirinho mor e D. Martinho de Castel Branco, que morreu com el-Rei D. Sebastião na batalha de África, e tem sua casa tão sumptuosa junto ao Limoeiro em Lisboa, e D. Afonso de Castelo Branco, grande letrado e pregador e benemérito bispo de Coimbra e outros senhores.
Este valoroso capitão da fortaleza da cidade da Ponta Delgada, desta ilha de S. Miguel, Pedro Munhoz de Castel Branco, das progénias acima ditas, se achou em muitos recontros e batalhas, em serviço de Deus e de Sua Majestade. Foi seu alferes seu irmão D. Gaspar de Castel Branco e sargento Hierónimo de Mesa.
Esteve na dita fortaleza Pero Munhoz de Castel Branco por capitão dela quatro anos, até que Sua Majestade o mandou ir para o Reino, para se servir dele em outras cousas maiores, de que é merecedor.
Logo veio outro capitão para a mesma fortaleza, chamado D. António de Portugal, que é filho de D. Jorge de Portugal, filho do conde de Valença, que foi mordomo do Imperador Carlos quinto.
Há anos que serve este capitão D. António de Portugal a el-Rei D. Filipe, desde o mês de Outubro do ano de quarenta e oito até agora. Passou à Alemanha por pagem de Sua Majestade este dito mês, que foi a vinte e dois de Outubro. Depois que el-Rei tornou a Hespanha, lhe pediu licença para o ir servir na guerra de Córsiga , e, acabada esta jornada, se veio à de Sena, onde esteve nela até que se acabou. Dali se foi a Frandes, onde estava Sua Majestade sobre San Quintim, e em chegando lhe fez mercê de o fazer gentil homem de sua casa e dar-lhe quarenta cruzados cada mês; e quando se veio el-Rei D. Filipe, tornou com ele e o foi servir na tomada do Pinhão. Tomou-lhe juramento o duque de Alva, como mordomo mor de Sua Majestade.
Logo adiante o fez capitão, quando veio o terço sobre Malta, e mandou-o ir a Orão com três companhias a seu cargo, cuidando que depois da de Malta viesse o turco sobre Orão, e, acabada a jornada de Malta, se foi à corte com ordem de Sua Majestade, deixando a gente em Orão.
Levantou-se logo a guerra de Granada, donde o mandou Sua Majestade fazer gente, para ir contra os mouros que se alevantaram naquele Reino, onde esteve até que saíram os mouros de Granada e os levaram a Castela, fazendo o ofício algumas vezes em nome do mestre de campo, por estar enfermo e mandar-lho o senhor D. João, e o ofício de sargento mor por não o haver.
Acabada esta jornada, mandou Sua Majestade que fosse toda a gente de guerra a Itália, onde se achou na batalha naval de Lepanto, com o senhor D. João de Áustria. Acabada a naval pediu licença ao dito senhor D. João e se veio para Hespanha, onde esteve na corte alguns dias, servindo a el-Rei como gentil-homem que é, até que veio Sua Majestade a Lisboa.
Mandando el-Rei ao marquês de Santa Cruz que viesse tomar estas ilhas rebeladas, se veio com ele por ordem e mandado de Sua Majestade; e, tomada a Terceira, o marquês lhe ordenou que fosse ao Faial com D. Pedro de Toledo e que ficasse ele ali por governador daquela ilha, e com duzentos soldados castelhanos. Serviu nela a Sua Majestade perto de dois anos, até que o mandou vir a Angra, e que lá pusesse o mestre de campo João de Urbina outro capitão em seu nome, até que mandasse outra cousa; e ao cabo de dois anos mandou ao marquês de Santa Cruz o enviasse por capitão da fortaleza da cidade da Ponta Delgada; agora está com este cargo. Tem por alferes a João de Escobar, e por sargento Miguel Gomes, galhardo, discreto e animoso mancebo. Chegou o dito capitão D. António de Portugal a esta ilha no fim do ano de oitenta e sete.
As armas deste capitão D. António de Portugal, por uma parte, são as de Leão e castelos por orlas, e descende dos condes de Valença, que são junto a Leão e Astorga; têm nas bordas vermelhas quatro leões em cruz e quatro castelos de ouro entre eles, e no meio as cinco quinas de Portugal, e uma coroa em cima do escudo.
Por outra parte, tem no escudo as bordas vermelhas com quatro cabeças de cruz verdes, por el-Rei D. Dinis ser mestre de Avis, e entre elas quatro castelos de ouro, por D. Tareja, filha de D. Afonso, Rei de Castela, ser mulher de D. Henrique, conde de Portugal e pai de D. Afonso, que foi duque e depois primeiro Rei de Portugal; e dentro desta orla ou borda tem o escudo branco com as cinco quinas, que são cinco escudos azuis e em cada um cinco pontos brancos, que são vinte e cinco pontos por todos, e com os cinco escudos fazem número de trinta; as quais armas dizem os antigos que tomou o príncipe D. Henrique, primeiro conde de Portugal, irmão do Imperador da Grécia, à honra dos trinta dinheiros por que Nosso Senhor foi vendido; tem também sobre o escudo uma coroa.
O alferes deste capitão D. António de Portugal, chamado João de Escobar, serve a Sua Majestade desde a guerra de Malta, que há nesta era de 1590 vinte e cinco anos. Achouse também na guerra de Granada, donde se embarcou com o sr. D. João de Áustria para a batalha naval, onde se achou na galé Marquesa de Nápoles com o marquês de Santa Cruz e outro ano seguinte foram a Navarrino; dali passou a Frandes, a socorrer ao duque de Alva com Lopo da Cunha, governador que era do Alexandrino, muito parente do capitão D. António de Portugal, onde acharam o duque de Alva sobre a cidade de Arlem em Holanda. Daí veio às rotas, que teve o duque e o comendador mor de Castela D. Luís de Requenes, donde romperam ao conde Ludovico, irmão do príncipe de Orange, com os eleitores do Império de Alemanha, que eram o filho do conde Joanes e o filho do Landgrave e o filho do duque de Saxónia, onde lhes degolaram quinze mil homens e os venceram, e a mais gente que ficou do exército se retirou, fugindo pelo país de Cleves. Daí se foi a Anveres a pedir as trinta e sete pagas que se deviam ao exército, e sendo pagos se partiu para Lerdama e a tomou.
Depois de muitas jornadas em Frandes, veio a Itália, daí a Portugal, e na armada que venceu a Filipe Strosse e ao conde de Vimioso, e no ano seguinte veio à jornada da Terceira e foi com o capitão D. António de Portugal ao Faial, em que teve a fortaleza a seu cargo, por ordem do dito D. António; de lá tornou à Terceira, nela foi seu alferes e sargento, e veio a esta ilha, onde está servindo também de seu alferes.