Concorrendo muita dúvida e alteração sobre a sucessão do Regno de Portugal, entre el-Rei Filipe e D. António, Prior do Crato, filho do Infante D. Luís, sendo este, como português, jurado por Rei nestas ilhas dos Açores, foi tanto o poder de el-Rei Filipe, fundado na justiça e direito, que por muitos e graves letrados do Regno e fora dele lhe era concedido, que se apossou de todo o Regno e em todo ele foi reconhecido e jurado por Rei. E de tal maneira foi esbulhado D. António e destruído com os seus, que se não soube de certeza para que parte era acolhido, ou se ficava escondido no Regno.
Depois de Sua Majestade estar já de posse do dito Regno de Portugal, determinou entender nas ilhas, e mandar a elas uma pessoa que pusesse as cousas em termos que se tivessem os insulanos por ditosos terem tal Rei e Senhor. Foi escolhido Ambrósio de Aguiar Coutinho, de quem tinha larga satisfação sobre as pretensões dos Regnos, o qual Ambrósio de Aguiar Coutinho era filho morgado de Pedro Afonso de Aguiar, provedor dos almazens do Reino de Portugal, e primo com-irmão de Jorge de Melo, que foi casado com D. Joana da Silva, com que depois casou o dito Ambrósio de Aguiar. O qual foi por capitão-mor duma armada que el- Rei D. Sebastião mandou à Índia e, vindo de lá, o acompanhou na jornada de África, sendo um dos quatro coronéis, onde foi cativo. Tornando do cativeiro, o puseram os governadores por capitão na fortaleza de Setúvel. Daí lhe sucedeu mandá-lo prender D. António. E, depois da batalha de Alcântara, onde ficou solto e livre, o mandou el-Rei chamar, e foi à cidade de Elvas e ali o despachou e lhe deu a principal comenda de Beja, que lhe importava seiscentos mil réis cada ano, para ele e para seu filho, e fez outras mercês, enviando-o por governador a estas ilhas dos Açores. Quando estava no castelo de Setúvel por capitão, se embarcaram os Governadores fugindo para Castela, de que resultou ao dito Ambrósio de Aguiar estar já confessado para o degolarem. Com este concepto que dele tinha Sua Majestade, lhe deu o governo das ditas ilhas, com largos poderes e novas honras; deixando em seu alvidrio tudo, dizendo-lhe que confiava dele que em seu serviço o faria sempre melhor do que o ele encomendava. E em um capítulo de sua instrução dizia que, posto que nela dizia o que faria, que o não fizesse, parecendo-lhe outra cousa.
Partiu o dito governador a vinte de Abril de mil e quinhentos e oitenta e um anos, e veio com próspero tempo da barra de Lisboa no galeão S. Cristóvão, em que era capitão António Ribeiro, cavaleiro da ordem de Aviz, que foi tenente e guarda de el-Rei D. Sebastião, homem de muita honra e mansidão. Depois de saídos, veio por sua popa um barcote ingrês e chegado ao galeão, com a dissimulação que lhe convinha, o salvou. Visto pelo capitão do galeão, perguntou que navio era; respondeu ser ingrês, que ia carregado de sal, como ia, não fazendo caso dele como não havia para quê. E dentro nele se afirma ir D. António, que até então se não tinha ido para França que, quando foi o desbarate do Porto, tornou para Lisboa por terra. Fora sucesso próspero, para a muita honra de Sua Majestade fazia a quem o desse, e era ainda tempo de clemência e escusaram-se tantos trabalhos padecidos. Mas não havia de ser, que o demérito de nossos pecados o estorvou.
Chegou o dito Ambrósio de Aguiar, governador, a esta ilha, da banda do norte dela, a três de Maio da dita era. E vindo da banda dos Mosteiros deitou em terra a Tomé Roiz Tibao, seu veador, a dar a nova de sua vinda à cidade da Ponta Delgada, que foi alegre a alguns e a outros enfermos odiosa. E, pelo contraste do vento que naquela noite lhe deu, foram arribados à Terceira, e perto da baía mandou o dito governador recado de sua chegada da parte de Sua Majestade, cujo vassalo era, dizendo que àquela ilha vinha dedicado, por ser mais principal, como assim o mandava el-Rei, que nela residisse, e que vissem se lhe davam licença para lhe dar as cartas e desembarcar com elas. Foram chamados à Casa da Misericórdia, em dia de Corpus Christi do dito ano, Ciprião de Figueiredo de Vasconcelos, corregedor, com os vereadores; e juntos pôs a prática do que se oferecia, onde nos nobres houve diversos pareceres, uns que se recolhesse, outros que não; deste parecer que sim foi um João Dias do Carvalhal, que até então havia sido figadal inimigo do bando de Sua Majestade, e daí ficou suspeito, e foi causa de se ir a Inglaterra e remediar-se por aquela via e do embaixador D. Bernardino de Mendonça, e fazer-lhe Sua Majestade mercê. Como digo, acordaram não o recolher, porque o comum foi sempre do parecer antoniano, e resolutamente disseram aos que no barco estavam se fossem e dissessem ao dito governador se fosse embora e não fizesse nenhuma detença. Visto por ele seu danado intento, muito peor para eles, o fez assim. Donde veio a esta ilha de S. Miguel, onde desembarcou um domingo depois do jantar, vinte e oito dias de Maio da dita era de oitenta e um, desembarcando com ele o licenciado Diogo de Barros, que vinha por corregedor para estas ilhas, e o capitão Alexandre, natural desta ilha de S.
Miguel, que Sua Majestade mandava aposentar nela com duzentos mil réis de renda cada ano, pelo ter bem servido em muitas guerras, como adiante direi. Foi o dito governador nesta ilha recebido de alguns como seus corações pediam, que era serviço de Sua Majestade. O primeiro que o saiu a receber, o juiz da alfândega, Manuel Cordeiro de Sampaio, com os oficiais diante de si e foi pelo dito governador bem recebido. Houve acordo com os da Câmara a lhe dar degredo, por Lisboa estar ainda contagiosa de mal de peste; acordaram depois que não, por não causarem alguma alteração de suspeita. E assim foi recebido e agasalhado nas casas que foram de Barão Jácome Correia, por serem mais acomodadas para então.
Depois da estada do dito governador nesta ilha, começava entender nos negócios das cousas que havia, principalmente da quietação dos moradores parciais da parte antonina, e de segredo informado os mandou chamar, pondo-lhe diante as razões que tinham de servir a el- Rei Nosso Senhor, do que alguns deram muito boas mostras que assim o fariam. As quais pessoas eram de Vila Franca; mas muito ao contrário se viu depois sua inconstância.
E, porque o principal fundamento da vinda do governador foi por respeito da ilha Terceira e das circumvizinhas, porque tinha por nada o que aqui havia para fazer, de mais de na praça da cidade fazer apregoar bando do perdão geral pelo alevantamento de D. António , ordenou modo como mandasse à Terceira e que se não entendesse que ele era a causa disso.
Ofereceu-se a isso o arcediago, o licenciado Manuel Gonçalves, que com o bispo D. Pedro de Castilho estava nesta ilha de S. Miguel visitando; por ver claramente a pertinácia dos moradores de Angra e das mais ilhas de baixo, fora do parecer da obediência desta ilha de S.
Miguel e da de Santa Maria, temendo as grossas armadas que Sua Majestade determinava mandar sobre as revéis e contumazes das ditas ilhas, que estavam todos a risco de perderem as fazendas, honras e finalmente as vidas, tendo já feito muitos excessos em desordens e desacatos cometidos contra o Rei e contra os seus, não lhe recebendo suas cartas, promessas, clemência e mercê, e ainda contra os próprios naturais. Vendo sua destruição tanto à porta, como era natural e tão nobre, doendo-se de seus naturais, se embarcou em um barquinho de remos, com cartas para dar, assim ao corregedor que tinha já título de governador, como a outros beneméritos dela, oferecendo-se a todos perigos do mar e da terra, e pondo-se a perigo de perder a vida só para ver se podia livrar sua pátria e reduzi-la ao serviço de Sua Majestade; pois o poder, justiça e direito lhe não faltava para ser reconhecido por Rei, e tudo o mais parecia inconsideração, inadvertência e doidice confirmada, pois tarde ou cedo deviam por força ser reduzidos, ficando tão mascavados em suas honras, fazendas e vidas. Foi isto aos dois de Junho da dita era de oitenta e um. Chegando à Terceira e cidade de Angra, imaginando os dela o efeito para que ia o dito arcediago e o meio que levava para sua salvação, como seu desígnio era propósito de dano seu, o não quiseram recolher. E não somente o não admitiram, antes a troco desta boa obra o avexaram, tendo-o no batelinho em que ia à calma e chuva, com os que consigo levava, mortos à fome e sede, sem nenhum provimento das cousas necessárias. Nem lhe consentiram que falasse com seu pai que estava quase no artigo da morte, nem com irmão, parente ou pessoa alguma; e assim, posto debaixo do forte e artilharia, lhe não consentiram mudar-se para parte onde pudessem estar mais livres das impetuosas ondas do mar, antes nas mais perigosas partes o faziam estar por força, até que sem nenhuma piedade o fizeram tornar para esta ilha com vento contrairo e mar bravo. De tal maneira que por se não perder arribou à Vila da Praia da mesma ilha, onde também foi pelo mesmo modo avexado; nem o quiseram deixar sair em um penedo, para se aliviar dos tormentos e má vida passada; mas, tomados os remos e leme do batel o fizeram arredar fora da terra, para que não pudesse com pessoa alguma falar. E depois de ter gastado oito dias nestas perseguições, por muita misericórdia que pediu, lhe deram os remos e leme, com que se tornou para esta ilha de S. Miguel. Soube disto Sua Majestade e agradeceu-lho com muita honra por carta sua, e depois lhe fez no Regno mercê.
Vendo o dito governador que por esta via frutificava pouco este seu bom propósito em suas danadas tenções, ordenou outro meio mais aparelhado a sair melhor. E foi que um Pero Botelho tinha entrado nesta ilha de noite algumas vezes e dado cartas do corregedor da Terceira, em segredo; entre elas deu umas que um certo homem, temendo-se ser sentido, as foi dar ao governador Ambrósio de Aguiar, as quais vinham para um Fernão de Macedo; e, tanto que as teve na mão, lendo-as, uma dizia que tanto que aquela visse, com a mor brevidade que pudesse ser, ordenasse convocar seus parentes e matassem ao governador e ganhassem a fortaleza, nomeando o apelido de D. António, que por isso lhe faria muitas mercês e honras. E, não podendo assim ser efectuado o que dizia, se iria para eles, porque o estavam esperando. Fazia-os a eles encarregar isto a este homem, por respeito de ele ter deitado bando na cidade da Ponta Delgada pelo dito D. António, em corpo, com um montante nu nas mãos e com um sombreiro de casco na cabeça, acompanhado de muitos mininos pelas ruas e praças, dizendo a altas vozes: — Viva, viva el-Rei D. António, Rei de Portugal, e morram os tredores que deram e querem dar Portugal a castelhanos; e respondiam os mininos: — Viva, viva D. António, Rei de Portugal. O que fez muito alvoroço e confusão em todo o povo, uma segunda-feira às nove horas, doze dias do mês de Setembro da era de mil e quinhentos e oitenta anos. Porque ao domingo de antes, onze do dito mês e era, foram juntos na Câmara da dita cidade da Ponta Delgada juiz e vereadores com os nobres da governança, para tomarem assento e resolução de mandarem dois homens dos mais nobres da terra a visitar el-Rei Filipe e dar-lhe o parabém do Regno, e entregar-lhe a obediência e chaves desta ilha de S. Miguel. Porquanto aos nove dias do dito mês de Setembro da dita era de mil e quinhentos e oitenta, chegara do Regno ao porto da dita cidade da Ponta Delgada um Martim de Crasto, criado de Francisco do Rego de Sá, e dera nova que o Duque d’Alva tivera batalha com D. António na ponte de Alcântara, onde fora desbaratado, e se recolhera ferido no rosto, por treição dos seus portugueses que o feriram; e chegando às portas de Lisboa as achara sarradas, sem lhe quererem abrir, nem recolhê-lo, e que fora logo para a Ribeira e ao Corpo Santo tomar um bergantim em que se fora acolhendo até S. Bento e por não ser conhecido pelas galés que o seguiam, se lançara fora e fora por terra até Sacavém, onde achara todas as barcas e batéis alagados no rio, para se não poder valer deles. Na mesma segunda-feira, quando este homem deitou este bando na dita cidade da Ponta Delgada, amanheceram todos os presos, que estavam na cadeia, soltos, que eram muitos, sem ficar um só.
Como ia dizendo, sendo chamado o dito Fernão de Macedo pelo governador Ambrósio de Aguiar, lhe deu a carta aberta, e visto o que dizia nela, ficando algum pouco alertado e suspenso, o assegurou com palavras brandas, dizendo-lhe que aquela carta seria graça de Sua Majestade e lhe faria mercê se fizesse o que lhe dissesse, e era que na dita carta dizia o matasse, e não podendo ser se fosse para eles. E o que devia fazer era tomar um barco armado, a modo que ia fugido, e seu desígnio e intento seria este que, podendo matar ao corregedor na ilha Terceira, o fizesse em recompensação de seu desejo, convocando para isso alguns servidores de Sua Majestade dos muitos que havia, e não podendo ser, estaria na dita ilha, e, se o encarregassem de alguma fortaleza ou capitania, traria certo sinal para que, quando fosse a armada de Sua Majestade, pudessem entender os dele ser ele, com a qual os daria, mostrando-lhe o melhor lugar para a entrada. Celebrado isso com o dito Fernão de Macedo, buscou o barco e homens, e pela ordem dita se foi chegando ao outro dita à Terceira.
Os da vigia deram rebate que ia vela pequena de S. Miguel, dizendo uns: — vêm-se entregar, e outros: — vêm fugidos; de sorte que causou grande alvoroço. Chegado à baía e sabido ser Fernão de Macedo, não houve quem de sua ida no acidente não recebesse grande contentamento e festa, salvo um frade bernardo que era superintendente, que disse logo: — este vem fazer alguma treição. Veio o corregedor com muita gente e foi recebido dele com grande cortesia. E sarrados aquela noite, lhe perguntou se fizera alguma cousa do que lhe dissera em sua carta. O qual lhe respondeu que, querendo efectuar sua determinação, que era essa, fora sentido, e por esse respeito se tornara, e ia de novo aproveitar os serviços que tinha feitos a Sua Majestade el-Rei D. António. Mas ainda que com afervoradas razões dizia o dito Fernão de Macedo aquilo, logo ficou concebido comummente ser a sua ida contrária do que em princípio esperavam. Saindo-se o frade daquele ajuntamento, foi fazer grandes ameaços de tormentos aos homens do barco, por saber o modo por que ia o dito Fernão de Macedo.
Fizeram os homens como esforçados, não confessando cousa alguma. Tornando-se o frade muito suado, e sem empacho algum disse em público a diligência que fizera secreta.
Por aquela noite ficou suspensa a prática do mais que havia que tratar, e foi agasalhado Fernão de Macedo em casa de Bartolomeu Rolão, meirinho da correição; e ao outro dia seguinte o fizeram embarcar em uma nau francesa, de um capitão chamado Fuão Esterlim, dizendo-lhe o corregedor que a gente estava alvoroçada com sua vinda, pelo que era necessário embarcar-se com cartas para o Corvo, para as naus da Índia e capitães delas, dizendo-lhe viessem ancorar ao porto de Angra, e com isto o despediram. E embarcado se foi com o Esterlim, que lhe fez muita honra; onde andando por espaço de quinze dias, na cidade de Angra por meio daquele frade que queria dar os tormentos se negociou tanto que mandaram que o francês matasse a Fernão de Macedo, e dando as cartas ao dito francês, ainda que um pouco magoado, dilatou a execução para outro dia, no qual chegou um barco do Faial com cartas a saber se era feito aquele negócio. Esperava o Esterlim melhoramento, a que não tinham deferido, mas antes ad Ephesios lhe responderam; e por este respeito lhe respondeu que não queria fazer o que lhe diziam, e por esta maneira escapou. Trouxe Deus ao outro dia, no mês de Agosto do dito ano, as naus. Foi a elas o Esterlim, dando-lhe as cartas, dizendo-lhe que viessem ancorar, onde o dito Fernão de Macedo foi parte para elas não ancorarem. Indo ele depois ter a Angra com o dito francês, por ordem de seu irmão Pero Botelho, lhe foi dado o barco com os homens, em que uma noite fugiu e se veio sem seu desejo ser cumprido. E logo foi despachado para o Regno, levando cartas do governador Ambrósio de Aguiar para Sua Majestade, de quem foi recebido com muitas honras, dizendo ele seu delito primeiro todo, e depois os serviços, que eram nada em comparação da culpa. Mas, a benevolência de Sua Majestade supriu a tudo e lhe fez mercê, dizendo-lhe que bem havia feito tornar-se a seu serviço.

Morto o Capitão Manuel da Câmara, herdou sua casa, sucedendo-lhe na Capitania o ilustríssimo senhor D. Rui Gonçalves da Câmara, conde de Vila Franca . E porque quase começa o governo dela e ainda vive, deixando o discurso de sua vida e heróicos feitos, que vivendo fará, para outros mais doctos e delicados engenhos, que os escreverão depois dele, contarei somente seus princípios, ainda que não direi a realidade da cousa com aqueles louvores e alto estilo que suas obras merecem, por fugir da lisonja e arrogância, e do que fez Alexandre, que, oferecendo-lhe Aristóbulo um livro de muitos louvores seus, deu com ele em um rio, dizendo que desejava depois de morto tornar ao mundo para ver se então o louvavam tanto, como Aristóbulo o louvava sendo vivo. Porém o que disser do conde D. Rui Gonçalves da Câmara são cousas tão modernas, e tão vivas, e presentes as testemunhas que foram nelas, que não darão lugar a fábulas. Somente me deterei algum tanto em abrir os alicerces de seus louvores e grandiosos começos, deixando o processo da traça e remate da obra e sumptuosidade deles para outro melhor mestre, porque o edifício, que há-de vir a ser alto na fábrica, há-de ter forçadamente nos fundamentos mais detença, e de quem tem, como ele teve, tão ditosos e altos princípios , não se espera senão que proceda e acabe, tendo por respondentes felicíssimos remates e gloriosíssimos fins.
D. Rui Gonçalves da Câmara, conde de Vila Franca do Campo e Capitão desta ilha de S.
Miguel, além do seu ordinário apelido, que herdou de seus progenitores pela linha masculina, também pela feminina procede primeiro dos Ferreiras e do conde de Marialva e depois dos Melos; e Vasco Fernandes Mendonça Coutinho, avô de D. Filipa Coutinha, mulher que foi de Rui Gonçalves da Câmara, pai de Manuel da Câmara e avô do dito conde D. Rui Gonçalves da Câmara, que era senhor de Coutim e Merlim, mui esforçado e valoroso cavaleiro, teve dois filhos, um conde de Marialva, outro conde de Borba, que é uma vila do duque de Bragança, da qual el-Rei D. João, segundo de nome, fez mercê a D. Vasco Coutinho, filho de D. Vasco Coutinho, fazendo-o conde dela, por lhe descobrir a treição que lhe tinham ordenada para o matarem. E, reinando depois el-Rei D. Manuel, tornou Borba ao duque que então era, e em satisfação deu a vila do Redondo ao conde de Borba. E logo D. João, filho do dito D. Vasco Coutinho, se chamou conde do Redondo, e assim se chamam agora os que dele descendem; e ao conde do Redondo pertence a capitania de Arzila.
Tomando el-Rei D. Afonso, quinto do nome, Tânger e Arzila aos mouros, na tomada dela morreram dois condes, o de Marialva e o de Monsanto; e, armando cavaleiro el-Rei D. Afonso ao príncipe D. João sobre os corpos dos ditos condes, mortos, lhe disse: — tal sejas tu, filho, como foram estes meus dois vassalos. Outros dizem que sobre a sepultura de Vasco Fernandes Coutinho, lhe disse: — Deus te faça tão bom cavaleiro como era Vasco Fernandes Coutinho, que aqui está enterrado.
O ilustre Capitão Manuel da Câmara não teve filho macho outro, senão a D. Rui Gonçalves da Câmara, que agora é Capitão, a quem ele queria grandíssimo bem. O qual, depois de ser de idade para ir ao Paço, sendo moço-fidalgo, o trazia seu pai gravemente acompanhado e lhe deu por seu aio a Lucas de Sequeira, natural desta ilha, que era cavaleiro fidalgo da casa de el-Rei e muito conhecido de todos, o qual andava sempre com ele, quando a pé, quando a cavalo, conforme aos caminhos que menino naquele tempo fazia, e trazia consigo oito, nove homens de esporas e outros tantos pajes . O qual senhor foi, do tempo do Príncipe D. João, filho el-Rei D. João, terceiro do nome, de sua criação e muito privado seu, em tanto que não jogava o Princípe, nem ia fora, nem estava hora sem ele; foi isto de maneira que houve fidalgos cheios de inveja que disseram ao dito Rei D. João, pai do Príncipe: — “Senhor, o Príncipe é tão afeiçoado a D. Rui Gonçalves da Câmara, que não vê aos outros fidalgos por amor dele”, temendo-se que depois que reinasse fizesse o mesmo, pelo que lembraram a el-Rei que pusesse cobro sobre isso, antes que o negócio fosse mais avante. E, querendo Sua Alteza meter mão disso, disse ao Príncipe: — Filho, será bom que vades a folgar a Almeirim e a caçar, para vos desenfadardes — por andar ao tal tempo o Príncipe mal disposto. Folgou ele muito com a mercê, pela qual beijou a mão a el-Rei e, fazendo-se prestes para isso, lhe mandou el-Rei que fizesse rol dos fidalgos que queria levar consigo; em cabeceira do qual pôs a D. Rui Gonçalves da Câmara. Visto o rol por el-Rei, o apagou e lhe mandou que pusesse outro em seu lugar. Tanto que o Príncipe o soube, fez-se doente e respondeu que não estava para ir. Passaram alguns dias, até que tornou el-Rei falar ao Príncipe na ida, dizendo-lhe se fizesse prestes e apontasse quem queria levar consigo, no qual rol tornou a assentar D. Rui Gonçalves da Câmara, já não na cabeceira, senão entre outros.
Quando el-Rei viu isto, entendendo ser esse seu gosto, disse-lhe: — folgo muito que leveis convosco a D. Rui Gonçalves, vosso amigo —. E logo o mandou fazer prestes para isso. Mas durou isto pouco, porque foi Nosso Senhor servido de levar ao Príncipe para si, com a qual morte perdeu muito D. Rui Gonçalves da Câmara e a Capitania desta ilha. Neste tempo, trazia e trouxe depois o Capitão Manuel da Câmara tão custoso a seu filho e com tanto gasto de banquetes que o mesmo filho dava aos fidalgos e às damas, e de jogo, que aconteceu pôr-se D. Rui Gonçalves da Câmara a jogar e depois de ter perdido o dinheiro que levava, jogar sobre escritos seus e, quando seu pai o sabia, os pagava. Mas, com todos estes e outros favores que o pai fazia a seu filho, não foram nunca parte de D. Rui Gonçalves sair uma só hora de sua vontade, que com verdade posso afirmar que não me lembra que visse nem ouvisse dizer que havia filho tão obediente a pai, como foi D. Rui Gonçalves, porque cousas lhe viram alguns passar com seu pai, depois de ter casado e com filhos, que pasmavam, tremendo diante dele como se fora menino, sendo, como digo, pai de filhos e além disso de quarenta anos, pelo que não era nada o que seu pai lhe fazia, para o muito que lhe ele merecia, pela grande obediência e acatamento que lhe tinha e a todas suas cousas. O mesmo acatamento tinha a sua mãe e irmãs mais velhas, virtude, certo, grande e pouco agora costumada nestes tempos.
Era tão grandioso o Capitão Manuel da Câmara em todas suas cousas e muito mais nas públicas, em especial do serviço de seu Rei, que o que tinha era muito pouco para o gastar todo em uma hora, para o qual não estimava nada, guardando outras horas tudo. Prova disso é a jornada de el-Rei D. Sebastião, quando passou a primeira vez aos lugares de África, para a qual se abalou toda a fidalguia de Portugal, que foram chamados para ela por cartas de el-Rei.
Entre as quais cartas, foram duas, uma delas para o Capitão Manuel da Câmara, e outra para D. Rui Gonçalves da Câmara, seu filho, se fazer prestes. A do pai não servia de mais que lhe dizer que ele passava às partes de África e que por ele ser velho o escusava da jornada, mas que fizesse prestes a seu filho e aviado se fosse logo atrás dele. Neste tempo, na cidade de Lisboa e em todo o Reino, fizeram os senhores e fidalgos largos gastos e se empenharam e venderam suas rendas e quintas e juros, para levarem muitos homens de cavalo e cavalos para suas pessoas, e outras despesas e cousas necessárias para a jornada.
Mas, da pessoa de el-Rei abaixo, não houve quem com mais custo e estado se fizesse prestes que o dito D. Rui Gonçalves, porque, além de levar vinte e sete homens de cavalo, todos de esporas e estribos prateados, com suas luas de ouro e adargas e cossoletes, levava mais seis cavalos para sua pessoa, que por todos eram trinta e três, e todos de muito preço. A cada dois homens de cavalo deu o Capitão Manuel da Câmara um homem, para lhe ter cargo dos cavalos e para os servir, a quem dava cada mês de ordenado seiscentos réis e quatro alqueires de trigo. Levava três tendas, uma dos cavalos, outra da gente, outra para ele, afora outras que D. Rui Gonçalves da Câmara mandou fazer nesta ilha, e afora quatro casas de madeira lavrada, levadiça, que ia metida em caixões, que se armavam cada vez que era necessário, e um catre de sanguinho, e para isto doze homens reposteiros que não serviam de mais que para armarem e desarmarem as casas todas, a que pagava cada mês seu salário.
Levava muita gente de pé e grandes vitualhas de mantimentos de toda sorte, até pipas e quartos cheios de ferraduras e cravos para ferrarem os cavalos, e grandes créditos passados a Castela, para lhe virem de lá de contíno todas as cousas necessárias, assim de mantimentos, como de dinheiro, e infinda prata que seu pai lhe mandou fazer para serviço das mesas e copas, com regimento de seu pai que desse mesa a todo homem fidalgo que a ela quisesse vir, para o qual levava três cozinheiros, dois negros e um branco, da cozinha da Rainha, que ela lhe mandou dar, os quais levavam fornalhas para cozerem pastéis e pão fresco, para o qual ia muitas pipas de farinha. Levava as mesas de peças, com suas chaves de parafuso e banquinhos levadiços de engonços, com seus encostos de uma verga de ferro delgada, para encosto de quem se neles assentasse; e um grande braseiro de prata, do tamanho de um fogão de navio, para no inverno estar cheio de brasas debaixo da tenda, quando comessem. Levava suas charamelas, vestidos de verde, com seus chapéus de tafetá preto e suas cadeias de prata ao pescoço, com figura do Anjo S. Miguel ao pé da cadeia, por divisa; as quais charamelas eram das melhores de Portugal, tirando as de el-Rei, e tangiam também frautas delicadamente. Toda a sua gente ia vestida de verde, com suas espadas de cavalgar prateadas. No de sua pessoa não trato porque, entre outras cousas muitas de vestidos e arreios de cavalos, levava um arreio de ouro todo acabado, feito na Índia, para o Viso-Rei Martin Afonso de Sousa, que é mais rica cousa que se pode ver, e outro de prata, feito a feição de favo de mel. riquíssimo; e quatro caparazões, um deles de veludo verde lavrado, com suas bandas de brocado, outro roxo com as mesmas bandas de brocado e outro de veludo cremezim da mesma maneira, outro de escarlata com seus tachos de prata assentados sobre veludo cremezim, cada um de rico e custoso feitio. E muitas outras cousas de arreios, com seus bocais de ouro e prata, afora vestidos ricos e de muitas invenções, de sua pessoa. E umas ricas armas que o Infante D. Luís deu a seu pai, de prova, lavradas, mas muito temerosas, das quais darão testemunho muitas pessoas desta ilha que aqui as viram; e outras mais leves, muito galantes para sua pessoa. Ia, finalmente, de maneira que parecia no estado imitava seu Rei, pela qual razão, os fidalgos de Portugal diziam: — ó ditoso D. Rui Gonçalves da Câmara, pois tal pai tem. E, demais de fazer isto a seu filho, foi homem que emprestou muito dinheiro a seus parentes para a jornada e deu outro, dado, a parentes pobres. O qual Capitão Manuel da Câmara, tendo aviado seu filho, como dito tenho, estando já para se passar à banda de além para ir por terra, um dia antes lhe veio outra carta de el-Rei, que estava em África, em que lhe mandava que não partisse seu filho de sua casa sem outra carta sua em contrário, a qual carta não veio, por ter a guerra infelicíssimo sucesso. Pela qual razão o dito D. Rui Gonçalves da Câmara não passou então às partes de além, como tinha determinado, estando preparado para isso com tão excessivos gastos, como tenho referido. A primeira vez que veio a esta ilha D. Rui Gonçalves da Câmara com seu pai Manuel da Câmara foi na era de mil e quinhentos e sessenta e seis anos, e trouxeram por sargento-mor a Francisco d’Osouro.
A segunda vez, veio D. Rui Gonçalves da Câmara, já casado, a esta ilha, por mandato de Sua Alteza, no ano de mil e quinhentos e setenta e seis, e trouxe consigo a Cristóvão de Crasto, homem curioso, por conselheiro, que alguns chamam mestre de campo, e por sargento-mor, Simão do Quental. Depois veio Luís Cardoso, seu irmão, capitão do número de el-Rei, nosso senhor, para também ser sargento. Trouxe também cinco escravos índios da Índia, que tangiam charamelas e violas de arco, que era uma realeza haver isto nesta terra. E em breve tempo faleceram todos, quase juntamente. Alguns praguentos quiseram dizer que, como foram tanger quando se pôs a primeira pedra na cava que se fazia de imenso custo, logo dali a poucos dias começaram e acabaram de morrer, como mostra de que não era Deus servido que tal obra se fizesse; mas isto só Deus o sabe. Outros diziam que faleceram de sua enfermidade, o que é mais certo. Esteve desta vez D. Rui Gonçalves da Câmara, nesta ilha, perto de dois anos e três ou quatro meses, em que dizem que ajuntou infinidade de dinheiro.
Neste tempo lhe vieram novas do falecimento de seu pai, no mês de Abril da era de mil e quinhentos e setenta e sete, que falecera no mês de Março do mesmo ano.
Como veio a triste nova, mandou o Capitão D. Rui Gonçalves da Câmara fazer saimento por seu pai no derradeiro dia de Abril da era de mil e quinhentos e setenta e sete anos. E o dia antes, a hora de vésperas, o foram visitar todos os oficiais das Câmaras de toda a ilha, cobertos de dó para o acompanharem, mas ele não foi às vésperas que, estando todo o povo presente, se cantaram com um primeiro nocturno do ofício dos defuntos, solenemente. Estava a nave do meio da igreja de S. Sebastião, da cidade da Ponta Delgada, onde se fez o ofício, e os peares todos, coro, órgãos e a fronteira toda do cruzeiro cobertos de dó. E junto do cruzeiro estava uma eça mui sumptuosa, que tinha dezoito degraus e em o mais alto dela uma tumba preta com uma cruz branca de oito palmos de alto, e a eça e tumba teriam ambas juntas, de altura, perto de sessenta palmos. Na cabeceira da tumba, da parte do cruzeiro, estava uma cruz grande de prata, com dois grandes castiçais, com seus brandões acesos, um de cada parte, e no meio do mais alto da eça estava pendurada no ar uma grande bandeira negra, com as armas do Capitão pintadas no escudo, em campo vermelho, que são uma torre branca com dois lobos marinhos em pé, que parecia que queriam subir a ela, cada um de sua parte, com seu elmo e paquife, e por timbre um lobo marinho assentado, com umas grandes asas estendidas. Junto da tumba, em cima, estavam dois sacerdotes, um de cada banda, com suas sobrepelizes, incensando sempre com dois turíbulos de prata. E por derredor da eça estavam muitas tochas acesas, que elas, com as que alguns homens principais levaram, acompanhando o sacerdote que dizia a missa e ao Evangelho, eram por todos sessenta, afora outros círios e brandões nos altares e velas que tinham os sacerdotes nas mãos, acesas a seus tempos; que entre sacerdotes e frades de S. Francisco, que disseram missas e estiveram presentes ao ofício, foram noventa e três. E a cada um ficou a vela, que lhe deram com um cruzado, que mandou dar a cada um dos de fora, e duzentos réis a cada um dos da cidade. E toda a cera que sobejou do ofício a mandou dar o Capitão Dom Rui Gonçalves à Casa da Misericórdia da cidade, e mandou ofertar trinta cruzados. Da parte do corpo da igreja, ao pé da eça, estava armado um altar, com licença da Sé vagante, com seus brandões e círios, onde disse a missa do ofício o vigairo Sebastião Ferreira, e o padre António Dias, que servia de vigairo na freguesia de S. Pedro da mesma cidade, cantou o Evangelho, e o padre Miguel Dias, beneficiado na vila da Ribeira Grande, a Epístola. Pregou o doctor Francisco Bicudo, morador na vila da Ribeira Grande. E Afonso de Goes, mestre da capela, com os cantores, que estavam em dois bancos, cobertos de pano preto, no meio de todos os outros padres, cantaram a missa e o ofício com música funeral e muita solenidade, estando presente o Capitão D. Rui Gonçalves da Câmara que foi a ele e tornou para sua casa muito acompanhado de todos os principais de toda a ilha e de todo o povo, todos cobertos de dó, que era cousa muito para ver.
E nunca se viu ofício até ali, nesta ilha, de tanta solenidade, tão acabado, nem tão custoso, porque se fizeram nele de custo mais de quinhentos cruzados.
No mesmo ano de mil e quinhentos e setenta e sete, que começou por dia de Santa Isabel, a dois de Julho, e acabou outro semelhante dia no ano de mil e quinhentos e setenta e oito, foi eleito por provedor da Casa da Misericórdia o dito D. Rui Gonçalves da Câmara, que com sua presença e ajuda fez crescer os edifícios dela. E com grande juízo que em tudo tem, particularmente no edificar e fortificar, mandou emendar a capela da sumptuosa igreja que se vai fazendo, parecendo bem a Pero de Maêda , mestre das obras de el-Rei nesta ilha, tudo o que ele disse. Foram eleitos com ele por conselheiros Francisco de Arruda da Costa, licenciado Bartolomeu de Frias, Pero Castanho, João de Arruda da Costa, António de Brum da Silveira e Francisco Lobo Velho, com seus companheiros e coadjutores do povo. Deu o dito senhor Capitão e provedor, de esmola para a Casa, trezentos cruzados. Partiu desta ilha o primeiro dia de Setembro do ano de mil e quinhentos e setenta e oito, em uma caravela, chamada a Misericórdia, em companhia da armada, de que era capitão-mor D. Jorge de Meneses Tubra , o qual veio com toda ela buscá-lo a esta ilha.
Na era de mil e quinhentos e setenta e nove, nos derradeiros dias de Setembro, se partiu o dito Capitão, com a Capitoa sua mulher e filhos, para esta ilha, vindo-se embarcar a Cascais, no galeão S. Pedro, que havia um mês que estava esperando por ele, com uma caravela da armada, onde foi recebido com muita festa, honra e agasalhado do capitão-mor do galeão, salvando-o com artilharia e preparando-se todos para o embarcarem, assim a ele, como a sua mulher e filhos e alguma gente que levava consigo, porque já neste tempo toda a mais era embarcada no galeão e na caravela, com os mantimentos e cousas necessárias para sua viagem. Depois que foi embarcado, logo ao dia seguinte, deram à vela sendo três horas ante manhã, pouco mais ou menos, correndo-lhe o vento próspero. E, andadas nove ou dez léguas, quis que arribassem, dizendo que sua mulher ia muito enjoada e estava parida de um mês, pouco mais, e, por ser já tempo de inverno, não para fazer viagem. Ouvindo estas razões, mandou o capitão-mor do galeão que arribassem, ainda que contra sua vontade. E porque havia dias que el-Rei tinha mandado ao dito Capitão Rui Gonçalves da Câmara que, sob pena de perder o morgado, se viesse para a sua ilha, não quis entrar dentro e mandou lançar âncora abaixo da torre de Belém. Donde mandou recado a el-Rei, fazendo-lhe a saber as cousas acima ditas, o que visto por el-Rei, deu licença que ficasse a partida para Março seguinte de oitenta, e então entrou para dentro da torre e desembarcou em Belém com toda sua gente, para daí se ir para sua quinta, que tem em Frielas.
Trazia também consigo o Capitão D. Rui Gonçalves uma caravela do Porto, que ele tinha fretada para levar trigo e cevada a sua irmã, em que vinha algum fato seu, vinte e cinco corpos de armas e dois cavalos e dois negros e algumas pipas de água, e palha e cevada para os cavalos, e uma caixa muito grande em que vinha um leito dourado, muito rico e outros dois ou três de outra sorte, e algumas mesas e cadeiras marchetadas de marfim, e algumas pedras brancas lavradas que mandou deitar na Alagoa para uns portaes; a qual caravela arribou juntamente com o galeão e em Belém descarregou o fato que levava, ficando somente as pedras e caixa nesta ilha.
Passado isto, o Capitão D. Rui Gonçalves apertava com os marinheiros que viessem buscar o trigo, como eram obrigados, ao que eles responderam que sua senhoria lhe fretara a caravela em Julho para virem em Agosto, e que estavam no fim de Setembro, já tempo de inverno, e não podiam vir às ilhas senão se lhe sua senhoria comprasse a caravela e lhe pagasse suas demoras. Vendo que eles tinham razão no que diziam, lhe comprou a caravela e pagou as demoras. Então determinaram de a calafetar e prover do necessário, para partir para estas ilhas.
Esta caravela partiu de Belém o primeiro dia de Octubro de setenta e nove, à tarde, com vento norte muito brando, mas pouco e pouco se veio saindo às voltas e, tanto que saiu fora da barra, lhe deu logo o vento nordeste de tal maneira que partiu à quinta-feira à tarde, que foi o primeiro de Octubro, e teve vista das ilhas à quarta-feira seguinte, mas, porque foi ante manhã, se enganou o piloto, cuidando pela ilha de Santa Maria ser o morro do Nordeste desta ilha de S. Miguel, e se foi direito a ela; mas, amanhecendo, viu que era a ilha de Santa Maria e, querendo virar a proa para esta de S. Miguel, se virou o vento ao norte muito escasso, que com grande trabalho se podia ter, arreceando que o tempo os fizesse tornar para Lisboa; assim se andaram tendo aos mares até que à sexta-feira, à noite, vindo demandar a ponta dos Mosteiros, se foram ao longo da costa meter no porto, em que desembarcaram um formoso cavalo e algum fato do dito senhor.
A terceira vez veio o conde D. Rui Gonçalves da Câmara a esta ilha de S. Miguel, na armada de el-Rei Filipe, que vinha contra a Terceira. Chegou a Vila Franca uma quinta-feira, sete dias de Julho da era de mil e quinhentos e oitenta e três anos. E ao dia seguinte, que foram oito do dito mês, desembarcou no porto da mesma vila, donde depois se foi por terra para a cidade da Ponta Delgada, acompanhado com muita gente de cavalo, onde se recolheu no mosteiro de S. Francisco por alguns dias, fazendo ali grandes gastos em banquetes com os senhores e fidalgos da armada. E uma quarta-feira à tarde, vinte de Julho da dita era de oitenta e três, se passou do mosteiro para a fortaleza, com grande festa da gente e estrondo de artilharia, onde esteve alguns dias, até se passar para as suas casas, que tem na freguesia de S. Pedro, donde foi visitando e fazendo fortificar toda a ilha, nos portos e lugares mais fracos, mandando fazer resenha de toda a gente de cavalo e de pé, e exercitando-a nas armas, até ele em pessoa correr a par com os cavaleiros, levando sempre avantagem na carreira, por ser bom cavaleiro e muito bem posto e airoso a cavalo. É alvo, de estatura mediana, não muito envolto em carnes, de olhos verdes rasgados, com todas as particularidades do rosto mui perfeitas, e a barba bem posta. Tem grande modéstia, prudência, discrição, conselho e habilidade para tudo; e extremado escrivão e arimético, na presença mui grave, mas mui afábil, cortês e humilde com todos. É, nesta era de mil e quinhentos e noventa, de idade de cinquenta e sete anos e já pinta de branco. Do povo cego é murmurado que ajunta muito dinheiro. Não é pecado ajuntar sem dano de outrem para gastar a seu tempo devido, antes é prudência e virtude, principalmente tendo tantos filhos e filhas, como ele tem, afora o morgado. Se umas vezes ajunta e adquire, outras espalha e reparte com viúvas e pobres, fazendo muitas esmolas, sem costumar tomar testemunhas quando as faz.
Casou este ilustríssimo senhor com D. Joana de Gusmão, filha do conde do Redondo e dama da Infanta D. Maria, senhora de tão raras virtudes e heróicas obras, que todos os desta ilha a desejam ter presente, sabendo certo que há-de ser amparo dos ricos e riqueza dos pobres e mãe de todos. Mas, parece que esta terra não merece tanto bem. Foi recebido com ela no Paço, em casa da dita Infanta, por D. Fernando, arcebispo de Lisboa, parente de el-Rei, o qual quis ser presente no recebimento, não sendo chamado para isso senão D. João de Melo, bispo do Algarve. E chegando o arcebispo, disse que a ele pertencia recebê-los, pelo que a Infanta teve depois suas escusas com o bispo do Algarve; estando presente el-Rei com todos os senhores da corte e toda a fidalguia, com que se celebrou o recebimento com grande solenidade. Foram padrinhos de D. Rui Gonçalves, o conde de Vila Nova e D. Afonso de Alencastro, e padrinho da senhora D. Joana, o duque de Aveiro, o de grande saber e conselho, parente de el-Rei. Houve em dote trinta mil cruzados. E logo o dia seguinte se partiu o conde do Redondo por viso-Rei para a Índia, deixando sua filha casada com o dito senhor, da qual tem cinco filhos e seis filhas.
O primeiro, D. Manuel da Câmara, será agora de vinte e quatro anos. É afábil, humilde, conversável, grande de corpo, forçoso, bom lutador e cavaleiro, gentil homem, bem assombrado e de boa condição; tira bem a barra, é latino e bom escrivão; sabe canto de órgão e é grande músico, dado a toda a maneira de música, principalmente de harpa, viola e tecla. Tem gentil voz com que suavemente canta quando tange. Sendo de pequena idade, cantou, tangendo harpa, diante de el-Rei D. Henrique que o louvou muito. Casou com D. Leonor, filha de D. Fradique Henriques, mordomo dos quatro de Sua Majestade, muito chegado em parentesco à casa do duque de Alva, e de sua mulher D. Guiomar de Vilhena, dama que foi da Rainha D. Catarina. Sua Majestade lhe tinha prometido casamento para uma filha sua e dando-lhe a escolher em Portugal dos melhores morgados, este lhe pareceu melhor. E el-Rei mesmo fez este casamento, fazendo conde ao Capitão D. Rui Gonçalves da Câmara e a seu filho morgado, D. Manuel da Câmara, por sua morte, a quem deu o hábito de Cristo com um conto de réis, dando-lhe também outras muitas cousas e muitos ofícios que ele dantes não tinha aqui na ilha.
O segundo filho, D. Gaspar da Câmara, é muito gentil homem, forçoso e bem inclinado; o qual trouxe o conde, seu pai, consigo a esta ilha, onde foi capitão da gente de cavalo, e seu logo-tenente o capitão Alexandre, e Manuel da Fonseca seu alferes.
O terceiro filho, D. Francisco da Câmara, grande músico e de boa voz, estudava em casa e depois veio a esta ilha, onde foi capitão da gente de cavalo. E estes ambos são também inclinados a guerra e a soldadesca. O quarto filho se chama D. João da Câmara. O quinto D. Augustinho da Câmara, ambos ainda de tenra idade.
A primeira filha, chamada D. Juliana, nesta era de mil e quinhentos e noventa, de idade de vinte e quatro anos, é muito formosa, discreta e muito dama; sabe ler e escrever. A segunda, D. Maria, de idade de treze anos, também formosa. A terceira, D. Hierónima, mais moça que a outra dois anos, que ambas querem meter no mosteiro, de tão pouca idade, com licença do comissairo, porque têm lá suas tias, irmãs de sua mãe. A quarta, chamada D. Constança, nasceu a vinte e cinco de Agosto de oitenta, em Óbidos, o dia do desbarato de Lisboa, quando foi tomada dos castelhanos. A quinta, D. Isabel, ainda menina. A sexta, D. Francisca.
Quando este senhor está no Regno, ora pousa nas suas ricas casas, que tem na freguesia das Martes em Lisboa, ora em Frielas, em uma sua quinta mui rica, em uns paços que nela tem, que antigamente foram de el-Rei D. Dinis. A qual quinta está duas léguas de Lisboa por terra, e por mar duas léguas e meia, porque vão lá entrando pela boca de Sacavém, indo pelo braço do rio acima meia légua até desembarcar à porta da quinta, que, quando a maré é cheia, lhe dá a água na mesma porta. Tem também outra quinta, quando vem de Lisboa para Belém, onde se chama a Pampulha, em que faz umas sumptuosas moradas .
No tempo da guerra dos castelhanos, lhe saqueou o alcaide Pareja as casas da cidade, que estão às Martes, e nelas morou uns dias. E nos do saco lhe saquearam outros soldados a quinta de Frielas, em que lhe levaram mais de seis mil cruzados de fato seu e de sua irmã D. Hierónima, a qual estava concertado casar com o conde do Redondo, e por haver dúvidas entre eles não casou. Depois não quis casar e fez vida de beata. Foi senhora muito amiga de Deus e de grande virtude, devota da Igreja e de ouvir os ofícios divinos. Faleceu nesta vida e virtude, como já disse.
Deixando aparte os três ou quatro meses que este senhor governou a ilha antes do falecimento de seu pai, contando o tempo dos dois governadores Ambrósio de Aguiar e Martim Afonso de Melo , vai em treze anos que começou a governar na era de mil e quinhentos e setenta e sete, depois da morte de seu pai, até esta de mil e quinhentos e noventa, em que esteve governando esta terra com muita paz e mansidão, fazendo todas as cousas do governo dela com grande saber, prudência e bom zelo de que é dotado, dispondo tudo tão suavemente que não se sentia o seu jugo no povo obediente, que se quere reger por razão. E havendo alguns súbditos sem ela, quando ele os não podia dobrar, nem domar com sua condição macia, então com aspereza os refreiava; pelo que é amado e obedecido dos bons e obedientes e grandemente temido dos que têm dura cerviz e são revéis. E assim se espera que vá de bem em melhor em todas suas cousas, que Nosso Senhor prospere, como ele deseja. Mandou socorrer a ilha de Santa Maria e nesta de S. Miguel aos biscainhos, defronte do porto da cidade da Ponta Delgada, mandando depois pedir a Sua Majestade quatro valorosos capitães e munições de guerra, que logo lhe mandou, para mais fortificação da terra, como adiante direi.
O ano de mil e quinhentos e oitenta e sete, começou o dito conde a mandar fazer umas sumptuosas casas que, segundo mostram em seus princípios, depois de acabadas, virão a ser como uns riquíssimos e soberbos paços, situados quase no meio da cidade da Ponta Delgada, com que lhe dá muito lustro.

No ano de oitenta e oito, foi eleito por provedor da Casa da Misericórdia da dita cidade, com conselheiros e coadjutores dos mais nobres da terra.
Domingo, doze de Agosto de mil e quinhentos e noventa, às doze horas, partiu este senhor para o Reino em uma sua caravela, com outra companhia de navios. Levou consigo a seu filho D. Francisco e o capitão Alexandre e o capitão Peralta.
A quinze de Agosto do dito ano, às quatro horas da manhã, chegou arribado, com tempo contrário, ao porto da cidade da Ponta Delgada.
A quatro de Setembro de mil e quinhentos e noventa, tornou a partir para o Regno na sua caravela, bem aparelhada de armas, com outras velas em sua companhia, e, depois de partidos, véspera de Nossa Senhora da Natividade, em amanhecendo, os correram dois navios de cossairos e vendo que não podiam tomar a caravela do conde, viraram sobre as outras duas de sua companhia; e ao domingo, dando à do conde muita tormenta com tempo contrairo, tão rijo que lhe quebrou o mastro grande, perguntou ele, vendo-se desta maneira e muito enfermo, em que rumo estavam, e achando-se estarem cento e cinquenta léguas de Lisboa, e da ilha da Madeira noventa, mandou que arribassem a ela, por terem para lá o vento em popa, aonde chegando foi recebido com muita alegria de toda a gente da terra, principalmente o general Tristão Vaz da Veiga, que lhe fez muita festa e o agasalhou com toda a companhia em sua casa, onze dias que aí esteve. Depois, temendo o conde que os cossairos tomassem algum navio da sua companhia e dissesse que ele ia na caravela, fretou um francês por quatrocentos cruzados e se meteu nele com sete homens; e partiu daí um sábado, depois de ouvir missa, e a caravela partiu à noite com a mais gente. Puseram uns e outros no caminho sete dias; o conde foi ter a Peniche e daí a Lisboa, onde foi bem recebido de Sua Alteza, que lhe faz muitas honras, como se espera também ser recebido de Sua Majestade, que lhe fará muitas mercês.

No ano de mil e quinhentos e setenta e cinco, movido por alguns santos respeitos, o sereníssimo Cardeal Infante que depois foi Rei, mandou a estas ilhas por inquisidor ao reverendo licenciado Marcos Teixeira, natural de Braga ou Lamego, o qual chegou na armada a esta ilha de S. Miguel no fim do mês de Julho do dito ano, e desembarcou com cinco padres e irmãos da Companhia de Jesus, que vinham para o colégio da cidade de Angra, na vila do Nordeste desta ilha. Donde caminharam por terra e foram ter à cidade da Ponta Delgada e nela estiveram alguns dias até a armada partir para a Terceira, aonde chegaram a três de Agosto do dito ano. E foi recebido pelo Cabido e frades de S. Francisco, com pálio e Te Deum Laudamus; na qual ilha esteve espaço de três ou quatro meses, visitando e fazendo seu ofício de inquisidor. Daí mandou carta à Câmara da cidade da Ponta Delgada, que queria vir visitar esta ilha, com carta do Senhor Cardeal e de el-Rei, nas quais encomendavam ao dito inquisidor fizessem tanta honra como se eles viessem em pessoa. O que visto pelos vereadores da dita cidade, puseram diligência para que o dito inquisidor fosse recebido com toda a festa e honra possível. E ordenaram que se fizessem prestes muitas barcas e barcos, com muitas e várias invenções dentro neles e ornados pelo melhor modo que pudesse ser. E logo para eles vereadores fizeram ordenar uma barca, feita a modo de uma galé com varandas de popa, cobertas de veludo de cores, pintada toda de lavores e alcatifada, com uma cadeira de estado no meio, para nela desembarcar e se assentar o dito inquisidor entre os vereadores assentados pelas ilhargas da dita barca, em bancos.
O grão capitão Francisco do Rego de Sá ordenou com grande gasto um barco feito a modo de um dragão, coberto todo de conchas, com dois remos a modo de duas asas, com que se ia empuxando da água. Parecia propriamente ao natural um dragão que ia andando pela água. E dentro nele levava sua música de muitos instrumentos e boas vozes.
Além destes dois barcos, se fizeram mais seis em que foram muitos homens nobres, da governança da terra; todos os ditos barcos feitos a modo de galés, com esporões e varandas cobertas todas de sedas e muitas bandeiras de seda, e alcatifadas, com muitos tiros de fogo e instrumentos de música, motetes de ponto de órgão, com várias e ricas invenções, segundo cada um melhor o podia fazer.
Estando este sumptuoso aparato prestes por espaço de quinze dias, apareceu uma caravela que vinha da ilha Terceira, e como pelo dito inquisidor se estava esperando, por ele assim o ter avisado, saíram todos os ditos barcos pela ordem que está dita, com muita festa e alegria para o receberem. Chegando a bordo, souberam como não vinha na dita caravela, por ficar o seu escrivão mal disposto. E como isto era já no mês de Novembro e fazia inverno, se desaparelharam as ditas barcas e finalmente se desfez aquela pompa com que determinavam de o ir receber ao mar.
Daí a poucos dias, chegou ao porto da mesma cidade o dito inquisidor, o qual ainda que não se recebeu com as pompas atrás ditas que lhe estavam aparelhadas, foi recebido dos vereadores e todos os da governança e mais gente nobre da cidade e de todo o povo, com muita alegria e contentamento de todos. Desembarcando no cais, onde o estavam aguardando a cleresia dela e frades de S. Francisco, com suas cruzes alevantadas, foi deles recebido debaixo de um pálio de brocado, levando as varas dele as pessoas mais nobres e antigas da terra, e cantando o psalmo de Benedictus Dominus Deus Israel o levaram à igreja principal do Mártir S. Sebastião da dita cidade da Ponta Delgada. E daí acompanhado de muita gente nobre e outra popular, o foram aposentar no mosteiro de S. Francisco, donde depois saiu a visitar e fazer seu santo ofício, suave e inteiramente, em toda a ilha. É agora este senhor no Reino auditor da Legacia, desembargador da Mesa da Suplicação e da Consciência.

No tempo do ilustríssimo Capitão Manuel da Câmara, houve um Afonso Anes dos Mosteiros, que foi homem nobre, rico e principal, e veio a esta ilha dos primeiros; e teve de suas searas e rendas cento e cinquenta moios de trigo cada ano, além de outra fazenda, afora vacas, porcos e ovelhas. Foi cavaleiro da ordem de S. Lázaro, que naquele tempo era grande honra. Fez uma capela de S. João Baptista na igreja da Misericórdia da cidade da Ponta Delgada, com sua abóbada e coruchéu, todo de enxadrez até cima, com suas ameias de frol de liz, pelo meio e por baixo, e por dentro toda de azulejos lavrados, e nela está ele sepultado em uma sepultura alta de pedra negra, na qual mandou que se lhe disesse todos os dias do ano uma missa com seu responso. Para sustentação desta capela e gastos destas missas, aplicou da sua terra trinta moios de renda de trigo cada ano, perpétuos, os quais andariam no seu filho, mais velho. Deixou para substentação de uma cama na mesma Casa da Misericórdia um moio de trigo cada ano. E quando se fundou este hospital, deu o chão em que se fez, e ajuda para as obras, por ser mui amigo dos pobres. Este Afonso Anes foi o primeiro que veio a esta ilha dos ascendentes de que procedeu uma santa matrona, chamada Margarida de Chaves, de gloriosa memória. A qual foi pessoa nobre e principal desta terra, e casada com António Jorge Correia, cidadão da cidade do Porto e fidalgo da família dos Sousas e Correias deste Reino, que trazem por armas as correias no escudo atravessadas, com dois braços atados, com uma correia por timbre. Esta matrona foi pessoa de tão raras virtudes que mereceu fazer-lhe Deus raras mercês e comunicar-se-lhe tanto, que o que comunica a muitos Santos dividido, junto o comunicou a ela. Desta procedeu a mor nobreza que houve em todas estas ilhas dos Açores, porque esta não somente enobreceu todas as ilhas, mas ainda todo nome português, pois é santa portuguesa, a primeira natural desta ilha de S. Miguel, que por tal publicamente foi julgada em todas estas ilhas dos Açores e em todo Portugal, onde se tiraram, por grandes letrados e gravíssimas pessoas, sumários autênticos de seus milagres.
Viveu esta santa viúva Margarida de Chaves na freguesia do mártir S. Sebastião da cidade da Ponta Delgada, desta ilha de S. Miguel, primeiro casada e depois viúva, que todos tinham por mulher santa, como ela o mostrava bem em todas suas obras e palavras, e por uma inquirição que se tirou nesta ilha, por comissão do ilustríssimo e reverendíssimo senhor D. Pedro de Castilho, bispo então deste bispado de Angra e ilhas dos Açores, do conselho de el- Rei, nosso Senhor, acerca da vida, fama, bom exemplo e virtudes da dita Margarida de Chaves, viúva, se provou melhor sua santidade e se fez certo de muitos milagres que Nosso Senhor por ela obrou nesta terra , no ano de mil e quinhentos e oitenta e um, que se começou a tirar a dita inquirição na cidade da Ponta Delgada da dita ilha, aos dezasseis do mês de Janeiro do dito ano, pelo ilustríssimo senhor D. Luís de Figueiredo de Lemos, daião que então era da Sé do Salvador da cidade de Angra, e ouvidor e visitador nesta ilha pelo dito bispo, e depois vigairo geral e governador deste bispado de Angra por sua Majestade, que agora é benemérito bispo do Funchal, a petição do reverendo padre Francisco de Araújo, sacerdote, teólogo e grande pregador da Companhia de Jesus, que tinha ouvido, assim no Reino como nesta ilha, muitas cousas e milagres que o Senhor obrava nesta serva sua, e a instância de Manuel Jorge Correia, filho da dita santa, para o mesmo Deus ser mais glorificado e redundar em proveito e edificação das almas no tempo presente e futuro.
Porque, segundo a divina escritura, opera Dei revelare honorificum est, cousa honrosa é revelar as obras de Deus. E por isso o dito bispo mandou tirar um sumário autêntico de testemunhas dignas de fé, que com juramento disseram muitas cousas que sabiam de sua penitência, oração, virtudes e milagres que nela Deus obrava; pelo que se tem nesta ilha e em algumas partes do Reino por grande santa. E bem o mostrava em sua vida, pela frequentação do sacramento da Confissão e Comunhão, e milagres que Deus nela obrou, assim na vida como na morte.
Depois, a instância do mesmo Manuel Correia, filho da dita santa Margarida de Chaves, por receio que tinha de furtarem os ossos de sua mãe, pelos milagres que o Senhor por ela obrava, mandou o mesmo bispo ao dito daião meter os seus ossos em um caixão, estando também presente o dito Manuel Jorge, seu filho, e dois criados seus para abrirem a cova. A qual se abriu a catorze dias do mês de Março da era de mil e quinhentos e oitenta e um, às oito horas da noite, pouco mais ou menos, na igreja do Mártir S. Sebastião da cidade da Ponta Delgada. E, fazendo abrir a sepultura da dita santa Margarida de Chaves, em que fora seu corpo sepultado com o hábito de S. Francisco, que está diante da capela do Santíssimo Sacramento, se acharam seus ossos, compostos da cabeça aos pés, assim como foi sepultada, com muitos pedaços do hábito, e boa parte do cordão com seus nós, assim da cintura como da ponta que ia descendo até quase os pés; e por ordem foram tirando os ditos ossos e metendo-os em uma caixa para isso preparada, começando pela cabeça, que acharam ainda com os cabelos e muitos dentes, e queixo per si com os dentes quase todos, e os ossos e alguns pedaços do cordão; tudo ficou envolto em uma toalha de holanda, dentro na arca, que era toda forrada por dentro de tafetá preto. E fechando-a com uma chave que ficou em poder do dito Manuel Jorge Correia, seu filho, a tornaram pôr no fundo da dita sepultura, em a qual ficou coberta de terra com duas pedras por cima, como dantes estava. E, por informação do vigairo Sebastião Ferreira e de outras pessoas dignas de fé, se achou como não se enterrara depois dela outro corpo na dita sepultura. Sentiram todos os que ali estavam, como cheiravam aqueles ossos e sepultura suavemente. E tudo foi justificado e reconhecido por tabaliães e escrivães públicos da dita cidade da Ponta Delgada, assim do eclesiástico, como do secular.
Esta Santa foi filha de nobres e virtuosos pais e de honrados parentes, todos de bom coração e inclinação, e tementes a Deus. Sendo moça solteira, era muito amiga de Deus e o mesmo foi depois que casou com o dito António Jorge Correia, de que houve filhos muito virtuosos e amigos de Deus. E assim, sendo casada, como depois de viúva, sempre foi mulher de grande virtude, mui registada em sua casa, vida e costumes; principalmente depois que viuvou, foi muito mais amiga de Deus, dada ao exercício espiritual de penitência e oração e frequentação dos Sacramentos, de tal maneira que todos a tinham por Santa. Nem era muito tê-la em conta, pois além das virtudes que mostrava, era pranta que procedia de tão honrados e virtuosos troncos, e fazia uma vida tão abstera que trazendo cilícios e jejuando rigorosos jejuns, quase todos os dias e noites, sem se deitar em cama, ora na igreja, ora em sua casa, empregada em meditações e contemplações, em que lhe dava Deus muita graça e lhe fazia grandes e subidas mercês espirituais.
Afirmava desta Santa um teólogo que ouvindo-lhe algumas cousas que na oração lhe eram representadas, ou da Santíssima Trindade, ou do Santíssimo Sacramento, ou do Amor de Deus, ou da castidade e pureza da vida, e de outras semelhantes, lhe parecia que ouvia a mais alta teologia do mundo, porque de tal modo falava destas cousas e de outras da fé que parecia que as estava vendo evidentemente com os olhos e entendimento, como claras demonstrações. E muitas vezes ficava pasmado da delicadeza de altos e santos pontos, declarados por ela com as mais delicadas palavras que podiam ser, e comparações altíssimas, extremadas e nunca ouvidas, com tanto espírito e fervor que bem parecia ter por mestre o Espírito Santo, que lhe ensinava tudo.
Tinha esta Santa três cousas principais. A primeira ser de todo negada em tudo, porque nem trabalhos, nem descansos, nem enfermidades, nem testemunhos falsos, nem quanto se podia imaginar de bens ou de males, a podiam apartar do Amor de Deus, que mais forte era nela que a morte. Toda era mortificada no interior da própria vontade e só vivia em Cristo e Cristo nela, sem se poder nunca apartar dele, esquecendo-se de todo das cousas do mundo.
A segunda, que no carecer das consolações sensíveis não cessava de buscar a Deus, assim nos jejuns, esmolas e abstinências, como no essencial da vida espiritual, pintada na escritura sagrada, porque, ainda que algumas poucas vezes lhe não acudia Deus na oração com os subidos mimos e favores que soía, não deixava de estar tão transformada e unida no mesmo Deus como dantes, e assim ficava sobremaneira consolada, porque não sabia querer senão o que Deus queria, nem o sabia buscar para seu gosto e interesse próprio. E nunca era alevantada a cousas altas, que não tivesse por apêndice grande mortificação e conhecimento de sua baixeza, por uns modos que se sabem ouvir e entender, mas não contar. E sabia ser Marta a seus tempos devidos, ficando sempre Maria, transportada aos pés do Senhor.
A terceira cousa que tinha era que as impressões, que lhe causavam as consolações espirituais, eram ficar-lhe um fastio de quanto nesta vida via das cousas do mundo e uma saudade grandíssima de Deus, que não via. E, ainda que seus desejos iam encontrar às vezes com a humanidade de Cristo, nosso Redentor, todavia não parava aí, mas lá ia buscar a divindade em uma obscuridade que parecia que, sem a ver, a estava vendo, e sem a possuir, a gozava.
Estando uma vez esta Santa transportada em oração, transformada em Deus e Amor Divino, lhe foi representado que ainda que vira um anjo e posto que vira todos os anjos e a corte do Céu junta, nada disto lhe enchera as medidas, nem a satisfizera. Vendo o anjo que lhe perguntaria, morta de sede e cheia de fome e saudade de Deus: — Ó Anjo de Deus, onde está o meu Deus e meu Senhor?, conforme aquilo da esposa nos Cantares: — ubi est, quem diligit anima mea? Somente a fazer-se uma cousa com Deus aspirava, e endereçava seus desejos. Muitas vezes recebia as consolações sensíveis no coração em grande abundância, as quais vieram em tanto crescimento e tanto se foi empinando que já muitas vezes as recebia na alma, sem ter os sentimentos e gozos do coração, a que já chamava exteriores. Finalmente, era tão firme e conforme com Deus e tão favorecida dele, ficando tão fundada sempre em humildade profunda que, quem a conhecia e sabia de sua vida, julgava que enquanto ela viveu, depois que se começou dar a Deus, nunca caiu deste santo exercício, e lhe parecia ser em vida já confirmada na graça divina, e que sua longa e virtuosa vida passada confirmava mais este parecer e ser tudo isto que dela sentia obra de Deus, na qual o demónio nada tinha.
Dizia o teólogo que, se a algumas cousas das desta Santa podia dar algum mais certo parecer, era nisto, que quanto ela fazia ia nivelado e regulado pela doctrina católica, sem discrepar o menor ponto do mundo, e nada fora dos limites do Evangelho, mas tudo enfiado nele, fundada sempre em grande humildade.
Afirmava mais o dito teólogo que, assim em confissão, confessando ele algumas pessoas, como fora de confissão, ouvira de alguns milagres que fizera a dita Santa Margarida de Chaves em sua vida e depois de falecida, pelo que a tinha por tão santa que não ousava rogar a Deus por ela, nem em seus sacrifícios, nem em suas orações; antes rogava a Deus que se lembrasse dele pelos merecimentos da vida dela, de quem ele não duvidava, senão que estava na glória com Deus, recebendo lá o prémio do que cá com seu favor mereceu, e ainda vivendo ela, pois Deus lhe comunicava em vida tão grandes cousas, parece que a tinha certificada dos bens da glória, dos quais depois de sua morte está gozando no Céu.
Quanto à fama pública de sua santidade e exemplo de vida, muitos anos foi tida por muito santa de todos, principalmente das pessoas virtuosas e religiosas, e dos padres da Companhia de Jesus que aqui vinham, a esta ilha. E era exemplo de muitas virtudes e santidade, e continuação de sacramentos e obras pias.
Quando se punha em oração, dizia que se ia pôr diante de Deus, sem saber o que havia de dizer, nem levar ponto forjado, nem cousa cuidada; tolamente, como mulher sem entendimento, sem levar outro tino senão ir buscar a Deus. Pelo que ouvindo isto dela e outras cousas semelhantes, o doctíssimo padre Francisco de Araújo, grande pregador da Companhia de Jesus, lhe chamava e dizia que era esta Santa passiva divina.
Afora um filho seu, tão virtuoso que se tinha por santo, e faleceu estudando na Universidade de Coimbra, deixou esta Santa dois filhos honrados, virtuosos e de raras habilidades, que lá estudavam; um chamado Manuel Jorge Correia, outro Gonçalo Correia de Sousa, ambos bacharéis formados nos sagrados cânones, e uma filha, chamada primeiro Maria Correia, e depois Maria da Trindade, a qual deixando o mundo e metendo-se freira no mosteiro de Santo André, da ordem de Santa Clara, na cidade da Ponta Delgada, desta ilha de S. Miguel, imita e segue bem as passadas de sua mãe santa, na virtude e exemplo, vida e oração, em que Nosso Senhor lhe faz também grandes graças e favores, e comunica cousas altíssimas. Também tem uma irmã, chamada Bárbara de Chaves, tia de Maria da Trindade, de grande virtude e oração, que já em vida da mesma Santa a imitava.
Depois do falecimento desta Santa, a manifestou Deus por tal com muitos milagres grandes e de diversas maneiras, que fez não tão somente nesta ilha, mas também no Reino e principalmente no arcebispado de Évora e bispado de Coimbra e Bragança, e outras muitas partes; por algumas das quais os padres da Companhia de Jesus levaram suas relíquias. E depois com comissão do gravíssimo e reverendíssimo Cabido da Sé de Coimbra, ao reverendíssimo doctor frei António de S. Domingos, lente de prima de teologia na insigne Universidade da dita cidade, tirou o dito doctor outro sumário, ao pé do qual afirmou que era Santa. Depois mandou o ilustríssimo senhor D. Manuel de Gouveia, bispo de Angra, tirar outro sumário nesta ilha de S. Miguel de seus milagres; os quais fez ler por diversas vezes diante dos letrados, religiosos, teólogos e pregadores que havia na ilha Terceira, e alguns canonistas; e cada um per si, todos disseram que lhes parecia que sua vida fora santa, e que as cousas que Nosso Senhor fizera por sua intercessão, assim na vida como depois de morta, eram milagres e por tais os tinham, pelo que se devia escrever a Sua Santidade, e a Sua Majestade para que favorecesse este negócio ante Sua Santidade, e a sua sepultura se devia ter respeito e acatamento, e fazer-se-lhe alguma diferença das outras. E, assim, o dito senhor Bispo julgou a vida por santa e aprovou seus milagres, e mandou que a sua sepultura, onde está seu corpo, se tivesse respeito e acatamento e que ao redor dela se fizesse uma grade. E sobre este negócio escreveu a Sua Santidade, a el-Rei e ao Cardeal, para que favoreça a determinação ante Sua Santidade.
Dia de Santo António, depois de vésperas, que foi a treze de Junho do ano de mil e quinhentos e oitenta e sete, por certos respeitos, com licença do Bispo, estando presente o licenciado Simão Fernandes de Cárceres, chantre de Sé de Angra e seu vigairo geral, com muita solenidade e cantoria de psalmos, se transferiram seus ossos, fechados na mesma caixa em que estavam, à capela-mor, levando-os o conde D. Rui Gonçalves da Câmara, D. Francisco, seu filho, o Dr. Gilianes da Silveira, juiz de fora, o capitão Alexandre, o capitão António de Oliveira e um sacerdote, onde foi muito para ver a grande devação de todo o povo, e a profunda gaiva que se fez em sua sepultura, tirando e levando dela terra, que todos estimavam por grande relíquia. Com a qual depois Deus fez muitos milagres em louvor desta Santa, glória e esplendor das ilhas do mar Oceano, e certa norma do bem viver, e estímulo penetrante em nossos dias, e despertador grande para o caminho da glória e salvação.

Há nesta ilha muitos minerais, alguns dos quais são causa dos terramotos dela. Deles direi o que alcancei saber, e alguns que por conjecturas se presume haver.
Nas Furnas, que estão ao oriente, há pedra humi e na alagoa grande há tanta caparrosa que acham serras dela; da qual dizem os alquimistas que são fezes de prata. Também há muito enxofre, que nunca ali falta, por mais que dele tirem. E achou-se acernefe, que é um material amarelo, mui luzente, no qual pega o fogo mais que em enxofre, e queimado se derrete e torna em escória, de maneira que é o biscoito que correu nesta ilha e saiu do pico do Sapateiro, e outros muitos que dantes correram doutros picos; e pode ser que o acernefe é a matéria de que todos eles se geraram e fundiram, ou será a marquesita, que já tenho dito, e acernefe, tudo junto.
Na Ladeira da Velha, entre a vila da Ribeira Grande e o Porto Formoso, da banda do norte, há muito enxofre e pedra humi em muitos lugares, que os trabalhadores não podem sofrer com o fedor grande que os derruba no chão; o qual, segundo dizem os homens que tratam em minas, procede de metais que estão debaixo, mas tem uma propriedade que, com duas horas depois do sol saído, mais levemente se pode sofrer o seu fedor, e hão-de alçar da obra duas horas antes que se ponha o sol; de outra maneira seria insofrível e morreria de improviso quem trabalhasse nele, se não usar de algum remédio, que é tapar os narizes com panos molhados em vinagre.
Na Ribeirinha, termo da vila da Ribeira Grande, passada a ponte de Diogo de Morim, há muita marquesita, e o mesmo quase em todo aquele termo há marquesita, assim de cobre como de prata, e comummente em toda aquela ribeira. Junto da qual há somente um veeiro que tem umas pontas como prata, entre umas rochas de penedia, defronte do qual veeiro, há bonarménico em um outeiro alto, de que João de Torres levou seus arrates a Lisboa, que vendeu a tostão o arrátel. Há também acernefe, porque, cavando certos homens por mandado de João de Torres na própria ribeira, indo após um veeiro de marquesita, com assás trabalho, toparam com uma fibra de acernefe, no qual dando qualquer faísca de fogo, se acendia com grande ímpeto, e estando trabalhando, tendo posto certos pontaletes que os mineiros chamam ademas, quando foram pela manhã, o acharam fundido e a serra corrida sobre o fogo, que não lhe deu pouca dor e desgosto. Donde se tem por mui certo que todos os terramotos de fogo desta ilha procedem do acernefe. E não somente o deve haver aqui, mas outros muitos minerais dignos de ver e entender, que, parece, Deus não é servido descobrir, e se guardam para outros que virão, por não ser o tempo chegado. Muitos afirmam que livros dos romanos antigos diziam que esta ilha era mãe dos metais do mundo.
Acima da vila da Ribeira Grande, nas Caldeiras, se achou pedra humi e caparrosa, e também um material que assoprava como salitre, a modo de foguetes, o qual se tem por certeza ser salitre. Logo mais arriba, algum tanto para o ponente, na pedreira das Pedras Brancas, há pedra humi e caparrosa. Nos foguetes que comummente se chamam os Fumos, onde sempre a terra está fumigando com um espesso fumo e nas outras caldeiras, perto das Pedras Brancas, não há enxofre, mas indo após um veeiro, se achou acernefe.
Nas próprias Pedras Brancas, ao pé do rochedo, se achou um veeiro de uma pedreira que se podia forjar a pedra dele como metal de chumbo e mais mole, mas não prestava para pedra humi; a qual mandou João de Torres a Lisboa, e disseram alguns ourives que era tinqual , cousa de preço, o qual, por falta de mestre que o saiba fazer e nos livros se não achar o modo de o obrar, se não faz.
No pico do Sapateiro, há aí almojatre, que dizem ser um dos sete sais; é de cor branca, que os ourives gastam para dar cor ao ouro. Quando o põem na língua, requeima, como quando morde alguma abelha.
No pico Que Arde, que está acima da vila da Ribeira Grande não há rasto de pedra humi nem enxofre. E é tanto o fogo nele, que os trabalhadores o não podem aguardar, pelo que se chama o pico Que Arde. João de Torres, querendo experimentar o que nele havia, gastou quatro mil réis, e por os trabalhadores não poderem sofrer o fogo dele, não foi avante.
Muitas cousas outras de minerais deve de haver nesta ilha escondidas e não sabidas, pelo pouco poder e curiosidade dos homens. E, às vezes, quem tem curiosidade e ânimo não tem poder, e a quem tem poder lhe falta o ânimo e curiosidade, repartindo o Senhor seus bens e habilidades como é servido. E, na verdade, para inquirir e achar semelhantes cousas, é necessário braço de Rei, que não afraca tão presto nas empresas que toma, e pode com elas.