Sendo feito Capitão das duas ilhas, de Santa Maria e de São Miguel, João Soares de Albergaria, sobrinho de Frei Gonçalo Velho, filho de uma sua irmã , preparando as cousas necessárias para sua partida, foi enviado pelo Infante D. Henrique a residir nelas e governá-las com justiça.
Partiu do Regno com sua mulher, chamada Breatiz Godiz, de nobre geração, com quem era casado, trazendo consigo também o dito Capitão João Soares um seu sobrinho, chamado Filipe Soares, casado com Constança d’Agrela, o qual (como já disse) mataram dois negros seus, estando ele crestando uma abelheira. E, vindo ter a estas ilhas, exercitava sua jurdição, visitando ora uma, ora outra, provendo-as do necessário para acrescentamento de seus frutos e rendas e bem de todos os moradores delas, residindo, principalmente, o mais do tempo na de Santa Maria, que, então, era mais povoada e principal, por ser primeiro descoberta e habitada.
Dali a poucos anos veio a enfermar a dita sua mulher, Breatiz Godiz, e não podendo achar, nem sentindo melhoria em sua enfermidade, a levou o dito Capitão à ilha da Madeira, para lá lhe buscar alguns remédios de médicos, que cá, nestas ilhas, ainda não havia. E fazendo grandes gastos em sua cura, veio a praticar com ela que seria necessário vender a capitania de uma destas duas ilhas, e parecendo-lhe bem, tratou este negócio com Rui Gonçalves de Câmara, filho de João Gonçalves Zargo, primeiro Capitão da ilha da Madeira, que, então, estava na mesma ilha, e concertando-se ambos, com procuração que lhe fez para isso a dita sua mulher, lhe vendeu esta de São Miguel; e, porque há diversas opiniões na contia do preço dela, dizendo uns mais, outros menos, deixo a resolução disso para quando tratar do dito Rui Gonçalves de Câmara e desta ilha de São Miguel, de que ele ficou Capitão por esta compra, confirmada depois em a cidade de Évora pela Infanta D. Breatiz, tutor e curador do Duque D. Diogo, seu filho, que ainda naquele tempo era de pouca idade, mestre da Cavalaria da Ordem de Cristo, de cujo mestrado eram estas ilhas, feita na era do Senhor de mil e quatrocentos e setenta e quatro anos, aos dez dias de Março.
Depois de feita a dita venda, como a morte e a vida estão nas mãos de Deus e os que têm seus dias cheios na sua divina presciência não os pode estender a ciência humana, por mais gastos e remédios que se fizeram na cura da dita Breatiz Godiz, não pôde escapar da morte, fim de todas as cousas, e faleceu na dita ilha da Madeira, onde foi sepultada, com as exéquias e honras funerais que a tal pessoa se deviam, com grande sentimento e saudade do Capitão, seu marido.
Depois do falecimento desta generosa e virtuosa mulher, partindo o Capitão João Soares, seu marido, da ilha da Madeira para o Regno, ficando Rui Gonçalves de Câmara Capitão da ilha de São Miguel e o dito João Soares somente da de Santa Maria, por ser neste tempo falecido o Infante D. Henrique, que o fizera capitão das duas ilhas, e era já mestre da Ordem de Cristo o Duque D. Diogo, filho da Infante D. Breatis, viúva, confirmou a doação, ou a houve de novo da dita Infante aos doze de Maio da dita era de mil e quatrocentos e setenta e quatro anos e confirmada pelo Duque, seu filho, depois que teve idade para isso, aos quatro (sic) dias do mês de Junho do ano de mil e quatrocentos e noventa (sic) ; cujo teor é o seguinte: “Eu, a Infante D. Breatis, tutor e curador do Duque meu filho, &. Faço saber a quantos esta minha carta virem e o conhecimento dela pertencer que eu dou cárrego a João Soares, cavaleiro de sua casa, na ilha de Santa Maria, que ele seja capitão em ela, assim pela guisa que o é em sua ilha da Madeira João Gonçalves, e que ele a mantenha por o dito Senhor em justiça e em direito, e, morrendo ele, a mim praz que seu filho primeiro ou segundo tenha este cárrego per a guisa suso dita; e assim de descendente em descendente, por linha direita. E sendo em tal idade o dito seu filho que a não possa reger, que o dito Senhor ou seus herdeiros porão aí quem a reja, até que ele seja em idade para a reger.
Item me praz que eles tenham em esta dita terra a jurisdição, pelo dito Senhor, meu filho, do civel e crime, reservando morte ou talhamento de membro, que por apelação venha para o dito Senhor; porém, sob embargo da dita jurisdição, me praz que os mandados todos do dito Senhor e correição sejam aí cumpridos, assim como coisa própria. Outrossi me praz que o dito João Soares haja para si todos os moinhos que houver em esta ilha, de que lhe assi dou cárrego, e que ninguém faça aí moinhos senão ele, ou quem a ele aprouver; e em isto se não entenderá mó, que a faça quem quiser, não moendo outrem em ela; e não façam aí atafona.
Item me praz que todolos fornos de pão, em que houver poia, sejam seus; e porém não embargue quem quiser fazer fornalha para seu pão, que a faça e não para outro nenhum. Item me praz que tendo ele sal para vender, o não possa aí vender outrem, dando ele a rezão do meio real de prata o alqueire e mais não; e quando o não tiver que o vendam os da ilha à sua vontade até que ele o tenha. Outrossi me praz que todo o que houver de renda o dito Senhor em a dita ilha, ele haja de dez um. E o que o dito Senhor há-de haver na dita ilha é conteúdo no foral que para ela mandei fazer; e per esta guisa me praz que haja esta renda seu filho ou outro seu descendente de linha direita, que o dito cárrego tiver. Item me praz que ele possa dar por suas cartas a terra desta ilha forra, pelo foral da dita ilha, a quem lhe aprouver, com tal condição que aquele a que a der a dita terra, aproveite a sua cinco anos, e não a aproveitando, que a possa dar a outrem e depois que aproveitada for, se a deixar por aproveitar até outros cinco anos, que isso mesmo a possa dar a outrem. E isto não embargue ao dito Senhor que, se houver terra por aproveitar que não seja dada, que a possa dar a quem sua mercê fôr; e assi me praz que as dê o seu filho ou herdeiros descendentes que o dito cárrego tiveram. E mais me praz que os vizinhos possam vender suas herdades aproveitadas a quem lhe aprouver; e, se quiserem ir de uma ilha para outra, que se vão sem lhe pôrem nenhum embargo. E se fizer malefício algum homem em cada uma das ilhas, que mereça ser açoitado e fugir para outra ilha, que seja entregue onde tem o malefício, se requerido fôr, e poder ser preso, para se fazer dele cumprimento de direito. E se dever dívida, onde quer que estiver, se faça dele cumprimento de direito. Outrossi me praz que os moradores da dita ilha se aproveitem dos gados bravos que em ela andarem, segundo lhe ordenará o dito João Soares e os que depois ele, por o dito Senhor e por seus herdeiros, o cárrego tiverem; ressalvando os gados que andarem nos ilhéus, ou em outro lugar terrado que o senhorio o lance. E isso mesmo me praz que os gados mansos pasçam, assim em uma parte como em outra, trazendo-os por mão que não façam dano, e, se o fizerem, que o paguem a seu dono. Feita em a cidade de Évora, a doze de Maio. Álvaro Anes a fez, ano de Nosso Senhor Jesus Cristo de mil e quatrocentos e setenta e quatro. A qual carta, vista por mim, eu a confirmo e eu por confirmada assi e pela maneira que em ela é conteúdo, sem outro embargo que uns e outros a elo ponham. Dada em vila de Torres Vedras, a vinte e quatro dias de Junho. Pero Lopes a fez ano do nascimento de Nosso Senhor Jesus Cristo de mil e quatrocentos e noventa e três anos . E eu João da Fonseca, escrivão da fazenda do dito Senhor, a fiz escrever e aqui subscrevi”.
Alguns afirmam que, estando, então, em Portugal o dito Capitão João Soares, casou aí a segunda vez, e outros conjecturam que em outro tempo, como logo adiante direi; mas, como quer que fosse, depois de casado ou por casar, ele tornou à ilha de Santa Maria, ou com sua mulher, ou sem ela.
E, estando algum tempo na ilha, contam alguns que, andando um dia passeando à sua porta, veio uma nau de castelhanos onde vinha um seu cunhado, outros dizem seu genro, que o queria matar; e saíram em terra como quarenta homens armados que, sem serem sentidos, deram de súbito com ele a horas de meio dia, e, tirando alguns tiros com seus arcabuzes, sem lhe empecerem, nem acertarem, acudiu um mancebo, que se chamava António Fernandes, com um montante, e tão valorosamente o fizeram o Capitão João Soares e ele e outros poucos da terra, que levaram os imigos até à rocha da Concepção, deitando dois deles pela rocha abaixo, que logo morreram, acolhendo-se os mais aos barcos e neles à sua nau.
O que bem podia acontecer, porque outros dizem que, estando o dito Capitão João Soares, no tempo em que havia guerras antre Portugal e Castela, veio ter aí um navio de castelhanos, que quiseram entrar, e o dito Capitão se defendeu deles por espaço de dois ou três dias com um negro e quatro ou cinco homens, que somente tinha consigo, e, como eram tão poucos, o cativaram por fim os castelhanos, depois de muito desvelado e cansado de pelejar, e o levaram a Castela, levando com ele o negro; e dos mais que tinha em sua companhia não se sabe, se vendo a coisa mal parada e sem remédio, se acolheram à serra e ficaram na ilha, ou se foram também cativos com o seu Capitão, que lá em Castela se resgatou; e, depois de ter pago o resgate e estar livre, daí a oito dias se fizeram as pazes com Portugal, as quais pazes el-Rei de Portugal D. Afonso, o quinto do nome, fez com el-Rei D. Fernando de Castela, marido da Rainha D. Isabel, no fim do ano do Senhor de mil e quatrocentos e oitenta, como conta o curioso cronista Garcia de Rezende no capítulo vigésimo da sua Crónica, que fez do grande Rei de Portugal D. João, segundo do nome.
Tornando de Castela para Portugal livre o Capitão João Soares, onde estando, e sendo já muito velho, se casou por mandado de el-Rei, com D. Branca de Sousa, filha de João de Sousa Falcão, fidalgo da casa de el-Rei, morador em Alter do Chão, (parente muito chegado do Barão velho e do suave e doce poeta Cristóvão Falcão, que fez a afamada égloga das primeiras sílabas do seu nome, chamada Cristal) e de D. Mécia de Almada, sua mulher, prima coirmã do Conde de Abranches. A qual D. Branca era donzela da Senhora D. Filipa, tia da Rainha; e dotou em casamento o dito João de Sousa Falcão a sua filha, D. Branca de Sousa, com o dito Capitão João Soares, cinco mil dobras acostumadas, de cento e vinte réis cada uma dobra, das quais eram duas mil que a dita Senhora D. Filipa lhe deu de seu casamento e três mil que el-Rei lhe tinha prometidas; o qual contrato de matrimónio foi celebrado aos vinte dias do mês de Junho do ano de mil e quatrocentos e noventa e dois , na cidade de Lisboa, em as pousadas do mesmo João Soares, Capitão da dita ilha de Santa Maria, pelo que parece ser mais verdadeiro ser este o tempo certo e não o dantes, como outros disseram, em que se celebrou este dito casamento; e, então, lhe confirmou o Duque, que já mandava, a carta de sua capitania, como nela tenho atrás referido, estando na vila de Torres Vedras a vinte e quatro dias de Junho do ano do Senhor de mil e quatrocentos e noventa e três; feita a confirmação por Pedro Lopes e subscrita por João da Fonseca, escrivão da fazenda do dito senhor Duque .
Depois de casados, João Soares e D. Branca de Sousa se foram para a ilha de Santa Maria, com toda sua casa e família, onde dizem que ele viveu com ela sete anos, e houveram de seu matrimónio dois filhos: João Soares, morgado, que lhe sucedeu na casa e capitania, e Pedro Soares, que de Lisboa se foi para a Índia e lá faleceu, e duas filhas, D. Maria e D. Violante. D. Maria, que era a mais velha de todos eles, casou em Portugal com um nobre homem, feitor de el-Rei, chamado João Fernandes, de que houve uma filha, que casou com um fidalgo, chamado D. João, no mesmo regno, e não pude saber se teve mais filhos ou filhas.
A D. Violante, que era a mais moça de todos os filhos do Capitão João Soares, casou na mesma ilha com um castelhano, que aí veio ter das Índias de Castela, muito rico, o qual daí se tornou para as mesmas Índias, e este se suspeita ser o que depois veio contra o Capitão na armada de Castela, que atrás disse, por se ir da ilha escandalizado dele, ou no tempo daquelas guerras ou outras que depois foram antre Portugal e Castela; ainda que outros querem que acontecesse isto ao Capitão, seu filho, João Soares, do mesmo nome. E D. Violante, ficando prenhe, pariu um filho que viveu somente seis ou sete meses, e ela faleceu passado um ano depois da partida do marido.
E, porquanto, quando casou o Capitão João Soares com D. Branca de Sousa, foi feito contrato que, morrendo ele primeiro, lhe ficassem a ela de arras trezentos mil réis, os quais havia de tomar de toda a fazenda antes de se partir; ela os tomou em terras (como atrás fica dito), por falecimento do dito João Soares, o qual faleceu na mesma ilha de Santa Maria, deixando bom nome e exemplo de vida e virtudes a seus sucessores, sendo de idade de oitenta anos para cima.
DA VIDA E FEITOS DO ILUSTRE JOÃO SOARES DE ALBERGARIA, PRIMEIRO DO NOME E SEGUNDO CAPITÃO DA ILHA DE SANTA MARIA E DOS FILHOS QUE TEVE
Sendo feito Capitão das duas ilhas, de Santa Maria e de São Miguel, João Soares de Albergaria, sobrinho de Frei Gonçalo Velho, filho de uma sua irmã , preparando as cousas necessárias para sua partida, foi enviado pelo Infante D. Henrique a residir nelas e governá-las com justiça.
Partiu do Regno com sua mulher, chamada Breatiz Godiz, de nobre geração, com quem era casado, trazendo consigo também o dito Capitão João Soares um seu sobrinho, chamado Filipe Soares, casado com Constança d’Agrela, o qual (como já disse) mataram dois negros seus, estando ele crestando uma abelheira. E, vindo ter a estas ilhas, exercitava sua jurdição, visitando ora uma, ora outra, provendo-as do necessário para acrescentamento de seus frutos e rendas e bem de todos os moradores delas, residindo, principalmente, o mais do tempo na de Santa Maria, que, então, era mais povoada e principal, por ser primeiro descoberta e habitada.
Dali a poucos anos veio a enfermar a dita sua mulher, Breatiz Godiz, e não podendo achar, nem sentindo melhoria em sua enfermidade, a levou o dito Capitão à ilha da Madeira, para lá lhe buscar alguns remédios de médicos, que cá, nestas ilhas, ainda não havia. E fazendo grandes gastos em sua cura, veio a praticar com ela que seria necessário vender a capitania de uma destas duas ilhas, e parecendo-lhe bem, tratou este negócio com Rui Gonçalves de Câmara, filho de João Gonçalves Zargo, primeiro Capitão da ilha da Madeira, que, então, estava na mesma ilha, e concertando-se ambos, com procuração que lhe fez para isso a dita sua mulher, lhe vendeu esta de São Miguel; e, porque há diversas opiniões na contia do preço dela, dizendo uns mais, outros menos, deixo a resolução disso para quando tratar do dito Rui Gonçalves de Câmara e desta ilha de São Miguel, de que ele ficou Capitão por esta compra, confirmada depois em a cidade de Évora pela Infanta D. Breatiz, tutor e curador do Duque D. Diogo, seu filho, que ainda naquele tempo era de pouca idade, mestre da Cavalaria da Ordem de Cristo, de cujo mestrado eram estas ilhas, feita na era do Senhor de mil e quatrocentos e setenta e quatro anos, aos dez dias de Março.
Depois de feita a dita venda, como a morte e a vida estão nas mãos de Deus e os que têm seus dias cheios na sua divina presciência não os pode estender a ciência humana, por mais gastos e remédios que se fizeram na cura da dita Breatiz Godiz, não pôde escapar da morte, fim de todas as cousas, e faleceu na dita ilha da Madeira, onde foi sepultada, com as exéquias e honras funerais que a tal pessoa se deviam, com grande sentimento e saudade do Capitão, seu marido.
Depois do falecimento desta generosa e virtuosa mulher, partindo o Capitão João Soares, seu marido, da ilha da Madeira para o Regno, ficando Rui Gonçalves de Câmara Capitão da ilha de São Miguel e o dito João Soares somente da de Santa Maria, por ser neste tempo falecido o Infante D. Henrique, que o fizera capitão das duas ilhas, e era já mestre da Ordem de Cristo o Duque D. Diogo, filho da Infante D. Breatis, viúva, confirmou a doação, ou a houve de novo da dita Infante aos doze de Maio da dita era de mil e quatrocentos e setenta e quatro anos e confirmada pelo Duque, seu filho, depois que teve idade para isso, aos quatro (sic) dias do mês de Junho do ano de mil e quatrocentos e noventa (sic) ; cujo teor é o seguinte: “Eu, a Infante D. Breatis, tutor e curador do Duque meu filho, &. Faço saber a quantos esta minha carta virem e o conhecimento dela pertencer que eu dou cárrego a João Soares, cavaleiro de sua casa, na ilha de Santa Maria, que ele seja capitão em ela, assim pela guisa que o é em sua ilha da Madeira João Gonçalves, e que ele a mantenha por o dito Senhor em justiça e em direito, e, morrendo ele, a mim praz que seu filho primeiro ou segundo tenha este cárrego per a guisa suso dita; e assim de descendente em descendente, por linha direita. E sendo em tal idade o dito seu filho que a não possa reger, que o dito Senhor ou seus herdeiros porão aí quem a reja, até que ele seja em idade para a reger.
Item me praz que eles tenham em esta dita terra a jurisdição, pelo dito Senhor, meu filho, do civel e crime, reservando morte ou talhamento de membro, que por apelação venha para o dito Senhor; porém, sob embargo da dita jurisdição, me praz que os mandados todos do dito Senhor e correição sejam aí cumpridos, assim como coisa própria. Outrossi me praz que o dito João Soares haja para si todos os moinhos que houver em esta ilha, de que lhe assi dou cárrego, e que ninguém faça aí moinhos senão ele, ou quem a ele aprouver; e em isto se não entenderá mó, que a faça quem quiser, não moendo outrem em ela; e não façam aí atafona.
Item me praz que todolos fornos de pão, em que houver poia, sejam seus; e porém não embargue quem quiser fazer fornalha para seu pão, que a faça e não para outro nenhum. Item me praz que tendo ele sal para vender, o não possa aí vender outrem, dando ele a rezão do meio real de prata o alqueire e mais não; e quando o não tiver que o vendam os da ilha à sua vontade até que ele o tenha. Outrossi me praz que todo o que houver de renda o dito Senhor em a dita ilha, ele haja de dez um. E o que o dito Senhor há-de haver na dita ilha é conteúdo no foral que para ela mandei fazer; e per esta guisa me praz que haja esta renda seu filho ou outro seu descendente de linha direita, que o dito cárrego tiver. Item me praz que ele possa dar por suas cartas a terra desta ilha forra, pelo foral da dita ilha, a quem lhe aprouver, com tal condição que aquele a que a der a dita terra, aproveite a sua cinco anos, e não a aproveitando, que a possa dar a outrem e depois que aproveitada for, se a deixar por aproveitar até outros cinco anos, que isso mesmo a possa dar a outrem. E isto não embargue ao dito Senhor que, se houver terra por aproveitar que não seja dada, que a possa dar a quem sua mercê fôr; e assi me praz que as dê o seu filho ou herdeiros descendentes que o dito cárrego tiveram. E mais me praz que os vizinhos possam vender suas herdades aproveitadas a quem lhe aprouver; e, se quiserem ir de uma ilha para outra, que se vão sem lhe pôrem nenhum embargo. E se fizer malefício algum homem em cada uma das ilhas, que mereça ser açoitado e fugir para outra ilha, que seja entregue onde tem o malefício, se requerido fôr, e poder ser preso, para se fazer dele cumprimento de direito. E se dever dívida, onde quer que estiver, se faça dele cumprimento de direito. Outrossi me praz que os moradores da dita ilha se aproveitem dos gados bravos que em ela andarem, segundo lhe ordenará o dito João Soares e os que depois ele, por o dito Senhor e por seus herdeiros, o cárrego tiverem; ressalvando os gados que andarem nos ilhéus, ou em outro lugar terrado que o senhorio o lance. E isso mesmo me praz que os gados mansos pasçam, assim em uma parte como em outra, trazendo-os por mão que não façam dano, e, se o fizerem, que o paguem a seu dono. Feita em a cidade de Évora, a doze de Maio. Álvaro Anes a fez, ano de Nosso Senhor Jesus Cristo de mil e quatrocentos e setenta e quatro. A qual carta, vista por mim, eu a confirmo e eu por confirmada assi e pela maneira que em ela é conteúdo, sem outro embargo que uns e outros a elo ponham. Dada em vila de Torres Vedras, a vinte e quatro dias de Junho. Pero Lopes a fez ano do nascimento de Nosso Senhor Jesus Cristo de mil e quatrocentos e noventa e três anos . E eu João da Fonseca, escrivão da fazenda do dito Senhor, a fiz escrever e aqui subscrevi”.
Alguns afirmam que, estando, então, em Portugal o dito Capitão João Soares, casou aí a segunda vez, e outros conjecturam que em outro tempo, como logo adiante direi; mas, como quer que fosse, depois de casado ou por casar, ele tornou à ilha de Santa Maria, ou com sua mulher, ou sem ela.
E, estando algum tempo na ilha, contam alguns que, andando um dia passeando à sua porta, veio uma nau de castelhanos onde vinha um seu cunhado, outros dizem seu genro, que o queria matar; e saíram em terra como quarenta homens armados que, sem serem sentidos, deram de súbito com ele a horas de meio dia, e, tirando alguns tiros com seus arcabuzes, sem lhe empecerem, nem acertarem, acudiu um mancebo, que se chamava António Fernandes, com um montante, e tão valorosamente o fizeram o Capitão João Soares e ele e outros poucos da terra, que levaram os imigos até à rocha da Concepção, deitando dois deles pela rocha abaixo, que logo morreram, acolhendo-se os mais aos barcos e neles à sua nau.
O que bem podia acontecer, porque outros dizem que, estando o dito Capitão João Soares, no tempo em que havia guerras antre Portugal e Castela, veio ter aí um navio de castelhanos, que quiseram entrar, e o dito Capitão se defendeu deles por espaço de dois ou três dias com um negro e quatro ou cinco homens, que somente tinha consigo, e, como eram tão poucos, o cativaram por fim os castelhanos, depois de muito desvelado e cansado de pelejar, e o levaram a Castela, levando com ele o negro; e dos mais que tinha em sua companhia não se sabe, se vendo a coisa mal parada e sem remédio, se acolheram à serra e ficaram na ilha, ou se foram também cativos com o seu Capitão, que lá em Castela se resgatou; e, depois de ter pago o resgate e estar livre, daí a oito dias se fizeram as pazes com Portugal, as quais pazes el-Rei de Portugal D. Afonso, o quinto do nome, fez com el-Rei D. Fernando de Castela, marido da Rainha D. Isabel, no fim do ano do Senhor de mil e quatrocentos e oitenta, como conta o curioso cronista Garcia de Rezende no capítulo vigésimo da sua Crónica, que fez do grande Rei de Portugal D. João, segundo do nome.
Tornando de Castela para Portugal livre o Capitão João Soares, onde estando, e sendo já muito velho, se casou por mandado de el-Rei, com D. Branca de Sousa, filha de João de Sousa Falcão, fidalgo da casa de el-Rei, morador em Alter do Chão, (parente muito chegado do Barão velho e do suave e doce poeta Cristóvão Falcão, que fez a afamada égloga das primeiras sílabas do seu nome, chamada Cristal) e de D. Mécia de Almada, sua mulher, prima coirmã do Conde de Abranches. A qual D. Branca era donzela da Senhora D. Filipa, tia da Rainha; e dotou em casamento o dito João de Sousa Falcão a sua filha, D. Branca de Sousa, com o dito Capitão João Soares, cinco mil dobras acostumadas, de cento e vinte réis cada uma dobra, das quais eram duas mil que a dita Senhora D. Filipa lhe deu de seu casamento e três mil que el-Rei lhe tinha prometidas; o qual contrato de matrimónio foi celebrado aos vinte dias do mês de Junho do ano de mil e quatrocentos e noventa e dois , na cidade de Lisboa, em as pousadas do mesmo João Soares, Capitão da dita ilha de Santa Maria, pelo que parece ser mais verdadeiro ser este o tempo certo e não o dantes, como outros disseram, em que se celebrou este dito casamento; e, então, lhe confirmou o Duque, que já mandava, a carta de sua capitania, como nela tenho atrás referido, estando na vila de Torres Vedras a vinte e quatro dias de Junho do ano do Senhor de mil e quatrocentos e noventa e três; feita a confirmação por Pedro Lopes e subscrita por João da Fonseca, escrivão da fazenda do dito senhor Duque .
Depois de casados, João Soares e D. Branca de Sousa se foram para a ilha de Santa Maria, com toda sua casa e família, onde dizem que ele viveu com ela sete anos, e houveram de seu matrimónio dois filhos: João Soares, morgado, que lhe sucedeu na casa e capitania, e Pedro Soares, que de Lisboa se foi para a Índia e lá faleceu, e duas filhas, D. Maria e D. Violante. D. Maria, que era a mais velha de todos eles, casou em Portugal com um nobre homem, feitor de el-Rei, chamado João Fernandes, de que houve uma filha, que casou com um fidalgo, chamado D. João, no mesmo regno, e não pude saber se teve mais filhos ou filhas.
A D. Violante, que era a mais moça de todos os filhos do Capitão João Soares, casou na mesma ilha com um castelhano, que aí veio ter das Índias de Castela, muito rico, o qual daí se tornou para as mesmas Índias, e este se suspeita ser o que depois veio contra o Capitão na armada de Castela, que atrás disse, por se ir da ilha escandalizado dele, ou no tempo daquelas guerras ou outras que depois foram antre Portugal e Castela; ainda que outros querem que acontecesse isto ao Capitão, seu filho, João Soares, do mesmo nome. E D. Violante, ficando prenhe, pariu um filho que viveu somente seis ou sete meses, e ela faleceu passado um ano depois da partida do marido.
E, porquanto, quando casou o Capitão João Soares com D. Branca de Sousa, foi feito contrato que, morrendo ele primeiro, lhe ficassem a ela de arras trezentos mil réis, os quais havia de tomar de toda a fazenda antes de se partir; ela os tomou em terras (como atrás fica dito), por falecimento do dito João Soares, o qual faleceu na mesma ilha de Santa Maria, deixando bom nome e exemplo de vida e virtudes a seus sucessores, sendo de idade de oitenta anos para cima.
O muito ilustre e valoroso cavaleiro Frei Gonçalo Velho, comendador do castelo de Almourol, que está junto do grande rio Tejo, junto da vila de Tancos, foi da nobre e antiga geração dos Velhos, os quais, nos reinos de Portugal, são fidalgos muito principais, de cota de armas e de solar conhecidos, e sempre serviram os Reis passados nos melhores ofícios de sua Casa; um dos quais, chamado Frei Gonçalo Velho, comendador de Almourol era da casa do Infante D. Henrique e tão privado seu e aceito a eles, pelos serviços que ele e seus avós tinham feito à Coroa e a ele, dito Infante, e pelo que conhecia das partes e esforço, saber e prudência do dito Frei Gonçalo Velho, que, determinando descobrir estas ilhas dos Açores, não achou outro mais suficiente em sua casa a quem cometesse o cargo de coisa de tanta importância, como esta era, senão a ele, o que basta somente para prova de quem ele era e podia ser.
E, como atrás tenho contado, o mandou o Infante da vila de Sagres, do Algarve, onde, então, estava, a descobrir a ilha de Santa Maria e, não achando da primeira viagem senão somente os baixos de áspera penedia a que chamou as Formigas, pela razão já dita, se tornou ao Algarve, donde depois foi enviado pelo mesmo Infante ao mesmo descobrimento; e desta segunda vez achou a ilha a que pôs nome Santa Maria, pela achar em seu dia, de sua Assunção, a quinze de Agosto do ano do Senhor de mil e quatrocentos e trinta e dois, no tempo que reinava em Portugal D. João, de Boa Memória, décimo rei em número e primeiro do nome, como já fica dito. E certo eu tenho para mim que, ordinariamente, não faz Deus tal mercê de mostrar uma só ilha, nunca descoberta, a alguém, senão a pessoa que tenha grandes partes e virtudes, quanto mais muitas ilhas, como se diz que quis mostrar a este valoroso Capitão, como irei contando.
Assim que a primeira que achou foi a de Santa Maria e tornando com a nova do novo descobrimento ao Infante, ele lhe fez mercê dela, fazendo-o seu Capitão e Governador, com o qual cargo, depois de mandar lançar gado e outras coisas nela, o mandou a povoá-la e cultivá-la, o que ele fez com grande saber e diligência, trazendo consigo a Nuno Velho e a Pero Velho, seus sobrinhos, filhos de uma sua irmã, que eram ainda meninos. E fez cultivar e povoar a ilha de nobre gente, tratando-a com muito amor, e governado-os com muita brandura, pela qual razão era de toda obedecido e mui querido.
E, indo outra vez ao Reino, o tornou o dito Infante a mandar descobrir esta ilha de São Miguel, por sentir dele que para tudo era; o qual, obedecendo aos mandados e rogos do Infante, alcançou de Deus achá-la, como direi adiante, quando dela particularmente tratar, e fez-lhe o Infante mercê da capitania dela, juntamente com a da ilha de Santa Maria, ficando Capitão de ambas, mas, por ser, então, mais povoada a de Santa Maria, que primeiro fora achada, residia o mais do tempo nela e lá morava .
E tornando dela ao Regno, dar informação do que nela fazia e havia, e, porventura, de outras conjecturas que sentiria de haver ao redor, perto destas, mais ilhas, ou por isso, ou pelo que o Infante tinha entendido de as poder haver, o tornou a mandar ao descobrimento delas; e comummente se diz (ainda que em seu lugar direi o que outros dizem e sentem por mais certeza) que, vindo o dito Frei Gonçalo Velho a esta empresa mandado do dito Infante, descobriu primeiro a ilha Terceira, e depois a de São Jorge e a Graciosa, com que o Infante lhe ficou mais afeiçoado, fazendo-lhe cada vez mais mercês e favores, quando o viu diante de si tão ditoso e bem afortunado descobridor de tantas ilhas, de que se esperava acrescentamento e grande provimento e bem do Regno. E logo o enviou com alguns navios carregados de gado de diversa sorte para o lançar nelas antes de se povoarem, porque, multiplicando na terra os povoadores que viessem a elas, passados alguns tempos, achassem já mantimentos e instrumentos, para se poderem ajudar deles quando a beneficiassem e cultivassem; pelo que, quando, depois, el-Rei D. Afonso, duodécimo Rei de Portugal e quinto do nome, deu licença que todas se povoassem no ano de 1449 , pela fertilidade e fresquidão que delas se contava, e por estas cousas que já nelas havia, folgavam de vir a elas e, principalmente, gente muito honrada e nobre, de que todas se povoaram em poucos anos.
Andando os homens nestas ilhas roçando os espessos matos e caçando, não com açores, nem gaviões, nem outras aves de altanaria, as outras aves que neles havia, senão com as próprias mãos, com que as tomavam sem trabalho por elas não fugirem, pelo pouco uso que de ver gente tinham, e beneficiando a terra, semeando-a de trigo, cevada e centeio e de diversos legumes, armando e tecendo suas casas, como fazem os curiosos e cuidadosos passarinhos antre o alto arvoredo, temperando com aquelas soidades dos matos e novas e estranhas ilhas as que tinham de suas terras naturais, donde vinham, uns com determinação de tornar às que deixaram, outros de viver e morrer nas que novamente acharam e povoavam, apostados com aquela colónia de novas terras esquecer as saudades das suas antigas, e estando no ano de 1460 o felicíssimo Capitão das duas primeiras ilhas na de Santa Maria, onde tinha seu principal assento, ocupado, com o mesmo cuidado do mar, com machados e foices roçadouras, roçar e cortar as empinadas árvores e, com enxadas e fogo, extirpar e dissipar e destruir suas grudadas raízes, e romper as terras com o curvo arado, experimentando das sementes qual melhor frutificava, do primeiro alvará que se acha e sabe mandar-lhe o Infante do Regno para o norte do governo destas ilhas, que eram suas, e principalmente destas duas, de Santa Maria e São Miguel, de que o fizera Capitão e Governador, direi aqui, por ser cousa antiga, as palavras antigas, todas finalmente notadas, que são os seguintes: “Eu, o Iffante D. Henrique, duque de Viseu e senhor de Covilhãa, mando a vós, Frei Gonçalo Velho, meu cavaleiro e capitão, por mim, em minhas ilhas de Santa Maria e de Sam Miguel dos açores, que tenhaes esta maneira, a juso scripta acerca da justiça e feitos cives.
Vós mandareis aos juizes da terra que oição as partes que em litígio forem, as mandem vir presente si, e lhes façã comprimento de direito. E se das sentenças, que os juizes derem quiserem appellar, appellem para vos, e vos confirmai as sentenças dos juizes ou as corregei, qual virdes que he direito. E se de vossa sentença elles quiserem appellar, vos lhe nã recebereis appellação, nem lhe dareis salvo estromento dagravo ou carta testimunhavel para mim, com vossa reposta, e então eu denunciarei, o que vir, que he direito, e vos mandarei o que façais; porém vós nã deixareis de mandar enxuquatar as dictas sentenças, posto que com os estromentos ou cartas testimunhaveis a mim venhã. E se for em feito crime, em que algum, ou algua faça o que não deve, e por que mereçam pena de justiça, vos mandai prender e apenar em dinheiro, e degradar para onde vos prouver, e mandar açoutar aquelles, que o merecem, sem dardes pera mim appellação. E se for feito tã crime, per que mereçã mortes ou talhamento de membro, vos mandareis aos juizes, que dem a sentença e os julguem, e da sentença, que derem, appellem por parte da justiça, e enviarão a mim a appellação, e de mim irá a casa del-rey, meu Senhor; e eu vos enviarei a denunciação, que de lá vier. E outrosi avisareis aos moradores dessas ilhas que não vão com nenhuns agravos, nem appellações, nem estromentos, nem cartas testimunhaveis a nenhua justiça, senão a mim ou a meus ouvidores; porque a jurdição toda he minha civel e crime, e de mim irã as appellações das mortes dos homens e talhamentos de membros à casa del-rey, meu Senhor, porque vos, nem outro algum capitão, nam tem poder de matar, nem de mandar talhar membro. E nos outros casos vos tende a maneira susodicta; e qualquer que o contrario fizer, e em esto usurpar minha jurdição, pagara por cada vez, e cada hum, mil reis para minha chancelaria. E outro sim se o taballião de si errar em seu offício por falsidade, vos o sospendei do offício ate me fazerdes saber o erro, como he, e vos eu mandar a maneira que tenhaes. E outrosim sereis avisado, que se a essa ilha forem Diogo Lopez e Rodrigo de Baiona, sem vos mostrarem minha licença que os prendaes e tenhaes bem presos, até mo fazerdes saber, e vos mandar como façaes, e mos enviai presos à minha cadea. E quanto he à inquirição, que me qua enviastes, vos vede la o feito e o determinai, como virdes, que he direito. Comprindo todo assim, e pella guisa, que por mim he mandado sem nello pordes outra briga, nem embargo, porque assim he minha merce. Feito em minha villa de Lagos a dezanove dias de Maio. João de Gorizo o fez, anno do nacimento do Senhor de mil e quatrocentos e setenta .
Indo-se depois, dali a alguns anos (que não podiam ser muitos), destas ilhas o dito Frei Gonçalo Velho para o Regno, pediu-as para os dois sobrinhos, que a elas trouxera consigo meninos e nelas deixava feitos já homens, Nuno Velho e Pero Velho, em idade e discrição que bem as podiam governar, fazendo conta que um ficaria por capitão de uma e outro da outra; porque ele, como se criara na corte, às abas dos reis e grandes senhores, e a natureza também o chamava, ia determinado de largar as ditas capitanias e contentar-se com estar ao bafo dos reis, como sempre estivera, e servi-los em velho, como fizera em mancebo.
Mas, propondo-lhe o Infante diante outro seu sobrinho, que em sua casa tinha, e os muitos serviços que dele tinha recebidos, e como era também seu sobrinho, filho de outra sua irmã, pareceu-lhe bem ao dito Frei Gonçalo Velho a razão do Infante e fez-lhe a vontade, aceitando a mercê que lhe fazia para seu sobrinho, que se chamava João Soares de Albergaria ; e, mandando-o chamar o Infante, lhe fez mercê, diante de seu tio Frei Gonçalo Velho, per sua livre vontade e voluntária renunciação, da capitania das ditas ilhas de Santa Maria e São Miguel, e, beijando o dito João Soares logo a mão ao Infante por esta mercê, que lhe fazia, ficou capitão eleito delas, e depois confirmado por sua carta patente, que lhe disso foi passada, por mandado do dito Infante e assinada por ele .
Além de ser certo indício da muita virtude e do grande e esforçado ânimo deste felicíssimo e primeiro Capitão, que foi destas duas primeiras ilhas dos Açores, pelas achar e descobrir a elas, e, segundo alguns dizem, as outras três, que já disse, mais certa prova é ainda do grande valor de sua ilustre pessoa deixá-las e largá-las livre e liberalmente em sua vida, como quem não deixava nada, pois mais magnânimo se mostra ser o homem em largar e dar o que tem e possui que em aceitar e tomar o que lhe oferecem. Assim ficou este felicíssimo capitão, de boa memória, no Regno, em serviço dos Reis e Infantes que tanto amava, vivendo ainda alguns anos. E depois de muito velho, Frei Gonçalo Velho, sendo-o na idade como no nome e costumes, acabou seus bem empregados anos de sua vida com a morte que a todos leva, dando sua alma a Deus, que tão ornada e acompanhada de virtudes e boas obras lha deu, para por elas, fundadas nos merecimentos de sua sagrada Paixão, lhe dar no Céu (como cremos que deu) a sua glória.
As armas do brazão deste Capitão Frei Gonçalo Velho e de sua progénia dos Velhos, de que todos os descendentes deles gozam, assim os do Regno como os destas duas ilhas de Santa Maria e de São Miguel, e de outras partes onde os há, são um escudo com o campo vermelho e nele cinco vieiras douradas em aspa, com sua merleta de ouro por divisa; e não têm elmo, com o mais que agora se costuma, porque parece que não se costumava naquele tempo antigo, senão somente o escudo com as armas nele; as quais armas dos Velhos são as dos ilustres Capitães da ilha de Santa Maria, que trazem e têm de seus antepassados, e principalmente deste primeiro Capitão da mesma ilha, Frei Gonçalo Velho; e estão postas na igreja de Nossa Senhora da Assunção, da Vila do Porto, da dita ilha, na capela de Duarte Nunes Velho, que deles descendia. Mas depois vi outras da mesma maneira no brazão de Matias Nunes Velho Cabral, com elmo aberto guarnido de ouro, paquife de ouro e vermelho e prata e púrpura, e por timbre um chapéu pardo com uma vieira de ouro na borda da volta, que é o timbre dos Velhos .
DA VIDA E FEITOS DO ILUSTRE FREI GONÇALO VELHO, COMENDADOR DO CASTELO DE ALMOUROL E PRIMEIRO CAPITÃO DA ILHA DE SANTA MARIA E DEPOIS DA DE SÃO MIGUEL, PELAS DESCOBRIR AMBAS, E (SEGUNDO ALGUNS DIZEM) ALGUMAS OUTRAS DOS AÇORES
O muito ilustre e valoroso cavaleiro Frei Gonçalo Velho, comendador do castelo de Almourol, que está junto do grande rio Tejo, junto da vila de Tancos, foi da nobre e antiga geração dos Velhos, os quais, nos reinos de Portugal, são fidalgos muito principais, de cota de armas e de solar conhecidos, e sempre serviram os Reis passados nos melhores ofícios de sua Casa; um dos quais, chamado Frei Gonçalo Velho, comendador de Almourol era da casa do Infante D. Henrique e tão privado seu e aceito a eles, pelos serviços que ele e seus avós tinham feito à Coroa e a ele, dito Infante, e pelo que conhecia das partes e esforço, saber e prudência do dito Frei Gonçalo Velho, que, determinando descobrir estas ilhas dos Açores, não achou outro mais suficiente em sua casa a quem cometesse o cargo de coisa de tanta importância, como esta era, senão a ele, o que basta somente para prova de quem ele era e podia ser.
E, como atrás tenho contado, o mandou o Infante da vila de Sagres, do Algarve, onde, então, estava, a descobrir a ilha de Santa Maria e, não achando da primeira viagem senão somente os baixos de áspera penedia a que chamou as Formigas, pela razão já dita, se tornou ao Algarve, donde depois foi enviado pelo mesmo Infante ao mesmo descobrimento; e desta segunda vez achou a ilha a que pôs nome Santa Maria, pela achar em seu dia, de sua Assunção, a quinze de Agosto do ano do Senhor de mil e quatrocentos e trinta e dois, no tempo que reinava em Portugal D. João, de Boa Memória, décimo rei em número e primeiro do nome, como já fica dito. E certo eu tenho para mim que, ordinariamente, não faz Deus tal mercê de mostrar uma só ilha, nunca descoberta, a alguém, senão a pessoa que tenha grandes partes e virtudes, quanto mais muitas ilhas, como se diz que quis mostrar a este valoroso Capitão, como irei contando.
Assim que a primeira que achou foi a de Santa Maria e tornando com a nova do novo descobrimento ao Infante, ele lhe fez mercê dela, fazendo-o seu Capitão e Governador, com o qual cargo, depois de mandar lançar gado e outras coisas nela, o mandou a povoá-la e cultivá-la, o que ele fez com grande saber e diligência, trazendo consigo a Nuno Velho e a Pero Velho, seus sobrinhos, filhos de uma sua irmã, que eram ainda meninos. E fez cultivar e povoar a ilha de nobre gente, tratando-a com muito amor, e governado-os com muita brandura, pela qual razão era de toda obedecido e mui querido.
E, indo outra vez ao Reino, o tornou o dito Infante a mandar descobrir esta ilha de São Miguel, por sentir dele que para tudo era; o qual, obedecendo aos mandados e rogos do Infante, alcançou de Deus achá-la, como direi adiante, quando dela particularmente tratar, e fez-lhe o Infante mercê da capitania dela, juntamente com a da ilha de Santa Maria, ficando Capitão de ambas, mas, por ser, então, mais povoada a de Santa Maria, que primeiro fora achada, residia o mais do tempo nela e lá morava .
E tornando dela ao Regno, dar informação do que nela fazia e havia, e, porventura, de outras conjecturas que sentiria de haver ao redor, perto destas, mais ilhas, ou por isso, ou pelo que o Infante tinha entendido de as poder haver, o tornou a mandar ao descobrimento delas; e comummente se diz (ainda que em seu lugar direi o que outros dizem e sentem por mais certeza) que, vindo o dito Frei Gonçalo Velho a esta empresa mandado do dito Infante, descobriu primeiro a ilha Terceira, e depois a de São Jorge e a Graciosa, com que o Infante lhe ficou mais afeiçoado, fazendo-lhe cada vez mais mercês e favores, quando o viu diante de si tão ditoso e bem afortunado descobridor de tantas ilhas, de que se esperava acrescentamento e grande provimento e bem do Regno. E logo o enviou com alguns navios carregados de gado de diversa sorte para o lançar nelas antes de se povoarem, porque, multiplicando na terra os povoadores que viessem a elas, passados alguns tempos, achassem já mantimentos e instrumentos, para se poderem ajudar deles quando a beneficiassem e cultivassem; pelo que, quando, depois, el-Rei D. Afonso, duodécimo Rei de Portugal e quinto do nome, deu licença que todas se povoassem no ano de 1449 , pela fertilidade e fresquidão que delas se contava, e por estas cousas que já nelas havia, folgavam de vir a elas e, principalmente, gente muito honrada e nobre, de que todas se povoaram em poucos anos.
Andando os homens nestas ilhas roçando os espessos matos e caçando, não com açores, nem gaviões, nem outras aves de altanaria, as outras aves que neles havia, senão com as próprias mãos, com que as tomavam sem trabalho por elas não fugirem, pelo pouco uso que de ver gente tinham, e beneficiando a terra, semeando-a de trigo, cevada e centeio e de diversos legumes, armando e tecendo suas casas, como fazem os curiosos e cuidadosos passarinhos antre o alto arvoredo, temperando com aquelas soidades dos matos e novas e estranhas ilhas as que tinham de suas terras naturais, donde vinham, uns com determinação de tornar às que deixaram, outros de viver e morrer nas que novamente acharam e povoavam, apostados com aquela colónia de novas terras esquecer as saudades das suas antigas, e estando no ano de 1460 o felicíssimo Capitão das duas primeiras ilhas na de Santa Maria, onde tinha seu principal assento, ocupado, com o mesmo cuidado do mar, com machados e foices roçadouras, roçar e cortar as empinadas árvores e, com enxadas e fogo, extirpar e dissipar e destruir suas grudadas raízes, e romper as terras com o curvo arado, experimentando das sementes qual melhor frutificava, do primeiro alvará que se acha e sabe mandar-lhe o Infante do Regno para o norte do governo destas ilhas, que eram suas, e principalmente destas duas, de Santa Maria e São Miguel, de que o fizera Capitão e Governador, direi aqui, por ser cousa antiga, as palavras antigas, todas finalmente notadas, que são os seguintes: “Eu, o Iffante D. Henrique, duque de Viseu e senhor de Covilhãa, mando a vós, Frei Gonçalo Velho, meu cavaleiro e capitão, por mim, em minhas ilhas de Santa Maria e de Sam Miguel dos açores, que tenhaes esta maneira, a juso scripta acerca da justiça e feitos cives.
Vós mandareis aos juizes da terra que oição as partes que em litígio forem, as mandem vir presente si, e lhes façã comprimento de direito. E se das sentenças, que os juizes derem quiserem appellar, appellem para vos, e vos confirmai as sentenças dos juizes ou as corregei, qual virdes que he direito. E se de vossa sentença elles quiserem appellar, vos lhe nã recebereis appellação, nem lhe dareis salvo estromento dagravo ou carta testimunhavel para mim, com vossa reposta, e então eu denunciarei, o que vir, que he direito, e vos mandarei o que façais; porém vós nã deixareis de mandar enxuquatar as dictas sentenças, posto que com os estromentos ou cartas testimunhaveis a mim venhã. E se for em feito crime, em que algum, ou algua faça o que não deve, e por que mereçam pena de justiça, vos mandai prender e apenar em dinheiro, e degradar para onde vos prouver, e mandar açoutar aquelles, que o merecem, sem dardes pera mim appellação. E se for feito tã crime, per que mereçã mortes ou talhamento de membro, vos mandareis aos juizes, que dem a sentença e os julguem, e da sentença, que derem, appellem por parte da justiça, e enviarão a mim a appellação, e de mim irá a casa del-rey, meu Senhor; e eu vos enviarei a denunciação, que de lá vier. E outrosi avisareis aos moradores dessas ilhas que não vão com nenhuns agravos, nem appellações, nem estromentos, nem cartas testimunhaveis a nenhua justiça, senão a mim ou a meus ouvidores; porque a jurdição toda he minha civel e crime, e de mim irã as appellações das mortes dos homens e talhamentos de membros à casa del-rey, meu Senhor, porque vos, nem outro algum capitão, nam tem poder de matar, nem de mandar talhar membro. E nos outros casos vos tende a maneira susodicta; e qualquer que o contrario fizer, e em esto usurpar minha jurdição, pagara por cada vez, e cada hum, mil reis para minha chancelaria. E outro sim se o taballião de si errar em seu offício por falsidade, vos o sospendei do offício ate me fazerdes saber o erro, como he, e vos eu mandar a maneira que tenhaes. E outrosim sereis avisado, que se a essa ilha forem Diogo Lopez e Rodrigo de Baiona, sem vos mostrarem minha licença que os prendaes e tenhaes bem presos, até mo fazerdes saber, e vos mandar como façaes, e mos enviai presos à minha cadea. E quanto he à inquirição, que me qua enviastes, vos vede la o feito e o determinai, como virdes, que he direito. Comprindo todo assim, e pella guisa, que por mim he mandado sem nello pordes outra briga, nem embargo, porque assim he minha merce. Feito em minha villa de Lagos a dezanove dias de Maio. João de Gorizo o fez, anno do nacimento do Senhor de mil e quatrocentos e setenta .
Indo-se depois, dali a alguns anos (que não podiam ser muitos), destas ilhas o dito Frei Gonçalo Velho para o Regno, pediu-as para os dois sobrinhos, que a elas trouxera consigo meninos e nelas deixava feitos já homens, Nuno Velho e Pero Velho, em idade e discrição que bem as podiam governar, fazendo conta que um ficaria por capitão de uma e outro da outra; porque ele, como se criara na corte, às abas dos reis e grandes senhores, e a natureza também o chamava, ia determinado de largar as ditas capitanias e contentar-se com estar ao bafo dos reis, como sempre estivera, e servi-los em velho, como fizera em mancebo.
Mas, propondo-lhe o Infante diante outro seu sobrinho, que em sua casa tinha, e os muitos serviços que dele tinha recebidos, e como era também seu sobrinho, filho de outra sua irmã, pareceu-lhe bem ao dito Frei Gonçalo Velho a razão do Infante e fez-lhe a vontade, aceitando a mercê que lhe fazia para seu sobrinho, que se chamava João Soares de Albergaria ; e, mandando-o chamar o Infante, lhe fez mercê, diante de seu tio Frei Gonçalo Velho, per sua livre vontade e voluntária renunciação, da capitania das ditas ilhas de Santa Maria e São Miguel, e, beijando o dito João Soares logo a mão ao Infante por esta mercê, que lhe fazia, ficou capitão eleito delas, e depois confirmado por sua carta patente, que lhe disso foi passada, por mandado do dito Infante e assinada por ele .
Além de ser certo indício da muita virtude e do grande e esforçado ânimo deste felicíssimo e primeiro Capitão, que foi destas duas primeiras ilhas dos Açores, pelas achar e descobrir a elas, e, segundo alguns dizem, as outras três, que já disse, mais certa prova é ainda do grande valor de sua ilustre pessoa deixá-las e largá-las livre e liberalmente em sua vida, como quem não deixava nada, pois mais magnânimo se mostra ser o homem em largar e dar o que tem e possui que em aceitar e tomar o que lhe oferecem. Assim ficou este felicíssimo capitão, de boa memória, no Regno, em serviço dos Reis e Infantes que tanto amava, vivendo ainda alguns anos. E depois de muito velho, Frei Gonçalo Velho, sendo-o na idade como no nome e costumes, acabou seus bem empregados anos de sua vida com a morte que a todos leva, dando sua alma a Deus, que tão ornada e acompanhada de virtudes e boas obras lha deu, para por elas, fundadas nos merecimentos de sua sagrada Paixão, lhe dar no Céu (como cremos que deu) a sua glória.
As armas do brazão deste Capitão Frei Gonçalo Velho e de sua progénia dos Velhos, de que todos os descendentes deles gozam, assim os do Regno como os destas duas ilhas de Santa Maria e de São Miguel, e de outras partes onde os há, são um escudo com o campo vermelho e nele cinco vieiras douradas em aspa, com sua merleta de ouro por divisa; e não têm elmo, com o mais que agora se costuma, porque parece que não se costumava naquele tempo antigo, senão somente o escudo com as armas nele; as quais armas dos Velhos são as dos ilustres Capitães da ilha de Santa Maria, que trazem e têm de seus antepassados, e principalmente deste primeiro Capitão da mesma ilha, Frei Gonçalo Velho; e estão postas na igreja de Nossa Senhora da Assunção, da Vila do Porto, da dita ilha, na capela de Duarte Nunes Velho, que deles descendia. Mas depois vi outras da mesma maneira no brazão de Matias Nunes Velho Cabral, com elmo aberto guarnido de ouro, paquife de ouro e vermelho e prata e púrpura, e por timbre um chapéu pardo com uma vieira de ouro na borda da volta, que é o timbre dos Velhos .
Tem esta ilha duas qualidades de terra: massapez e golfeira. A maior parte das terras de massapez ficam da banda da Vila, ao longo do mar do Sul, e alguma chega à banda do Norte e dá muito e bom trigo. As golfeiras ficam nas faldras da serra, e da outra banda também são terras de muito trigo e bom, porque o desta ilha, geralmente, é melhor que de todas as ilhas dos Açores, e o do massapez tem melhoria sobre todas, e é de mais rendimento.
A quarta parte nesta ilha de Santa Maria, pouco mais ou menos, das terras que se lavram é massapez, o qual cria muito as novidades, correndo-lhe o tempo temperado, porque, de outra maneira, é tão ventureiro que, se depois de semeado o trigo lhe chove dois ou três dias, morre a semente; e alguns anos, como foi o de mil quinhentos e oitenta, acontece semear-se duas e três vezes, e, se ao tempo que semeiam, a terra está seca, não nasce o trigo até que não chove, e assim está por nascer um e dois meses sem apodrecer nem se corromper, porque a qualidade deste massapez seco é não receber em si semente, por ser pedra, e, chovendo, assim se desfaz, como biscoito na água. Se chove dois dias, daí a oito e a dez, não podem lavrar nele; e, se depois dele enxuto não chove outros oito dias, não o podem lavrar com seca.
De maneira que é necessário aos lavradores terem o Sol em uma mão e a chuva na outra, esperando em suas sementeiras estas cousas da mão de Deus, que, quando é servido, dá tudo a seus tempos.
Semeia-se um moio desta terra com trinta e cinco até quarenta alqueires de trigo, e não sofre tanta semente como as outras ilhas, porque é de muita criação, e acham-se pés de trigo de um grão, que dá cento e dez, cento e vinte espigas; e o comum daquelas, que bem criam, são cinquenta e sessenta, dez, quinze, vinte, trinta, quarenta.
Monda-se o trigo ao sacho, porque a dureza da terra não sofre mão, ou a mão a não sofre, e para isso fazem uns sachinhos de três dedos de largo, que são, no pequeno olho que tem, da feição de enxada.
A terra, que na ilha de Santa Maria dá dez, doze moios de trigo, é muito melhor que outra tanta que nesta ilha de São Miguel dá vinte, por causa do pouco custo e despesa que se faz em a semear e cultivar, porque a melhor terra que há não passa de alqueire por alqueire, e as mondas também custam pouco.
O trigo dela, especialmente o do massapez, é o melhor de todas as ilhas dos Açores, e dá-o de diversas sortes: nafil, barbela, pelado, canoco, sete-espigo. E a cevada, semelhantemente, tem a vantagem das outras. Este massapez, para a parte do Ponente, entre a qual se acham algumas poucas reboleiras de terra golfeira, e, assim, na serra e onde as terras são golfeiras, também há de massapez outras, o mais que dá um moio de terra dele, pela vara pequena de dez palmos (de que somente ali se usa), são quinze moios de trigo, e, se alguns passam, não poucos; mas o menos dá seis e, como passa destes para cima, não há perda. A ilha, antigamente, foi mui fértil; dava muito e bom trigo e cevada e muito pastel, o melhor que houve nas ilhas, e houve terra que dava algumas vezes, a (sic) por alqueire de cevada, quarenta, trinta e trinta e cinco; mas agora dá o que tenho dito e, às vezes, oito, dez, quinze moios.
As ervas do pasto do gado são azevém, balanco, trevo, trevina, milhã, ainda que pouca, musgo, também muito no mato, panasco, muita grama, pampilho, sagueiro, e, de poucos anos a esta parte, há uma erva que, por não ter nome, lhe chamaram erva má, por ela o ser para os trigos e não a comer o gado; há muita macela galega, e pouca mourisca; todas estas são de tanta abundância, principalmente no massapez, que engordam mais o gado em quinze dias que as desta de São Miguel em trinta. E, assim, são os gados dali muitos mais gordos e encevados que os das outras partes, mas a carne de vaca não é tão gostosa como a desta de São Miguel, sendo muito melhor a de carneiro e ovelha; os cabritos não são bons; os cordeiros boníssimos.
O leite é muito grosso e, assim, faz muita manteiga, e em nenhuma parte dão as vacas mais, porque a que menos rende dá duas canadas cada dia, e, comummente, três e quatro, e algumas cinco e seis, e houve vaca que dava cada dia oito canadas, ordenhada duas vezes, pela manhã e à tarde, mas isto não sempre.
Uma ovelha se matou em casa de um Tomé Afonso, homem honrado, que deu mais de treze arráteis de cevo , pesando juntamente o que se tirava da panela, pelo que tem a ilha às outras uma grande avantagem no seu tamanho, que é de mais criação que todas, porque as vacas nela parem todos os anos, e algumas dois bezerros de um ventre. E o ano de mil e quinhentos e setenta e oito se matou uma novilha no açougue, que acertou de ser prenhe, a que acharam no ventre três bezerros, coisa poucas vezes vista. As ovelhas e cabras parem duas vezes no ano, e as mais dois e às vezes três, de um ventre. Pela qual razão há muita criação destas coisas e de outras semelhantes na terra, com que provê a si e a esta de algumas, afora as que vão para a ilha da Madeira e outras partes. Há também cavalos, mas não bons, sendo as éguas formosas e grandes; parece que saem tais por não haverem cavalos castiços, ou, porventura, causará isto a qualidade da mesma terra.
Há também toda sorte de aves mansas que se costumam criar em casa, galinhas, galipavos, patas e adens. E no campo garças, bilhafres, pombos torcazes, mélroas, estorninhos, canários e outros pássaros que se chamam sachões, que são má coisa, pela perda que fazem nas sementeiras. Algumas codornizes houve, cuja carne amargava, por ser pampilho a mor parte de seu pasto, e, pela mesma razão, ou agora há poucas, ou parece que se acabaram.
Por experiência, está visto que todos os anos, véspera de Nossa Senhora da Anunciação, ou ao dia (se tardam, pode ser um dia ou dois) antes ou depois, vão criar à ilha, no ilhéu, que está junto da Vila um tiro de espingarda da terra, defronte da Ribeira Seca, grande soma de garajaus, que dizem vir de umas ilhas que estão junto de Berbéria, ou da mesma Berbéria, que, por ser terra muito quente, não podem lá criar, porque lhe queima ou gora o Sol ou areia quente, com seus raios, os ovos; e, porque ali no ilhéu lhos queimaram um ano, se absentaram, mas já tornam a criar nele; os quais fazem proveito na terra, porque a alimpam do gafanhoto, que faz também muita perda nos trigos; toma-se também muitas cagarras nas rochas, de que fazem graxa.
Em dois ilhéus que estavam ao longo da ilha, que por essa razão rendem seis tostões cada ano, havia ali, antigamente, muitos estapagados, com que muito se sustentava a gente, porque lhe comiam a carne e se alumiavam com a graxa, e dormiam na pena, de que há ainda na ilha muitas coçaras (sic) e cabeçais, que escusam os colchões; e, havendo tantos deles, os tinham por praga, pela perda que faziam nas terras de comedias de gado, lavrando-as por debaixo com covas em que se acolhiam, e, por isto e porque havendo muitos porcos, comiam os estapagados e a carne sabia muito a eles, indo o bispo D. Agostinho à ilha lhe pediram os maldiçoasse e botasse fora da terra, o que o bispo fez; donde nunca mais os viram, nem os há na terra, senão se vem algum de maravilha; e já agora lhe levantariam de boa vontade a maldição, pois suspiram por eles, que eram mantimento de muitos. Estas aves não as viam de dia fora das covas, senão de noite, em que faziam tão grande gasnada que, quando iam ali algumas pessoas de fora que não sabiam deles, cuidavam ser demónios; são estes pássaros da feição e grandura de pombas, e para os tomarem, no tempo que havia muitos, faziam nos campos fogueiras de noite, e, vindo eles como encandeados com o lume cair sobre elas, os tomavam com paus às trochadas, enchendo assim sacos deles, de que faziam muita graxa, e outros escalavam e punham a secar como pescado, para depois comerem; e já em anos de fome foram desta ilha de São Miguel fazer lá escala deles.
Há também na ilha muitos agriões, vimens, e muito junco, com que cobrem as casas, muitas rosas, de mais suave e excelente cheiro que de outras partes, e, da mesma maneira, a flor da laranja cheira muito melhor e os cravos o mesmo.
Abelhas há já poucas, havendo sido dantes muitas, cujo mel é muito bom, mas não em tanta quantidade como dantes, e coalha-se como marmelada, e a cera também boa; o qual dizem comummente ser melhor para temperar e adubar, mas que para comer só o de cá, de São Miguel, tem avantagem; acham muito em abelheiras que se descobrem alguns anos, e no de mil e quinhentos e setenta e nove, dois tiros de besta da Vila do Porto, na Ribeira Grande dos Moinhos, achou um homem uma, de que tirou quatro canadas de mel; e outros muitos, que cada ano têm por costume buscar abelheiras, acham muitas.
A hortaliça da ilha é a melhor que se pode achar; os rábãos maiores e mais grossos que há em outras partes, e no ano de mil e quinhentos e setenta e sete se achou em uma horta de um homem honrado da terra, que se chama Matias Nunes, um que tinha três palmos de roda na grossura, e outro, em outro tempo, de dois palmos, afora outros muitos, grandes e bons, que se criam muitas vezes; também há nabos muito grandes e já se acharam na ilha da grossura de botijas de quarta. As couves são grandes, sarradas e gostosas, e no massapez crescem muito.
Há também muitos melões, e os melhores destas ilhas, e não há nenhum, por ruim que seja, que não tenha muito bom gosto e se possa comer, antes que lhe caia alforra, que depois nenhum presta para nada. E, geralmente, toda a coisa que na ilha se cria, assim de pranta como de agricultura, é melhor que das outras dos Açores, suas comarcãs, quanto é na bondade, que no mais, um moio de terra nesta ilha de São Miguel rende como dois e mais na de Santa Maria.
Há também muitos e baratos coelhos, que dão três por um vintém, e são tantos, que fazem nas novidades muita perda, e, se os não matassem, como matam muitos, caçando, não se fariam searas com eles. E o mesmo nojo fazem na terra os muitos e grandes ratos que há nela.
Há furões muito bons e cães de caça, ainda que já os houve muito melhores que agora, de maneira que alguns senhores do Reino os mandavam buscar à ilha.
Antigamente, houve muitas perdizes que já se acabaram; dizem alguns que os porcos e ratos e bilhafres as desinçaram da terra, os porcos e ratos comendo-as no ninho e os bilhafres depois que andavam fora, ou por se descobrirem as terras se perderam, como alguns mais afirmam. Porque, em outro tempo, faziam muito pastel na ilha, e as mais das terras, que agora são de matos, foram roçadas para ele, que era bom e dava proveito, e por tempo se veio a perder o trato dele, deixando-se de fazer perto de quarenta anos, por uns mercadores, que vieram de fora, o tomarem na alfarja aos lavradores e o misturarem com o granado, por não haver então justiça que nisso atentasse; mas, já agora, de quatro ou cinco anos a esta parte, se começa a fazer tão bom como o melhor desta ilha de São Miguel. Ou se acabariam as perdizes por todas estas causas, porque, quando uma só por si não pudesse, muitas juntas se ajudariam.
Nas ribeiras de água há muitos eirós e grandes, tamanhos como safios, e para comer mui gostosos; ao redor da ilha se fazem grandes pescarias de pescados de toda a sorte, de que é bem provida, mas não é tão bom e gostoso como o desta de São Miguel. De marisco, há lagostas e muitos e bons lagostins, e algumas cranguejolas (sic) e muitos cangrejos (sic) e camarões, cracas e lapas.
Não falo nas vinhas e bom vinho, que já disse haver ali muito; e melhor o fizeram, se seus donos se puseram a isso. Mas, finalmente, digo que em todas as sete ilhas dos Açores não há melhor torrão de terra que o desta de Santa Maria, pois tudo o que há de mantimentos, frutas e gado é extremado e bom, senão as pragas que disse fazerem-lhe prejuízo, além das muitas pulgas; e querem dizer alguns que muitas mais houvera, se não fora o remédio que para as matar deu um médico castelhano, dizendo que lhe abrissem as bocas e que lhe deitassem um pouco de pó de tijolo ou uma pedra de sal, com que logo morreriam.
DA FERTILIDADE DA ILHA DE SANTA MARIA, ASSIM DE PÃO COMO DE CRIAÇÃO E DE OUTRAS COISAS
Tem esta ilha duas qualidades de terra: massapez e golfeira. A maior parte das terras de massapez ficam da banda da Vila, ao longo do mar do Sul, e alguma chega à banda do Norte e dá muito e bom trigo. As golfeiras ficam nas faldras da serra, e da outra banda também são terras de muito trigo e bom, porque o desta ilha, geralmente, é melhor que de todas as ilhas dos Açores, e o do massapez tem melhoria sobre todas, e é de mais rendimento.
A quarta parte nesta ilha de Santa Maria, pouco mais ou menos, das terras que se lavram é massapez, o qual cria muito as novidades, correndo-lhe o tempo temperado, porque, de outra maneira, é tão ventureiro que, se depois de semeado o trigo lhe chove dois ou três dias, morre a semente; e alguns anos, como foi o de mil quinhentos e oitenta, acontece semear-se duas e três vezes, e, se ao tempo que semeiam, a terra está seca, não nasce o trigo até que não chove, e assim está por nascer um e dois meses sem apodrecer nem se corromper, porque a qualidade deste massapez seco é não receber em si semente, por ser pedra, e, chovendo, assim se desfaz, como biscoito na água. Se chove dois dias, daí a oito e a dez, não podem lavrar nele; e, se depois dele enxuto não chove outros oito dias, não o podem lavrar com seca.
De maneira que é necessário aos lavradores terem o Sol em uma mão e a chuva na outra, esperando em suas sementeiras estas cousas da mão de Deus, que, quando é servido, dá tudo a seus tempos.
Semeia-se um moio desta terra com trinta e cinco até quarenta alqueires de trigo, e não sofre tanta semente como as outras ilhas, porque é de muita criação, e acham-se pés de trigo de um grão, que dá cento e dez, cento e vinte espigas; e o comum daquelas, que bem criam, são cinquenta e sessenta, dez, quinze, vinte, trinta, quarenta.
Monda-se o trigo ao sacho, porque a dureza da terra não sofre mão, ou a mão a não sofre, e para isso fazem uns sachinhos de três dedos de largo, que são, no pequeno olho que tem, da feição de enxada.
A terra, que na ilha de Santa Maria dá dez, doze moios de trigo, é muito melhor que outra tanta que nesta ilha de São Miguel dá vinte, por causa do pouco custo e despesa que se faz em a semear e cultivar, porque a melhor terra que há não passa de alqueire por alqueire, e as mondas também custam pouco.
O trigo dela, especialmente o do massapez, é o melhor de todas as ilhas dos Açores, e dá-o de diversas sortes: nafil, barbela, pelado, canoco, sete-espigo. E a cevada, semelhantemente, tem a vantagem das outras. Este massapez, para a parte do Ponente, entre a qual se acham algumas poucas reboleiras de terra golfeira, e, assim, na serra e onde as terras são golfeiras, também há de massapez outras, o mais que dá um moio de terra dele, pela vara pequena de dez palmos (de que somente ali se usa), são quinze moios de trigo, e, se alguns passam, não poucos; mas o menos dá seis e, como passa destes para cima, não há perda. A ilha, antigamente, foi mui fértil; dava muito e bom trigo e cevada e muito pastel, o melhor que houve nas ilhas, e houve terra que dava algumas vezes, a (sic) por alqueire de cevada, quarenta, trinta e trinta e cinco; mas agora dá o que tenho dito e, às vezes, oito, dez, quinze moios.
As ervas do pasto do gado são azevém, balanco, trevo, trevina, milhã, ainda que pouca, musgo, também muito no mato, panasco, muita grama, pampilho, sagueiro, e, de poucos anos a esta parte, há uma erva que, por não ter nome, lhe chamaram erva má, por ela o ser para os trigos e não a comer o gado; há muita macela galega, e pouca mourisca; todas estas são de tanta abundância, principalmente no massapez, que engordam mais o gado em quinze dias que as desta de São Miguel em trinta. E, assim, são os gados dali muitos mais gordos e encevados que os das outras partes, mas a carne de vaca não é tão gostosa como a desta de São Miguel, sendo muito melhor a de carneiro e ovelha; os cabritos não são bons; os cordeiros boníssimos.
O leite é muito grosso e, assim, faz muita manteiga, e em nenhuma parte dão as vacas mais, porque a que menos rende dá duas canadas cada dia, e, comummente, três e quatro, e algumas cinco e seis, e houve vaca que dava cada dia oito canadas, ordenhada duas vezes, pela manhã e à tarde, mas isto não sempre.
Uma ovelha se matou em casa de um Tomé Afonso, homem honrado, que deu mais de treze arráteis de cevo , pesando juntamente o que se tirava da panela, pelo que tem a ilha às outras uma grande avantagem no seu tamanho, que é de mais criação que todas, porque as vacas nela parem todos os anos, e algumas dois bezerros de um ventre. E o ano de mil e quinhentos e setenta e oito se matou uma novilha no açougue, que acertou de ser prenhe, a que acharam no ventre três bezerros, coisa poucas vezes vista. As ovelhas e cabras parem duas vezes no ano, e as mais dois e às vezes três, de um ventre. Pela qual razão há muita criação destas coisas e de outras semelhantes na terra, com que provê a si e a esta de algumas, afora as que vão para a ilha da Madeira e outras partes. Há também cavalos, mas não bons, sendo as éguas formosas e grandes; parece que saem tais por não haverem cavalos castiços, ou, porventura, causará isto a qualidade da mesma terra.
Há também toda sorte de aves mansas que se costumam criar em casa, galinhas, galipavos, patas e adens. E no campo garças, bilhafres, pombos torcazes, mélroas, estorninhos, canários e outros pássaros que se chamam sachões, que são má coisa, pela perda que fazem nas sementeiras. Algumas codornizes houve, cuja carne amargava, por ser pampilho a mor parte de seu pasto, e, pela mesma razão, ou agora há poucas, ou parece que se acabaram.
Por experiência, está visto que todos os anos, véspera de Nossa Senhora da Anunciação, ou ao dia (se tardam, pode ser um dia ou dois) antes ou depois, vão criar à ilha, no ilhéu, que está junto da Vila um tiro de espingarda da terra, defronte da Ribeira Seca, grande soma de garajaus, que dizem vir de umas ilhas que estão junto de Berbéria, ou da mesma Berbéria, que, por ser terra muito quente, não podem lá criar, porque lhe queima ou gora o Sol ou areia quente, com seus raios, os ovos; e, porque ali no ilhéu lhos queimaram um ano, se absentaram, mas já tornam a criar nele; os quais fazem proveito na terra, porque a alimpam do gafanhoto, que faz também muita perda nos trigos; toma-se também muitas cagarras nas rochas, de que fazem graxa.
Em dois ilhéus que estavam ao longo da ilha, que por essa razão rendem seis tostões cada ano, havia ali, antigamente, muitos estapagados, com que muito se sustentava a gente, porque lhe comiam a carne e se alumiavam com a graxa, e dormiam na pena, de que há ainda na ilha muitas coçaras (sic) e cabeçais, que escusam os colchões; e, havendo tantos deles, os tinham por praga, pela perda que faziam nas terras de comedias de gado, lavrando-as por debaixo com covas em que se acolhiam, e, por isto e porque havendo muitos porcos, comiam os estapagados e a carne sabia muito a eles, indo o bispo D. Agostinho à ilha lhe pediram os maldiçoasse e botasse fora da terra, o que o bispo fez; donde nunca mais os viram, nem os há na terra, senão se vem algum de maravilha; e já agora lhe levantariam de boa vontade a maldição, pois suspiram por eles, que eram mantimento de muitos. Estas aves não as viam de dia fora das covas, senão de noite, em que faziam tão grande gasnada que, quando iam ali algumas pessoas de fora que não sabiam deles, cuidavam ser demónios; são estes pássaros da feição e grandura de pombas, e para os tomarem, no tempo que havia muitos, faziam nos campos fogueiras de noite, e, vindo eles como encandeados com o lume cair sobre elas, os tomavam com paus às trochadas, enchendo assim sacos deles, de que faziam muita graxa, e outros escalavam e punham a secar como pescado, para depois comerem; e já em anos de fome foram desta ilha de São Miguel fazer lá escala deles.
Há também na ilha muitos agriões, vimens, e muito junco, com que cobrem as casas, muitas rosas, de mais suave e excelente cheiro que de outras partes, e, da mesma maneira, a flor da laranja cheira muito melhor e os cravos o mesmo.
Abelhas há já poucas, havendo sido dantes muitas, cujo mel é muito bom, mas não em tanta quantidade como dantes, e coalha-se como marmelada, e a cera também boa; o qual dizem comummente ser melhor para temperar e adubar, mas que para comer só o de cá, de São Miguel, tem avantagem; acham muito em abelheiras que se descobrem alguns anos, e no de mil e quinhentos e setenta e nove, dois tiros de besta da Vila do Porto, na Ribeira Grande dos Moinhos, achou um homem uma, de que tirou quatro canadas de mel; e outros muitos, que cada ano têm por costume buscar abelheiras, acham muitas.
A hortaliça da ilha é a melhor que se pode achar; os rábãos maiores e mais grossos que há em outras partes, e no ano de mil e quinhentos e setenta e sete se achou em uma horta de um homem honrado da terra, que se chama Matias Nunes, um que tinha três palmos de roda na grossura, e outro, em outro tempo, de dois palmos, afora outros muitos, grandes e bons, que se criam muitas vezes; também há nabos muito grandes e já se acharam na ilha da grossura de botijas de quarta. As couves são grandes, sarradas e gostosas, e no massapez crescem muito.
Há também muitos melões, e os melhores destas ilhas, e não há nenhum, por ruim que seja, que não tenha muito bom gosto e se possa comer, antes que lhe caia alforra, que depois nenhum presta para nada. E, geralmente, toda a coisa que na ilha se cria, assim de pranta como de agricultura, é melhor que das outras dos Açores, suas comarcãs, quanto é na bondade, que no mais, um moio de terra nesta ilha de São Miguel rende como dois e mais na de Santa Maria.
Há também muitos e baratos coelhos, que dão três por um vintém, e são tantos, que fazem nas novidades muita perda, e, se os não matassem, como matam muitos, caçando, não se fariam searas com eles. E o mesmo nojo fazem na terra os muitos e grandes ratos que há nela.
Há furões muito bons e cães de caça, ainda que já os houve muito melhores que agora, de maneira que alguns senhores do Reino os mandavam buscar à ilha.
Antigamente, houve muitas perdizes que já se acabaram; dizem alguns que os porcos e ratos e bilhafres as desinçaram da terra, os porcos e ratos comendo-as no ninho e os bilhafres depois que andavam fora, ou por se descobrirem as terras se perderam, como alguns mais afirmam. Porque, em outro tempo, faziam muito pastel na ilha, e as mais das terras, que agora são de matos, foram roçadas para ele, que era bom e dava proveito, e por tempo se veio a perder o trato dele, deixando-se de fazer perto de quarenta anos, por uns mercadores, que vieram de fora, o tomarem na alfarja aos lavradores e o misturarem com o granado, por não haver então justiça que nisso atentasse; mas, já agora, de quatro ou cinco anos a esta parte, se começa a fazer tão bom como o melhor desta ilha de São Miguel. Ou se acabariam as perdizes por todas estas causas, porque, quando uma só por si não pudesse, muitas juntas se ajudariam.
Nas ribeiras de água há muitos eirós e grandes, tamanhos como safios, e para comer mui gostosos; ao redor da ilha se fazem grandes pescarias de pescados de toda a sorte, de que é bem provida, mas não é tão bom e gostoso como o desta de São Miguel. De marisco, há lagostas e muitos e bons lagostins, e algumas cranguejolas (sic) e muitos cangrejos (sic) e camarões, cracas e lapas.
Não falo nas vinhas e bom vinho, que já disse haver ali muito; e melhor o fizeram, se seus donos se puseram a isso. Mas, finalmente, digo que em todas as sete ilhas dos Açores não há melhor torrão de terra que o desta de Santa Maria, pois tudo o que há de mantimentos, frutas e gado é extremado e bom, senão as pragas que disse fazerem-lhe prejuízo, além das muitas pulgas; e querem dizer alguns que muitas mais houvera, se não fora o remédio que para as matar deu um médico castelhano, dizendo que lhe abrissem as bocas e que lhe deitassem um pouco de pó de tijolo ou uma pedra de sal, com que logo morreriam.
Afirma-se, por muitos que o viram acontecer, um milagre, haverá doze ou treze anos, na fonte da Praia de Nossa Senhora dos Remédios, nesta ilha de Santa Maria, dando a Senhora remédio e saúde a um moleiro, chamado Pedro Afonso, morador em Valverde, que era muito enfermo e estava em cama havia três anos, o qual, tendo grande desejo e devação (sic) de beber naquela fonte de Nossa Senhora, por ele não poder ir a ela, trazendo-lhe da água que bebesse, não se satisfazia de a beber senão na mesma fonte, com os quais desejos, vindo um dia de São João, que se festejava na dita ermida de Nossa Senhora, onde está uma imagem do Santo, de vulto, tanto porfiou que o levassem a ela, até que lhe satisfizeram seus desejos, ainda que com trabalho seu e dos que o levavam o caminho de sua casa até lá, perto de uma légua, trabalhoso de ladeiras e grandes subidas. Chegado à ermida e fazendo sua oração, se encomendou tanto a Deus e a Nossa Senhora, pedindo-lhe saúde, que, levando-o à fonte e bebendo nela muita água, começou a arrevessar e lançou pela boca um bicho da feição de eiró, maior que um palmo, e logo ficou desalivado , indo por seus pés dar graças à Senhora, e tornando-se, da mesma maneira, são para sua casa, onde havia três anos que se não podia ter neles.
Uns mordomos de Nossa Senhora da Purificação, da serra, achando-se sem cera, foram à Vila pedir certos círios e tochas para lhe solenizar a festa, os quais arderam às vésperas e à missa, e, quando veio ao pesar da cera para se pagar à confraria, acharam que nenhuma coisa faltava.
Um João Vaz Melão, que se chamava das Virtudes, pela com que curava, natural de Viseu, donde veio à ilha logo no princípio, depois de ser achada, e curava nela por virtude que dizem ser-lhe dada de Deus, por um modo, não sei se autêntico, de que se conta uma larga história que, por brevidade, não digo; onde tinha muita fazenda e uma grande casa que lhe não servia mais que dos enfermos que de muitas partes o buscavam, os quais ele curava, por amor de Deus, só com ervas e azeite, sem mais outra mezinha. E afirma-se que, faltando uma vez o azeite em toda a ilha e querendo ele curar uns doentes que de outras ilhas lá foram, mandou a uma sua neta que lhe trouxesse um pouco dele, afirmando-lhe a moça que não o havia em casa, por ter visto dantes a jarra dele vazia; porfiando o velho algumas vezes que a trouxesse, que azeite tinha, e a neta replicando outras tantas que tal não havia, lhe tornou ele a dizer: “Ora vai com a graça de Deus que a jarra tem azeite e não sejas desconfiada”. E a moça, tomando a jarra na mão, a achou cheia de azeite, não tendo dantes gota dele. Este homem curava de graça e nunca lhe pareceu ferida dificultosa, por grande que fosse, dizendo que não era nada, com a ajuda de Deus, com a qual nenhum lhe faleceu nas mãos. E seus filhos e netos e bisnetos, todos têm esta virtude de curar, principalmente, feridas, torceduras, quebraduras de pernas, que parece cousa milagrosa.
Também se conta, por verdade, que, faltando a carne em um vodo do Espírito Santo, que na ilha se fazia para a gente necessitada, que de fora chegara com fome, vendo-o ele, mandara do seu gado trazer certos carneiros, os quais se mataram e comeram, e ao outro dia os acharam com as mesmas ovelhas; e dizem que tinham os sinais nas gargantas por onde os degolaram, o que é mui nomeado e afirmado antre todos os moradores da ilha.
Pela fama que corria das curas que fazia este João Vaz das Virtudes, se diz que, achandose ele no Reino, foi chamado para curar ou a el-Rei D. Manuel ou à Rainha, e, tendo a cura bom sucesso, lho agradeceu Sua Alteza, dizendo-lhe que pedisse mercê. O qual pediu que lhe desse as cabeçadas das suas terras, que tinha na dita ilha, que podiam ser como vinte moios de terra, que naquele tempo estavam devolutas, sem se aproveitar e por dar todas as que na ilha havia para a banda da serra; e não davam naquele tempo (que podia ser na era de mil e quinhentos anos) dois mil réis por um moio de terra. O bom velho não quis pedir senão as cabeçadas das suas terras, e não todas as da ilha, que não lhe foram negadas, se as pedira; e partira com muitos e honrados filhos que tinha, que tudo era pouco para o que el-Rei lhe dera, mas mais quis ser notado de temperado que de muito cobiçoso.
Depois deste tempo se venderam na ilha muitos moios de terras de comedia de gado, e alguma servia para semear, a quinhentos réis o moio.
A natureza do massapez é tão forte, que no verão abre tanto para o centro, que cabe uma lança pela fenda da terra, e a boca, quando muito, pode o mais ser de meio palmo de largo, e, se chove, sarra-se aquela fenda por cima e por baixo fica aberta. E no ano de 1561 ou 62, sucedeu semearem-se algumas serôdias e, não lhe chovendo todo o verão, esteve o trigo na terra por nascer, pela seca que havia, por espaço de seis meses, e no fim deste tempo nasceu e deu depois perfeito fruto.
No tempo do terramoto de Vila Franca e no segundo desta ilha de São Miguel (como em seu lugar direi) e todas as mais vezes que ela treme, com grandes tremores, treme também a ilha de Santa Maria, mas não da maneira que esta, com tão grandes abalos, senão muito menos; e deve ser a razão por estar fundada em rocha. E dia de Nossa Senhora da Esperança da era de 1577 tremeu a terra, e muitas pessoas a sentiram tremer duas horas depois da meianoite, e, na primeira passagem que de cá foi, souberam que também esta ilha de São Miguel na mesma noite e hora tremera muito por espaço em que se podia rezar o Credo uma vez.
No mês de Março de 1577 achou um pescador, na costa, um peixe, não muito grande, que tinha cornos e orelhas e penugem, coisa mui feia, e por ser homem pouco curioso o tornou a deitar no mar; e, no mesmo tempo e com a mesma tormenta, saiu à costa um cavalinho de grandura de um dedo, que vê-lo não havia mais que pintar; mas destes cria o mar muitos, que vão sair em muitas partes de outras terras.
Lobos marinhos há muitos e grandes pela costa, e algumas vezes os tomam nas furnas, onde saem a dormir, por causa dos quais não tomam na ilha lagostas em côvãos (porque eles os quebram), havendo nela muitas delas e lagostins, que, somente, tomam de mergulho e de fisga.
No ano de mil e quinhentos e setenta e quatro acharam os pescadores uma baleia morta onde se chama o Mar de Ambrósio, e, por ser longe e estar um só batel, a não levaram a terra, inteira, senão muitas postas dela, de que fizeram muito azeite.
No ano seguinte de 1575, a derradeira oitava de Páscoa, apareceu outra, junto da Vila, e três ou quatro batéis, que foram a ela, a levaram à costa, junto de Nossa Senhora da Concepção, da qual se fez muito proveito e tiraram ambre (sic), que lá foi buscar desta ilha o feitor de el-Rei, Jorge Dias. Dizem que aproveitou, mas os pobres nada dele gozaram.
No mesmo ano, em meio de Junho, apareceu outra da banda de Sant’Ana, a qual tiraram em terra no porto de Nossa Senhora dos Anjos, de que se fizeram dez ou doze pipas de azeite.
Daí a poucos dias, acharam outra da mesma banda de Sant’Ana, mas porque já andavam os homens enfadados, e ser tempo de aceifa, não curaram dela, até que desapareceu de todo.
Os anos passados, foi achado em Sant’Ana um grande pedaço, que parecia tábua de uma coisa como cevo e da mesma sua cor, que ardia mui bem, e diziam que também aproveitava para frialdade, sem se acabar de determinar o que seria. E muitos há que em São Lourenço saiu um baleato pequeno, afora outros que não lembram.
Em casa de Sebastião Afonso, morador na freguesia da Vila, nasceu um bezerro que tinha pés de cavalo, e o que anda para diante estava para trás, e ventas também de cavalo, e durou pouco.
Afonso Anes, de Santa Bárbara, teve um boi com dois membros naturais de macho e fêmea.
A Manuel Pires, morador na Vila, lhe nasceu um cordeiro perfeito, e em lugar de cabeça tinha uma bexiga de água.
Na era de 1572 anos, pouco mais ou menos, nasceu um menino sem sesso, filho de João da Fonte, o qual baptizou o padre José Gonçalves, e viveu somente quatro ou cinco dias.
Outra mulher, de um João Anes, pariu uma criança morta, que não tinha mais que a metade do corpo, que era só de uma banda uma perna muito comprida, contra natural, monstruosa, e um braço da mesma maneira.
Aos vinte e dois dias do mês de Março da era de mil e quinhentos e setenta e oito, Leonor Fernandes, mulher de Manuel Fernandes Milhandos, pariu um monstro morto, que seria da compridão de um palmo de carne humana, a cabeça e olhos, pés, mãos, unhas e rabo de gato com um braço e cabelos; e, antes que morresse, no ventre, comia de maneira que não se fartava, e, depois de morto, deitou de si a urina, e tinha a mãe grandíssimas dores, o que tudo ela contava depois desta maneira, e o viram suas vizinhas Maria Lopes e Petronilha Lopes e outras, que junto dela moravam.
Afonso Carvalho teve dois filhos e uma filha, todos mudos; dizem que sua mulher, quando era moça, não sendo muito obediente a sua mãe, que algumas vezes a chamava e não lhe respondia, pelo que fora dela maldiçoada, dizendo-lhe: “ainda tu tenhas filhos que te queiram responder e não possam”. E a mesma mãe destes mudos contava isto, vendo os filhos e cumprida neles a maldição da mãe dela e avó deles. O que devia ser aviso para pais e mães mal atentados e desbocados, que cuidam que, sem freio nem consideração, podem rogar aos filhos a praga que lhe vem à boca, a qual depois vendo neles é mágoa de seu coração, além de ser, quando lha rogam, nódoa na consciência e mácula de sua alma.
Em casa do Capitão Pedro Soares de Sousa andava uma porca prenhe, a qual lhe pariu um leitão no mês de Abril; criado o leitão até um mês, o comeram, e meteram a mãe em um chiqueiro para, depois de gorda, lhe fazerem outro tanto, e, matando-a no mês de Setembro, acharam-lhe no ventre outro bácoro morto, com cabelos muito grandes, os olhos esbugalhados e uns dentes como de cachaço.
Esta ilha de Santa Maria está como situada sobre pedra e as rochas do mar todas são dela, onde há muita urzela, que valeu os anos passados a oito e novecentos réis o quintal.
A serra, que pelo meio de terra vai como espinhaço alevantado, parte corre Leste-oeste e, por voltas que faz, vai também do Noroeste ao Sueste; é alta a maior parte dela e tem muita lenha, que parece não faltará enquanto durar a terra; e as fajãs o mesmo; e há murta em grande quantidade. Na serra há muito pau branco e poucos cedros, e não servem para madeira, a qual, nem deles, nem de outras árvores, há na terra senão pouca, ruim e mal direita, por ser tudo pedra debaixo da terra, onde dando as raízes das árvores crescem pouco, por andarem e comerem somente a flor da terra, e a maior altura que se acha são sete, oito palmos de terra e logo vão dar no lastro da pedra, que debaixo tem como alicece (sic) e fundamento de toda a ilha; e, ainda que esta terra, desta ilha, produz e cria todas as frutas e árvores que lhe prantam, por esta razão não crescem muito em altura. Dá-se nela também toda a sorte de hortaliça, e muito boa, principalmente de Outono. Cria muito muitos azevinhos, ginjas, louros, tamujos e uveiras, que dão muitas uvas de serra e as melhores que há nestas ilhas todas.
Junto da rocha, defronte do Castelete, da parte do Oriente, está um monte que se chama o pico Calvo, por ser escalvado em cima, no cume. E indo por dentro da terra, junto da igreja, da banda do Norte, sobre Santo António, está um pico que se chama do Cavaleiro, porque foi de Álvaro da Fonte, que o era .
Mais adiante, pela mesma banda, está o Campo do Loural, por haver nele antigamente, e, ainda agora, muitos louros e grandes, que é de Fernão Monteiro de Gamboa, genro do Minhoto. Ao Sul deste campo estão uns picos que se chamam de Malbusca, dos quais, para o caminho que vai para a Vila, estão umas covoadas que se chamam o Carvão, parece por se fazer ali em algum tempo passado.
Atrás destas covoadas, no caminho, está um passo que se chama Almagra, porque a tiram nele de umas covas. Logo um tiro de besta adiante, indo para a Vila, está outro, que se chama a Setada, por ali tirarem com uma seta ao Minhoto, com que lhe deram pela banda esquerda em umas luvas, que trazia, e, no seio, umas horas de Nossa Senhora, com que lhe fez pouco dano.
Saindo desta ladeira, no chão desta serra, para a banda do Norte se chamam os Pastelinhos, porque antigamente havia neste lugar pastéis.
Mais adiante, ao longo do caminho, está uma fonte que se chama de Sebastião Vaz Faleiro, neto de João Vaz das Virtudes, por haverem sido estas terras suas, da qual dizem ser melhor a água da ilha, onde bebem os caminhantes, e pode ser que o suor, quentura e trabalho do caminhar lha faz parecer melhor de todas as outras que bebem em suas casas, descansados, com sossego.
Desta para a banda do Sul está um pico que tem uma grande penedia sobre o Farrobo, que se chama Castelo de Bodes, porque no verão calmoso vão ali tomar o ar fresco, onde sempre corre viração.
Indo pelo caminho mais avante dois tiros de besta, se encontra o Arrebentão do Azevinho, por haver ali estado um; para a banda do Sul está uma lombada sobre o Farrobo, chamada a de Pero d’Arcos.
Mais adiante outros dois tiros de besta se vê arvorada uma cruz, que se chama a dos Picos, porque são os altos que aparecem e se vêem desta ilha de São Miguel na de Santa Maria. E atrás deste lugar para o Norte, fica um baixo, que se chama o Forno, porque tem um bosque da feição dele, donde nascem umas fontes que vão ter ao ilhéu do Romeiro. Esta fazenda foi de Nuno Lourenço, neto que foi de África Anes.
E assim ficam outras coisas e lugares que seria longo processo contá-los, contra meu intento, que não é senão pôr os mais conhecidos e notáveis. Os altos da Cruz dos Picos, já ditos, correm até às Lagoinhas, que lhe ficam ao Noroeste. Pela faldra desta serra, da banda do Norte, está outro pico, que se chama o Redondo, quase sobre a freguesia de Santa Bárbara, e outro Penedo e os Possilgos, onde há muitas e boas uvas da serra, e a Ribeira do Poldro, de que se tira muita madeira, mas não muito grossa.
Pela banda do Sul está um lugar sobre a Almagreira, que se chama os Malhadais, a Lombada do Galego, o Pico de João da Castanheira , a Lombada do Capitão, o Curral de Gil. Para baixo, está na terra feita a Almagreira, as Feiteiras, o Paúl, Flor da Rosa. Para a banda do Sul, o Tramoçal, sobre a praia, o Pico do Figueiral, onde vigiam e estão os fachos, Valverde e logo adiante da Vila, para Nossa Senhora dos Anjos, o Ginjal, os Canaviais, porque, antigamente, estiveram ali de açúcar, a Torre e outros lugares altos, afora os baixos que estão da Vila até Sant’Ana, porque aquela é a mais baixa parte de toda a ilha.
Há nesta ilha barro, de que se faz louça vermelha, sem ter necessidade da de fora, e telha muito boa, que, além de abastar para a terra, se traz para esta ilha de São Miguel muita dela.
Tem também pedra de cal, e nela se faz não tão alva, nem forte como a de Portugal; e vale a seiscentos réis o moio, pelo preço mais caro. Também há greda, cré, almagra e areia branca, com que se costuma arear e lavar o estanho.
Tem também muitas frescas fontes e ribeiras, de muita água, e com algumas se pode regar a terra para a fazer dar muito fruto e hortaliça, se os moradores disso foram curiosos.
Uma das freguesias da banda da serra, de Nossa Senhora da Purificação, estará da Vila do Porto duas léguas e meia, pouco mais ou menos, ao Nordeste. A outra, de Santa Bárbara, fica ao longo da serra, da mesma banda do Norte, légua e meia da Vila. E haverá em toda a ilha pouco mais de quinhentos fogos e mil e oitocentas e vinte e três almas de confissão, pelos róis dos vigairos.
Esta ilha de Santa Maria, por estar sobre pedra e rocha firme, treme poucas vezes, e não com tremores tão grandes, como acontecem nestas outras ilhas dos Açores.
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